TV 247 logo
      Milton Alves avatar

      Milton Alves

      Jornalista e sociólogo

      201 artigos

      HOME > blog

      Violência policial faz parte da agenda política e da demagogia eleitoral da extrema direita

      "É no estado de São Paulo que a necropolítica ganhou maior projeção", escreve Milton Alves

      Tarcísio de Freitas em evento da Polícia Militar de São Paulo (Foto: Francisco Cepeda/Governo do Estado de SP)

      O país assiste nos últimos dias a uma verdadeira escalada de violência das Polícias Militares (PMs). As ações de truculência, letalidade e abuso de autoridade dominam a cena cotidiana. Trata-se de um comportamento autoritário e abusivo de uma força policial numerosa e presente em todo território nacional, auxiliar do Exército, segundo a definição institucional.

      Há, sem dúvida, uma componente política na ação de diversos governadores que alimentam um duvidoso discurso de priorizar o combate ao crime e acabam, na prática, legitimando a violência da PMs.

      Na verdade, essas autoridades governamentais adotam uma política de segurança com ênfase apenas na ação repressiva, com uma incrível brutalidade e o desprezo pelo direito à vida. Uma agenda política que agrada setores mais conservadores e reacionários da população (e também camadas pobres mais afetadas pelo crime organizado), o que abre espaço para a demagogia eleitoral da extrema direita em torno da questão do combate à criminalidade.

      Nas últimas semanas, nós brasileiros e brasileiras, que sustentamos as forças policiais com o pagamento suado de escorchantes tributos, assistimos PMs violando o sagrado momento do velório de uma família em Bauru, cidade do interior de São Paulo, um rito cristão e universal de despedida dos entes queridos; o arremesso de um humilde trabalhador de uma ponte por um policial militar, na Vila Clara, periferia sul de São Paulo; a invasão do lar e a brutal agressão de uma senhora idosa, com tapas, chutes e cacetadas na cabeça, em São Paulo; o assassinato à queima roupa de um estudante de medicina numa abordagem da PM na Vila Mariana, bairro da zona sul paulistana; o assassinato, com dois tiros na cabeça, de um homem já rendido por uma patrulha da PM na periferia de Guarulhos, em São Paulo; a execução por um policial militar do jovem negro Gabriel Renan da Silva Soares, com diversos tiros pelas costas, após ser acusado de furtar quatro pacotes de sabão num mercado na periferia da zona sul paulistana – são centenas e centenas de casos e não há espaço disponível para relatar aqui, em um curto artigo de opinião.

      Os casos ocorreram em todo o país, mas é no estado de São Paulo que essa necropolítica ganhou maior projeção com a eleição de um governador bolsonarista e a nomeação de um extremista para o cargo de secretário de estadual de Segurança: Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Guilherme Derrite, ex-capitão da Rota e deputado federal pelo PL, são os representantes emblemáticos dessa vertente política, segundo o conceito desenvolvido pelo filósofo e professor universitário camaronense Achille Mbembe.

      Segundo o estudo de Mbembe, a necropolítica significa a negação da humanidade do outro, o que torna o extermínio da vida naturalizado pela ação violenta de agentes públicos do estado. “Uma política da morte”, um fenômeno que vitimiza os mais pobres e marginalizados de uma determinada sociedade. No caso do Brasil, os vastos territórios habitados por populações pobres, pretas e periféricas.

      Dados divulgados pelo Ministério Público de São Paulo apontam para um aumento de 46% no número de mortes perpetradas por policiais militares na gestão de Tarcísio de Freitas até a primeira quinzena de novembro deste ano, em comparação com o ano de 2023. De janeiro até a segunda quinzena de novembro, foram registrados 673 mortes praticadas por PMs, contra as 460 mortes de todo ano passado.

      As descontroladas e brutais ações repressivas de policiais militares revelam o preocupante avanço da politização da extrema direita no interior das PMs, que atuam com uma assombrosa sensação de impunidade.

      Tudo indica que surge das entranhas dos corpos de segurança uma espécie de sistema policial mais repressivo de conjunto, em aliança com a milícia paramilitar, uma modalidade que vem sendo instituída na prática no país – e que opera a sua legitimação institucional via o aparelhamento político das forças de segurança, contempladas ainda por diversos tipos de estímulos oficiais e não oficiais de fatias das estruturas superiores do aparelho de estado. Um exemplo: é a obstinada resistência para a adoção de câmeras de filmagens nos uniformes dos PMs. O governador paulista e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, resistem para adotar o mecanismo, que protege o cidadão e o policial. Agora, Tarcísio ensaia voltar atrás e adotar a medida, após sentir a repercussão negativa da população e de entidades de direitos humanos com a atuação violenta da PM paulista.

      A questão da segurança pública é complexa, de difícil resolução, e tem uma relação direta com a própria natureza do regime capitalista, gerador de exclusão estrutural e concentração de riqueza -, mas a esquerda precisa enfrentar o tema com coragem, propor medidas e disputar politicamente com a narrativa da extrema direita.

      Temas como a defesa intransigente dos direitos humanos, a reforma urgente do sistema penal, a restrição do uso de armamento letal por PMs, o fim da política de encarceramento em massa, uma ampla descriminalização do porte de drogas, o combate duro aos bandos milicianos, mais investimentos sociais nas comunidades pobres e a reformulação da doutrina das forças de segurança são algumas das questões a serem enfrentadas para a construção de uma política de segurança pública nacionalmente estruturada, humanista e integral. Eis mais um desafio para as forças democráticas e de esquerda na atual conjuntura polarizada do Brasil.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

      ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

      ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

      iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

      Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: