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    Elika Takimoto

    Professora do CEFET/RJ

    16 artigos

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    Violência nas escolas. Como lidar?

    No pós-eleição, grupos de jovens se unem para destilar preconceito, seja no pátio da escola, seja em um grupo de WhatsApp ou em uma live feita em alguma rede

    Discurso de ódio (Foto: Reprodução)

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    Em tempos de tanto ódio, estamos também testemunhando comportamentos bastante violentos nas escolas. Grupos de jovens se unem para destilar preconceito, seja no pátio da escola, seja em um grupo de WhatsApp ou em uma live feita em alguma rede. Certamente, já deve ter chegado para você algum vídeo denunciando essas violências.

    O vídeo mais recente que eu vi mostrava uma live no TikTok, feita por estudantes de uma das escolas mais conceituadas da capital gaúcha. 

    Reproduzindo o que, suponho, ouvem em casa, adolescentes proferiram sorrindo frases gordofóbicas, frases xenofóbicas contra nordestinos, ofensas contra professores e professoras de escolas públicas, pessoas pobres e pessoas que votaram no Lula de forma geral. Até o auxílio emergencial entrou na pauta desse vídeo. 

    Uma das adolescentes disse – rindo e de forma debochada – que o benefício de R$ 600, criado pelo governo federal para garantir renda mínima aos brasileiros em situação de vulnerabilidade durante a pandemia de Covid-19, daria para ela comprar um sorvete de uma marca específica citada e um papel higiênico folha dupla.

    Não tem como não se indignar perante um discurso desses vindo de jovens em formação.

    O fato de existir escola particular é uma razão forte (ainda que não seja a única) para que surjam falas preconceituosas como essa em alguns adolescentes. Há uma visão deturpada, somente por estar ali em um lugar de muito privilégio, de que o rico é necessariamente mais inteligente ou uma pessoa melhor. Fica nítido que há uma diferença gritante de classe. Se essa injustiça não for discutida do portão da escola para dentro, essa estrutura social vai parecer algo natural, porque assim está sendo tratada.

    Assim como é um erro a existência de hospitais particulares, a existência da escola particular é um grande equívoco da nossa sociedade, ainda que haja exceções. No sistema educacional que temos, a escola particular não representa apenas uma opção para uma educação específica para certas comunidades (étnicas ou religiosas, por exemplo), por qualquer motivo que seja, mas na maioria dos casos representa privilégio e desigualdade de acesso. Por que uma pessoa merece ser melhor atendida do que outra? Poder pagar para um serviço é uma justificativa decente para a pergunta anterior? 

    Se estudantes que frequentam escolas particulares não forem estimulados a refletir sobre essa estrutura, o que estão aprendendo, afinal, para além do conteúdo "que cai no Enem"? E não me venha falar que educação vem de casa. Educação vem de muitos lugares, inclusive da escola.

    Tem mais uma coisa que quero colocar aqui. 

    Brutos que nos tornamos quando estamos cheios de ódio, exigimos prontamente, como vemos nos comentários das notícias envolvendo esse vídeo, a imediata expulsão da escola de quem protagonizou o ataque e as ofensas.

    Entendo o ódio direcionado a quem odeia, no caso, esses adolescentes. Mas, supondo que tanto preconceito seja aprendido no ambiente familiar, fico me perguntando onde (meudeus onde?) estudantes que foram expulsos de uma escola por se comportarem de forma odiosa irão enxergar a gravidade do erro que cometeram? Seria em casa – local onde ele encontra os seus espelhos? Seria em outra escola – possivelmente com a mesma estrutura que a escola que os expulsou?

    Como educadora, sofro ao ver que a escola não conseguiu, em um caso como esse, ser um espaço de aprendizado efetivo e que tenha que recorrer à expulsão ou a uma punição que não ensina, pelo contrário: existem, como acompanhamos em inúmeros casos, grandes chances da punição aumentar o ódio no adolescente.

    Insisto: se não for na escola, onde se dará esse aprendizado?

    Penso que um lugar onde exista uma concentração de profissionais da Educação deva ser o local ideal para pensar em estratégias para que estudantes reflitam sobre o quão perverso foi o que fizeram. 

    Expulsar ainda é manter no mundo. Educar é transformar esse mundo. 

    Não é fácil. Eu sei.

    Educar requer tempo. Compreender que há ritmos de crescimento e que não basta falar para ser ouvido. 

    Para que queiram nos escutar, temos que ter calma, criatividade, paciência e sabedoria perante esse grande desafio. E é necessário também ter muita sensibilidade, já que estamos, por vezes, fazendo jovens refletirem sobre valores equivocados que recebem, muitas vezes, da própria família. É normal esse conflito e, por isso, é saudável que crianças e jovens convivam em um espaço que permita e que estimule, nas mais diversas formas, o diálogo.

    Educar movido pelo ódio é punir, e punir nem sempre (ou quase nunca) educa. Quando não vemos efeito imediato na educação movida pelo amor não foi porque erramos, e sim porque não tivemos tempo suficiente para acertar ou para ver a semente brotada.

    Assim como o lixo colocado para fora de casa continua dentro do planeta, um cruel adolescente pleno de preconceitos com uma visão deturpada da realidade e expulso… enfim, esse adolescente expulso de uma escola seguirá dentro da sociedade. Continuando com a metáfora, é necessário não produzir tanto lixo e reciclar o que estiver ao nosso alcance, porque se livrar de algo simplesmente "jogando fora" não é possível, como bem sabemos. 

    Muita gente já me disse que não devemos ser tolerantes com intolerantes. Concordo com Popper, o filósofo que trouxe essa reflexão. Mas o que coloco aqui é anterior a isso: como fazer com que a pessoa entenda que está sendo intolerante? Como não produzir ou reduzir o surgimento da intolerância?

    Para finalizar, antes que me julguem, sei da dificuldade e do quanto poderia ser cruel fazer com que a pessoa ofendida fosse obrigada a conviver com o opressor. Jamais sugeri isso, e tampouco sugiro isso com esse texto, porque creio que há inúmeras outras saídas para situações como essa, que não incluem maltratar ainda mais a vítima. Mas, para encontrar essas outras saídas, precisamos nos propor essa difícil reflexão.

    A família educa e a escola também. Se ambas falham, qual a chance do real aprendizado acontecer?

    Apenas refletindo aqui sobre tudo isso e compartilhando com vocês.

     


     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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