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Valter Pomar

Historiador e integrante da Direção Nacional do PT

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Venezuela: buscando respostas para algo que ainda não consegui entender

"Não entendo por que parte da esquerda adota posições que, mesmo sem intenção, legitimam uma intentona golpista promovida por fascistas", questiona Pomar

Nicolás Maduro (Foto: Reprodução)

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Muitos dos governos, grupos e pessoas que não reconheceram (ainda) o resultado das eleições venezuelanas, reconheceram desde o início o resultado das eleições russas.

Teve muxoxos e questionamentos, mas não aconteceu nenhum movimento de efetivo questionamento em relação a reeleição de Putin.

Será porque acham que o sistema eleitoral russo é o último processo mais democrático do que o da Venezuela?

Será que acham Putin um democrata?

Suspeito que o motivo real é mais pragmático: no caso da Rússia, não daria em nada questionar. 

Já no caso da Venezuela, questionar pode dar em alguma coisa: no melhor dos casos, derrubar o governo; no pior dos casos, deixar o governo na defensiva e acumular forças para o que virá em seguida.

Entendo que a direita brasileira, Cavernícola à cabeça, adote esta tática. Afinal, eles não têm nada a perder e tem tudo a ganhar.

Mas até agora não consegui entender por quais motivos uma parte da esquerda brasileira adota esta tática.

Certamente, há os que agem para ter 1 minuto de destaque nos meios de comunicação da direita. Mas vou partir da hipótese otimista, segundo a qual esta postura é marginal (no sentido de mega minoritária).

Certamente, também existem os que estão motivados pelos mais sublimes valores democráticos, combinada com o inegável direito à dúvida, mais uma propensão a dar lições aos outros sobre como fazer a coisa certa, adicionada a visão crítica que muita gente tem acerca da Venezuela, de Chávez e especialmente de Maduro.

Embora exista quem atue movido pelas supracitadas pulsões, a verdade é que a maior parte da esquerda brasileira já demonstrou, por inúmeras vezes, que é extremamente capaz de equilibrar suas dúvidas, seus princípios e suas preferências, com altas doses de pragmatismo. 

Assim sendo, fico pensando qual seria a variável pragmática envolvida na postura de quem cobra enfaticamente de Maduro algo que só a justiça eleitoral pode dar; algo que a justiça eleitoral venezuelana sempre deu, mas nos prazos e nas formas previstas em lei.

Será que é para enfatizar que somos pela democracia, evitando que a extrema-direita agarre esta bandeira?

Se for isso, é pragmatismo de tiro curto. Pois as relações entre a direita brasileira e a direita venezuelana são antigas; assim como são antigas as relações entre a esquerda brasileira e a venezuelana. Uma derrota de Maduro, digamos o que digamos, será uma derrota nossa.

Será que é para manter a direita gourmet em situação confortável, sem ter que explicar por qual motivo coabita um governo com (supostamente) bolivarianos radicais?

Se for isso, também é fórmula passageira. Pois mais cedo ou mais tarde a situação vai exigir uma definição. E aí voltaremos ao mesmo problema existente no ponto de partida, com o prejuízo de termos ficado encima do muro. Se não reconhecermos, vitória da direita. Se reconhecermos, a direita nos acusará do mesmo que antes, pouco importa o que digam as atas e os números.

Será que é para não se isolar dos demais governos da região ou do hemisfério ocidental? 

Se for isso, digamos que é dar milho ao bode. Pois dada a correlação de forças atualmente existente, esta será a primeira de muitas vezes em que teremos que fazer escolhas que nos colocarão em conflito com eles. Salvo, é claro, se a lógica for achar melhor uma péssima concessão do que uma difícil divergência. 

Por mais que vire e revire o problema, não encontro uma resposta adequada. Repetindo, acho que tem pessoas que agem motivadas pelo holofote, outras motivadas por certa soberba, outras por restrições a Maduro & cia., outras motivadas por dúvidas sobre o processo eleitoral, outras para defenderem sua concepção de democracia.

Compreendo essas posições, embora discorde delas.

O que não consigo entender é por qual motivo pragmático uma parte da esquerda está adotando posições que - mesmo não sendo esta a sua intenção - na prática estão contribuindo para legitimar uma intentona golpista, promovida por gente abertamente fascista.

Procuro a razão pragmática por trás desta postura, mas não acho.

E talvez seja porque não exista. 

Talvez estejamos diante de um daqueles casos em que, incrivelmente, há muitas emoções envolvidas e bem pouco pragmatismo.

Ou talvez, numa versão mais simplória, não fizemos a devida reflexão sobre o que estava acontecendo e sobre o que poderia acontecer. 

E, como decorrência, vamos definindo nossa posição ao longo do processo, sendo jogados para cá ou para lá, a partir das ações e reações daqueles que de fato estão protagonizando a situação.

No final das contas, pode ser só isso. Como diria um amigo cubano, no hay qué pedirle pera al olmo.

Mas é possível pedir um pouco de pragmatismo. Pelo menos isto.

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