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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Uma visão tímida das Jornadas de Junho

    A série "Junho 2013: o Começo do Avesso" repete ingenuidades, contradições e equívocos da época, como se o tempo ainda não tivesse agido sobre as consciências

    (Foto: Reprodução)

    Os eventos das chamadas Jornadas de Junho de 2013 deixaram um rastro de consequências – próximas e remotas – que ainda suscitam discussões quase dez anos depois. Muitos dos que se entusiasmaram com o "despertar do povo" nas ruas de tantas cidades brasileiras recusam-se até hoje a admitir que aqueles eventos abriram portas para o fascismo chegar não só ao poder institucional, mas – pior ainda – ao tecido social brasileiro. Por outro lado, os que se indispuseram de pronto com o movimento têm dificuldade em enxergar os eventuais benefícios subsidiários trazidos no seu bojo.

    A minissérie Junho 2013: O Começo do Avesso, dirigida por Paulo Markun e Ângela Alonso e composta de seis episódios de 25 minutos, se propõe fazer um balanço de opiniões acerca das jornadas, evocadas através de imagens de arquivo (em grande parte da Agência France Press) e das rememorações de ativistas, autoridades, comunicadores e policiais diretamente envolvidos. As entrevistas foram disseminadas fragmentariamente nos episódios, gerando uma polifonia que, de alguma maneira, replica o vozerio e as indefinições que caracterizavam o que se via nas ruas.

    Essa fidelidade, porém, não avança no rumo de uma análise mais aprofundada dos fatos. Os temas flutuam de maneira errática, sem fixarem uma visão crítica consistente de cada aspecto. Entre as questões abordadas estão a óbvia confusão de pautas que se sucederam à reivindicação inicial quanto ao preço das passagens; a oposição aos megaeventos esportivos projetados para 2014; a rejeição aos partidos e à política representativa; as falhas do PT antes e durante os protestos; o papel das mídias (corporativa e independente); as técnicas e simbologias utilizadas pelos militantes; a violência policial e a dos black blocs; a ausência de representantes com quem os poderes estabelecidos pudessem negociar; a incapacidade dos governos para capitalizar a insatisfação a seu favor.

    Se cobre diversos tópicos das manifestações em sua natureza e forma, ainda que desorganizadamente, a série não consegue ir além da mera especulação e da troca de impressões. As análises que se esboçam em retalhos de fala soam tímidas e pouco afirmativas, sobretudo do lado da esquerda. O veterano Adi dos Santos, da Central Única dos Trabalhadores, é o único nesse espectro a estabelecer uma relação direta entre 2013 e a ascensão da extrema direita no país. Além dele, para minha surpresa, somente a política direitista Carla Zambelli menciona a importância dos protestos para o "impeachment" de Dilma Rousseff.

    Alguns depoimentos chamam atenção por razões outras. Gilberto Carvalho comenta a ação da classe média urbana no sentido de desviar o foco da questão da mobilidade urbana para o combate à corrupção. Um ativista mineiro conta que viu um homem distribuindo dinheiro para manifestantes queimarem bandeiras vermelhas e provocarem a polícia. Um militante da Juventude do PT de Minas relata que seu grupo desobedeceu a orientação do partido e engrossou os protestos. Um coronel da PM admite que as tropas não tinham orientação sobre como agir perante a massa. 

    No mais das vezes, porém, a coleta de sentimentos e lembranças recai nas mesmas ingenuidades, contradições e equívocos da época, como se o tempo ainda não tivesse agido sobre as consciências. Sem falar em um ativista de direita como Marcelo Reis, líder dos Revoltados Online, que ganha amplo tempo de tela para apregoar suas façanhas e festejar a "herança" de 2013, qual seja a de revelar uma "galera" nova para disputar o poder. Ele assume, ainda, que empresários costumavam oferecer  doações a seu grupo. 

    O forte componente anarquista presente no movimento não mereceu uma abordagem minimamente significativa. A série se preocupa em situar as jornadas no panorama que as antecedeu – desde os zapatistas no México à Primavera Árabe. No entanto, perde a oportunidade de interrogar com alguma veemência o que elas forjaram para o futuro próximo. O módulo final sobre "o saldo" é de uma insuficiência flagrante e não entrega o que o título da série prometia. 

    Não sabemos se a premissa do projeto era mesmo isolar o assunto em seu tempo imediato ou se isso foi uma escolha de montagem na organização final do material. De qualquer forma, o acervo visual das manifestações permite uma leitura antecipatória a quem quiser. Lá estavam já as bandeiras verde-amarelas como símbolo do antipetismo, a fragilização do governo Dilma e a direita usando hipocritamente jargões e discursos da esquerda. O pastor Silas Malafaia puxando coro de "o povo unido jamais será vencido" é de um farisaísmo insuperável.   

    >> Junho 2013: O Começo do Avesso e sua versão de longa metragem, Ecos de Junho, estão na plataforma Globoplay.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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