Vacina, só com propina
"Roubar na compra de vacinas não é só roubar dinheiro público. É matar brasileiros com a demora na aquisição, em busca de negócios sujos", lembra a colunista Tereza Cruvinel
Nunca me convenci de que foi por um misto de incompetência com negacionismo, vale dizer, ignorância, que o governo Bolsonaro deixou de comprar vacinas na hora certa, quando todos os países faziam suas encomendas, evitando milhares de mortes. O que fomos descobrindo a partir da instalação da CPI ontem foi escancarado: eles só topavam comprar vacinas de fabricantes que aceitavam pagar propina.
Duas bombas estouraram na noite de ontem, mais um dia de São Pedro sem fogueira por causa da infindável pandemia, e o estrépito produzirá uma quarta-feira turbulenta.
Conforme revelou à Folha de São Paulo o executivo Luiz Paulo Domingueti, que representava a fabricante Davati Medical, para comprar 400 milhões de doses do imunizante Astrazeneca, "o grupo" que operava a corrupção no Ministério da Saúde exigia que US$ 1 fosse acrescido ao preço de cada dose e repassado ao esquema. Isso representava uma propina de R$ 2 bilhões.
Quem lhe propôs a trampa foi Roberto Dias Ferreira, o diretor de logística que mais pressionou o funcionário Luis Ricardo Miranda para liberar a importação da Covaxin apesar das irregularidades. Foi exonerado ontem mesmo.
Em seguida, outro estouro. A revista Crusoé revelando que o lobista Silvio Assis, num encontro em que estava presente o próprio deputado Ricardo Barros, lhe ofereceu uma propina de R$ 6 milhões se seu irmão parasse de embarreirar a compra da vacina Covaxin. Ganharia US$ 0,6 em cada dose. Ou, com o dólar aa R$ 5, ganharia R$ 0,30 por cada vacina. A casa agora caiu mesmo.
Roubar na compra de vacinas não é só roubar dinheiro público. É matar brasileiros com a demora na aquisição, em busca de negócios sujos. Bolsonaro pessoalmente embarreirou o quanto pode a compra da Coronavac. E agora podemos pensar que o problema não era pela origem chinesa ou pelo protagonismo do governador João Dória no acordo inicial com o fabricante Sinovac.
Pazzuelo cozinhou a Pfizer de maio de 2020 a março deste ano, quando finalmente foi assinado o contrato para aquisição da vacina mais usada no mundo. E podemos pensar, sim, que demorou tanto porque não se apresentaram as condições para um pedido de propina. Compraram quando o desgaste do governo com a mortandade exigia alguma resposta.
Mais de uma vez ouvi de pessoas experientes: vocês, jornalistas, precisam tratar deste problema das vacinas com outros olhos. Negócios bilionários não acontecem sem intermediários e sem corrupção. Mas, além da dificuldade para investigar, eu não achava que a desumanidade deste governo chegasse a tanto.
Ontem no Boa Noite 247 o José de Abreu nos mandou uma mensagem com aquele seu poder de síntese: "um dólar por dose, duas doses para cada pessoa, dois dólares pelo direito de viver ou morrer". Eu emendo em reais, com o dólar a R$ 5: para eles, R$ 10 era o valor de uma vida a ser salva.
A implicância de Bolsonaro com as vacinas sempre me deixou o comichão da dúvida: se ele combate tanto o isolamento social porque isso prejudica a economia, será burro ao ponto de não entender que só a vacina pode trazer mais rapidamente a normalização econômica? Mas isso era no começo, quando o negócio era retardar a compra, pois vacina, só com propina!
Ontem Bolsonaro postou vídeo numa rede dedicado a falar de corrupção em outros governos, exaltando a limpeza do seu e a qualidade de seu ministério. Anseio por saber o que dirá hoje.
Roberto Ferreira Dias foi exonerado ontem mesmo. Mas ele era um operador e temos que saber de quem. O ainda líder Ricardo Barros nega tê-lo indicado para o cargo. O empresário Domingueti deve ser ouvido na sexta-feira pela CPI da Covid. O senador Omar Aziz quer também as imagens das câmeras do restaurante O Vasto, onde ele ouviu a proposta de Roberto Dias Ferreira. Trata-se de um restaurante da rede Coco Bambu, cujo dono, Afrânio Barreira, é notório bolsonarista e defensor da cloroquina e do tal tratamento precoce.
E para completar: estamos em vésperas de eleições. Este esquema tem todo o jeito de que era destinado a financiar campanhas no ano que vem. A de Bolsonaro para a reeleição e a de seus aliados para governos estaduais e para o Congresso. Mas talvez Bolsonaro não possa concorrer, pois o impeachment agora encontrou seu lugar na agenda do país. Hoje mesmo haverá a apresentação do super-pedido, que deve incluir as duas últimas bombas.
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