Vida de Lula correu risco, mas GSI vai afastar militares para averiguações
Imaginem o risco de Lula ser abatido no ar, como um pássaro, em pleno voo, ou ser alvo de uma bala “perdida” à sombra de um pagode chinês, ou numa esquina de NY
Na transição, quando José Múcio entrou no gabinete do recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva com as mãos espalmadas e braços erguidos, numa atitude de: “deixa comigo” (cena imaginada pela autora), trazia no bolso um acordo de cinco itens robustos, todos acertados com o colega de empreitada, o general Gonçalves Dias, o GDias, amigo do chefe e irmão camarada. No receituário – previamente combinado entre ambos – havia um ponto fulcral: não haveria grupo de transição na Defesa, pasta central naquele momento de fragilidade da relação governo eleito/Forças Armadas. Pisando em ovos, depois de uma eleição quase melada – hoje sabemos -, Lula fez hãhã, porque ok dizia o outro.
Ao pedir detalhes sobre tal decisão, Lula viu GDias e Múcio se entreolharem e, com cara de “a hora é agora” (cena imaginada pela autora), sacaram do bolso o receituário da pacificação. Com um enunciado bonito, um palavrório tão desnecessário quanto falso, o papel que esticaram para o novo presidente tinha dois objetivos: um, ao contrário das diversas pastas, visava a manter fora de qualquer inspeção ou aprofundamento, as atividades do Ministério da Defesa. Dois, fazer descer goela abaixo, de Lula, o “Código Múcio”, contendo cinco itens robustos e já consensuados com o Alto Comando Militar. Vencidas as etapas, estava no papo. Os dois seriam automaticamente nomeados como ministros. O primeiro, como chefe do GSI. O segundo, como o “inarredável e afiançado” ministro da Defesa.
Ainda com pouca intimidade com os óculos, que insiste em não encaixar corretamente nas orelhas, o presidente sacou da ferramenta e começou a leitura:
As Forças Armadas, nas últimas 3 décadas, amadureceram suas convicções como instituições de Estado, distanciando-se das políticas partidárias, atendo-se resolutamente nas suas missões constitucionais. A ação do Governo Bolsonaro sobre os assuntos militares gerou reação dos comandantes, culminando com uma crise que levou à destituição do Ministro da Defesa e dos Comandantes das 3 Forças. Foram então escolhidos outros comandantes, que passaram a conviver num ambiente de insegurança e pressão psicológica, buscando evitar mais uma crise institucional.
Essa situação de instabilidade refletiu nacionalmente e afetou a confiança e o prestígio das Forças Armadas, comprometendo o bom relacionamento com outras instituições, particularmente com a classe política de oposição ao Governo. A imagem das Forças ficou vinculada ao Governo, embora estivessem empenhadas em continuar no cumprimento de sua missão constitucional.
Isto porque Lula já havia saltado os dois primeiros parágrafos, totalmente desnecessários. Em seguida ao “introito”, vinha o chumbo grosso. O “recado” dos generais. Num estilo discutível e juridicamente equivocado – cláusulas pétreas são outra coisa longe disso -, apresentaram as “condições para a convivência harmoniosa e pacífica:
- “- Determinadas áreas consideradas importantes (Cláusulas Pétreas) são anseios da coletividade militar e devem ser ressaltadas para as Forças Armadas, como:
- Ensino;
- Sistema de promoções;
- Estatuto dos Militares;
- Lei de Reestruturação da Carreira Militar; e
- Regramento jurídico, normativo e legal em vigor sobre as Forças Armadas. Foi uma difícil conquista desde 1985, passando pela Constituição de 88, Leis Complementares, Leis Ordinárias, etc ... (sic); tudo está bem consolidado. (Só se esqueceram de dizer que a conquista custou muitas vidas e foi resultado da pressão da sociedade civil).
- - Não se deve discriminar totalmente o aproveitamento de militares da reserva em outras funções, como aconteceu em governos passados, pois as FA tem quadros muito competentes.
- - Manutenção no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob a chefia de um General de Exército, pela sua complexidade e interoperabilidade com outros órgãos de governo (trocando todos os militares e civis dos cargos de chefia, direção e assessoramento).”
Depois de chover no molhado tentando “vender a goiabada”, apresentaram o “produto” que os encaixariam no poder, com o sugestivo título:
“PROPOSTAS AO GOVERNO LULA
As propostas a seguir apresentadas visam criar um ambiente de mútua confiança e harmonia entre o Governo e os militares. O novo Governo deve iniciar suas atividades em bases sólidas de respeito, credibilidade e confiança, afastando qualquer ideia de desmerecimento, preconceito ou aversão.
Dessa forma, apresentamos as seguintes propostas a serem apreciadas pelo Governo:
- A escolha do Ministro da Defesa deve recair sobre um civil ou militar com bom trânsito político e bem aceito pelas Forças Armadas. Os militares não são contrários à indicação de um ministro civil, mas valorizam aquele que se comprometa e defenda os assuntos de interesse militar. Políticos de ideologia exacerbada, de qualquer matiz, também não são bem-vistos. A escolha do Ministro José Mucio está perfeitamente coerente com essa proposta e foi muito bem aceita pelos militares.
- A escolha dos comandantes de Força deve ser feita observando-se o princípio da antiguidade. A escolha com base em lista tríplice apresentada por cada Força Armada também é muito bem-vista pelas Forças, mesmo que o escolhido seja o terceiro da lista. O respeito à indicação das Forças reforça a credibilidade nas instituições. Da mesma forma que a escolha do Ministro, a escolha dos futuros comandantes atendeu perfeitamente essa proposta.
- Manutenção no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob a chefia de um General de Exército, pela sua complexidade e interoperabilidade com outros órgãos de governo (trocando todos os militares e civis dos cargos de chefia, direção e assessoramento).”
O breve resumo recebeu o aval do presidente Lula e o resto do filme a gente sabe. Veio o golpe de 8 de janeiro, José Múcio queria a chamada da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e foi voto vencido. Em seguida levou uma espinafração e mesmo resmungando teve de demitir o general Júlio Arruda, o “mais antigo”, conforme critério imposto a Lula, por se recusar a desistir da nomeação do tenente-coronel Mauro Cid, o ajudante de ordens do governo anterior, para um batalhão de Forças Especiais, com 1500 homens, a serem usados na derrubada de Lula. Aquele que, ali, na frente de Múcio, sobreviveu aos planos de um tiro certeiro do fuzil de longo alcance de um CAC, e à invasão do palácio do qual se encontrava, por sorte, ausente, por ser final de semana.
O resto do adágio soubemos depois. GDias não limou da lista do Gabinete Institucional da Presidência (GSI) – pasta antes pilotada pelo arqui-inimigo Augusto Heleno – os homens de confiança do general bolsonarista. Em vez de colocar todos na rua, foi ele, GDias, a ter que encarar o meio-fio, depois que suas imagens titubeantes pelos corredores do palácio, no dia 8 de janeiro, vieram a público.
As consequências da inação estão reverberando ainda hoje, sete meses depois. Tempo suficiente e semelhante ao que levou o ex-presidente Jânio Quadros a passar pelo poder, jogá-lo para o alto, e entrar para a história.
E mais. Mesmo preso por excesso de zelo ao antigo chefe, Mauro Cid não teve o seu e-mail cassado. Nele, jogou na lixeira e não apagou, 17 mil mensagens, algumas, no mínimo, picantes, como a que mandava os seus subordinados não registrarem presentes valiosos a Bolsonaro. Sabemos também que Mauro Cid – finalmente com o e-mail suspenso, tentou 99 vezes – sem que o serviço de “inteligência” soubesse, entrar na sua caixa de mensagens.
E veio a público, ainda, nesse início de semana, a gravíssima informação de que mesmo nos EUA, ao lado de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid continuava a receber relatórios “urgentíssimos” do GSI – essa hidra de muitas cabeças -, com roteiros detalhados sobre as viagens do presidente empossado, Luiz Inácio Lula da Silva. Com que intuito? Abater a sua aeronave no ar? Nunca vamos saber.
Sabemos, lá isso fomos informados, que os autores de tais mensagens as enviaram pelos seus e-mails funcionais até março!!! São os seguintes os militares do tempo de Heleno que lá permanecem e fizeram a façanha: Márcio Alex da Silva (do Exército); Dione Jefferson Freire (da Marinha); e Rogério Dias Souza (da Marinha). O veiculado na mídia é que o General da reserva Marcos Antônio Amaro dos Santos os afastou, para averiguações.
Os e-mails funcionais de Mauro Cid enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro mostram que o ex-braço direito de Bolsonaro recebeu documentos sobre quatro viagens e três eventos de Lula, dentro e fora do Brasil, conforme o portal Metrópoles.
Imaginem o risco de Lula ser abatido no ar, como um pássaro, em pleno voo, ou ser alvo de uma bala “perdida” à sombra de um pagode chinês, ou mesmo numa movimentada esquina de Nova Iorque?
Não considero justo pagarmos a alguém para manter o terno em dia – já que a farda jaz no armário da reserva -, para ser cauteloso com os inimigos do presidente a quem deveria servir com lealdade. Tampouco, pensando bem, é justo mantermos José Múcio no cargo depois de constatarmos vencido o seu prazo de validade.
Assim, de perdão em perdão, ainda vamos contrariar o grito uníssono de mais de um milhão de brasileiros comprimidos na frente do Planalto no dia primeiro de janeiro de 2023: “sem anistia”!
Por dever de ofício e ética: Nota à Imprensa GSI-PR - Instauração de sindicância — Gabinete de Segurança Institucional (www.gov.br)
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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