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    Carlos Hortmann

    Professor, filósofo, historiador e músico.

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    Vacinação e as falácias de Stoppa!

    Leonardo Stoppa é a favor do mercado das vacinas, tudo isso em nome da estatística. E por isso, segundo ele, deveríamos deixar a “equidade” de lado

    Por Carlos Hortmann

    Caros/as leitores/as do Brasil 247, peço imensas desculpas, se o meu título é pouco duro, mas tendo em vista a participação de Leonardo Stoppa no “bom dia 247” desta quarta-feira (27), senti-me na obrigação de desnudar os seus falsos argumentos, visto que ele mesmo disse: “me convença do contrário”. Por isso o título provocativo e com uma pitada de ironia. 

    Antes de mais tenho que ir nos fundamentos e na lógica que opera o discurso do “analista político” Leonardo Stoppa, o especialista em games. Vamos ao ponto central! 

    A primeira falácia. Ele recorre ao “argumento” de que trabalha/analisa com o “racional e deixa o emocional para outras horas”. Nesse sentido, gostaria que ele respondesse com sinceridade, de que forma ele consegue separar racional do emocional? Onde termina o racional e começa o emocional (irracional)? Leitores/as, já posso antecipar para vocês: ele não irá conseguir responder, porque são duas dimensões do ser humano que são indissociáveis, portanto, essa é uma falsa dicotomia que não existe na realidade. Caso tenham dúvida, tentem fazer essa separação. Qual é a operação retórica que está por trás desse argumento falacioso? Tudo o que ele fala é racional (ausente de emoções); quem discorda dele, logo, é emotivo e não pensa racionalmente, portanto, ele se auto-certifica como certo. Vejamos, ele coloca a premissa e fica a argumentar em volta dela, ou seja, é um argumento circular. Esse tipo de falácia lógica e metodológica precisa ser desmontada. É a mesma lógica que Max Weber coloca para explicar a sociedade capitalista, ou seja, isso é essencialmente ideologia. 

    Segundo ele existem “dois tipos de analistas políticos”, aqueles que usam a razão (tipo ele) e os que jogam para torcida ou audiência, sendo que esses últimos criam “bolhas de esquerda” ou “o gado de esquerda”. Ele diz que uma “pessoa séria” pertence ao seu grupo, que trata as coisas com racionalidade, logo, quem é contrário às suas análises não é uma pessoa séria e nem racional, mas emotiva e irracional. 

    Em cima dessas premissas falsas e circulares é que ele teve a lata de defender que a vacinação seja feita, também, pela iniciativa privada. Para ele é algo incontornável o fato de as elites empresariais furarem as filas da vacinação, então, por esse motivo não devemos lutar e resistir para que exista uma política pública de vacinação para a classe trabalhadora. Pelo contrário, devemos ceder à suposta lógica de que o mundo privado tem mais capacidade de vacinar “as/os trabalhadores”, alimentando um discurso de justificação e naturalização da necessidade deles (a burguesia) comprar vacina – para diminuir o contágio e as mortes, segundo ele. Recordemos, para os capitalistas a única coisa que importa é lucro/acumulação! 

    Pensei que ele estaria a repetir o discurso da Globo ou da FIESP, mas conseguiu ser ainda pior. Segundo Stoppa “a melhor coisa que vai acontecer é de quem tiver condição de comprar a vacina, que compre”. Por outras palavras, é a favor do mercado das vacinas, tudo isso em nome da estatística (segundo ele vai diminuir o contágio porque o deus mercado vai vender vacina para muita gente) e por isso devemos deixar a “equidade” de lado, e que as burguesias cuidem dos seus familiares e trabalhadores, enquanto o restante dos/as trabalhadores/as (que estão na informalidade) e os 13 milhões de desempregados/as no Brasil fiquem a mercê de um governo genocida ou comprem a vacina disponível no mercado. Se você estiver com dúvida sugiro que assista ao vídeo. 

    Esse argumento vai ainda mais longe, ao dizer que os burgueses, estando vacinados, não serão transmissores do coronavírus, visto que assim eles não contaminarão os/as trabalhadores/as. Desde quando os trabalhadores convivem com os reais empresários-burgueses brasileiros? O Lemann vive na Suíça!

    Para sustentar o seu pseudoargumento começa a disparar o seu antimarxismo. A dizer que as teorias do Marx só tinham validade há mais de 200 anos (mais abaixo irei expor as outras asneiras ditas). Esse tipo de afirmação só sinaliza para o seu completo desconhecimento sobre a produção marxiana. Ressalto: o mais importante do que Marx deixou foi seu método de analisar a sociedade e não as suas formulações que são datadas historicamente. Por essa compreensão sem-leitura de Marx (só produção da ideologia liberal-capitalista), afirma que devemos abandonar as lutas de classes – e parar de colocar os empregados contra os patrões (que jogam bola aos sábados); deixar de apresentarmos o Socialismo como projeto político concreto de superação da miséria provocada pela sociedade capitalista é algo irreal; e reconhecer que as grandes empresas de monopólios como Ford já quase não existem mais!

    Para isso ele recorre ao argumento-método indutivo. Explico melhor. Cita um exemplo de um amigo que tem uma loja de celulares, diz que esse amigo “empresário” apanhou Covid-19 e que por isso pagou o exame para os dois funcionários (é o mínimo que poderia fazer). Um parêntese: coloquei empresário entre aspas, pois a forma jurídica identifica esse exemplo dado pelo Stoppa como empresário ou pequeno-empresário, contudo, sinalizo para algo determinante, eles não são empresários no sentido real do termo, ou seja, não são os capitalista-burgueses-monopolistas. Nesse contexto, em que se iguala a forma jurídica (empresariado) à condição de capitalista-monopolista ele diz que não podemos falar em luta de classes. Vou tentar descrever melhor porque esse exemplo é enganoso e falacioso.

    Alguns apontamentos. Ao valer-se desse exemplo de “empresário” benevolente e que tem uma suposta relação muito próxima com os empregados, tem por objetivo nos induzir a acreditar que são os verdadeiros detentores do capital-monopolistas – os donos das Big Tech, no Brasil os grandes banqueiros, os Gerdau, Jorge Paulo Lemann e afins –teriam o mesmo comportamento daquele pequeno comerciante do interior de Minas Gerais. Esse tipo de argumento e exemplo só demonstra que ele possivelmente não leu nenhuma linha de Marx, pois se tivesse lido, mesmo não sendo marxista, não falaria uma bobagem dessa.

    Irei fazer um esforço de síntese para explicar que são os verdadeiros empresários (para além da forma jurídica), os que realmente detêm e exercem o poder na sociedade em que vivemos. Retomemos o exemplo do senhor Stoppa. O seu amigo dono da loja até pode acreditar ser um empresário-burguês, contudo, basta que as grandes empresas de Big Tech tomem a decisão de desenvolver um tipo de tecnologia em que somente eles próprios possam consertar os celulares. O que acontecerá com o seu amigo? Irá a falência! Pois ele não é um empresário-monopolistas, o real detentor do capital, é só uma pequena engrenagem num sistema que é feito para acumular e concentrar riquezas. Por outras palavras, ele não controla e monopoliza nenhuma das esferas/segmentos do Modo de Relação Social Capitalista (produção, circulação e capital-mercado financeiro).

    O empresário-capitalista é aquele que toma uma decisão e impacta na totalidade de um segmento produtivo ou de um país. São esses que têm capacidade monetária de comprar vacinas no Brasil e no Mundo. A luta de classes não é com o dono da loja de celulares, mas com os reais donos do capital.

    Nesse esteio quero apontar como ele parece desconhecer as dinâmicas e relações de classes da sociedade capitalista contemporânea, bem como as leis tendenciais que determinam esse modo de relação social. Numa argumentação confusa tenta dizer que há cada vez menos empresas grandes, como a Ford (exemplo dado por ele). Se tivesse lido Marx ou Lênin não repetiria essa falácia, pois a realidade social diz exatamente o contrário e saberia o que é o capitalismo-monopolista-imperialista. Só um exemplo de uma lei tendencial: o sistema capitalista tem como dinâmicas fundamentais para ser capital (na marcha da acumulação infinita), centralização e concentração. Na Europa, nos anos de 1920 tinha aproximadamente 220 indústrias automobilísticas, hoje são só 6 grandes monopólios no velho continente – caso queira saber mais sugiro que leia a tese de Marta Luedemann, “Transformação na indústria automobilística mundial [...]”. Marx nunca esteve tão atual e você tão enganado ou enganando.

    Ainda sobre economia. Stoppa diz que hoje o Brasil é um país dependente dos Estados Unidos ou da China. Uma questão? Quando o país deixou de ser dependente? Se essa é uma das condições constitutivas dos países que estão na periferia do sistema capitalista, serem dependentes do capitalismo central (onde se encontram - detém - as altas capacidades tecnológicas). O subdesenvolvimento económico e tecnológico do Brasil não é um acaso ou irracionalidade, mas é constitutivo do modelo imperialista que impõem a existência das economias periféricas do sistema. Nem marxista era Celso Furtado e já identificou essa questão nos anos de 1950.

    Poderia continuar a escrutinar as falaciosas argumentações de teor económico, contudo, caro/a leitor/a o senhor “analista político” diz algumas asneiras sobre o papel da esquerda no Brasil, na dimensão reducionista do que ele entende por política. Vamos lá!

    Leonardo Stoppa diz que a expressão da esquerda é diminuta na sociedade brasileira. Algumas pistas do que está por trás desse discurso?  A outra falácia lógica de que: “vamos entrar na realidade”, como se ela fosse atomizada e imutável. Se observamos a realidade política brasileira dentro das instituições (Congresso, Estados e afins) a esquerda perdeu espaço e os números estão aí para confirmar tal constatação. Qual é o problema desse argumento? Reduzir a esquerda a institucionalidade burguesa (parlamento, presidência e afins), ignorando exatamente onde está a real força da esquerda: na sociedade civil/nas ruas (fora dos aparatos estatais e do direito). Um exemplo dessa força, referido por Lula da Silva, no livro A verdade vencerá, de quando foi perguntando porque ele e o governo não caíram durante o espetáculo do “mensalão” – AP 470. Ele foi enfático, “eles tinham medo porque sabiam que nós tínhamos o povo na rua”. O ar de menosprezo com que ele falou da esquerda, ignora o seu papel histórico na formação social brasileira. Além disso, apesar das contradições e limites, o Partido dos Trabalhadores conseguiu administrar o sindicato da burguesia: o Estado, por treze anos. Contudo, a partir do momento em que o PT se afastou de suas bases sociais e deixou de ter as condições objetivas e políticas de gerir as contradições da crise estrutural capitalista, foi golpeado e criminalizado. Reduzir a esquerda à institucionalidade é desconhecer onde está concentrada a força dos/as trabalhadores/as ou da classe que vive-do-trabalho. Simplesmente ignora o papel solidário e pedagógico que teve o MST durante a pandemia e tem tido nos últimos 40 anos no Brasil.

    Sua verborreia continua. Apela para a tática do medo, de que não podemos falar de luta de classes (que nunca ficou tão visível como na pandemia), de socialismo e de revolução porque poderemos ser enquadrados na lei de segurança nacional. Aqui está o germe do afeto hegemónico que faz o capitalismo continuar a existir: o medo. Na lógica usada por Stoppa (que não é dele, mas a sua inteligência não percebe que ele está a reproduzir exatamente a ideologia capitalista: “de que é mais fácil acreditar no fim do mundo do que no fim do capitalismo”), nós (trabalhadores/as os reais produtores da riqueza) temos que temer os aparatos burgueses do Estado e nos contentar com a realidade imposta pelos capitalistas-exploradores. Este discurso torna-o mais um legitimador-justificador da sociedade vigente em que os lucros estão acima da vida.

    O ápice foi: “o que não tem levado ninguém a nada é a ideia do radicalismo”. Ele parece não saber que ser radical é ir na raiz dos problemas, das causas fundantes – um conhecimento etimológico básico. Para quem se diz um estudioso e leitor, é bastante complicado nem saber o significado elementar do termo radical. Ser radical é ir na raiz dos problemas da barbárie em que vivemos nos dias de hoje: capitalismo! Que traz consigo o racismo, o machismo/patriarcado, a homofobia, o capacitismo entre outras opressões. Ser radical é lutar todos os dias para entregarmos um mundo menos bárbaro aos nossos filhos do que recebemos. Na verdade, seu discurso só demonstra como está a reproduzir a ideologia dominante da grande mídia que diz criticar. 

    Todas essas “teses” infundadas e algumas falaciosas para justificar a compra da vacina pela iniciativa privada. Com o argumento de termos que entregar essa “maldita vacinação para o setor privado para salvar vidas”. Ele compreende o afeto que impera na sociedade, só que o usa contra nós trabalhadores/as. Senhor Stoppa nós só conseguimos “direitos” substantivos quando os verdadeiros empresários capitalistas (não o seu amigo dono de uma loja) sentiram o medo da força da classe trabalhadora: Revolução Russa. Todos os pequenos avanços que a nossa classe conseguiu, não foi por benevolência ou humanidade do capitalismo, mas com sangue e suor de muitos outros humanos que lutaram. É muito fácil na sua posição de classe (diferente de situação) dizer que “a ditadura da audiência, a audiência não pode mudar a convicção de uma pessoa que estudou para passar a verdade.” Pelos vistos você não estudou, pois está a passar mentiras para muitas pessoas que te ouvem.

    Adendo: reforcei o convite para um debate via Twitter.

    Pelos vistos ele parece ter declinado de qualquer confrontação de ideias e continua a insistir na tese de que devemos deixar os privados comprarem as vacinas e possam “colaborar com o Estado”. O argumento dele: “Butantan diz que vai exportar 54 milhões de doses extras da Coranavac se governo Bolsonaro não manifestar interesse”. O mais importante para ele não é derrotar nas ruas o projeto político genocida de Bolsonaro-Mourão e sim entregarmos a “nossa salvação” nas mãos da iniciativa privada. O capitalismo é mesmo muito bonzinho! 

    “Ser verdadeiramente radical é tornar a esperança possível e não o desespero convincente”Raymond Williams.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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