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    Liana Cirne Lins

    Professora da Faculdade de Direito da UFPE, doutora em Direito Público, mestra em Instituições Jurídico-Políticas e vereadora em Recife (PT-PE)

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    Voto-denúncia de Lewandowski: STF é tribunal de exceção

    "Lewandowski negrita que o STF se comporta como verdadeiro tribunal de exceção para Lula. Seu voto é um grito contra a injustiça banalizada naquela Corte. Resta saber se será ouvido por seus pares. Nós, o povo, ouvimos", escreve a professora de Direito da UFPE Liana Cirne Lins

    (Foto: ABr | Felipe L. Gonçalves/Brasil247)

    Por Liana Cirne Lins

    O voto do Ministro Lewandowski, que costuma chamar mais atenção por sua robustez dogmática, foi um ponto fora da curva no julgamento dos agravos regimentais no HC 193.726, no qual o Min. Fachin decidiu, monocraticamente, em 08 de março deste ano, pela incompetência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. 

    Diferente do modo como os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio esgrimam suas críticas aos processos dos casos Lula, por meio de refinadas ironias, compreensíveis apenas aos mais atentos, Lewandowski fez sua crítica ao comportamento da Suprema Corte de modo direto, firme, sem subterfúgios. 

    A discussão de mérito dos agravos é se a 13ª Vara Federal de Curitiba teria ou não competência para julgar os processos de Lula. A decisão do Ministro “Aha Uhu o Fachin é Nosso” é recorrível. Mas surge uma segunda questão de competência: a quem compete julgar os próprios recursos? 

    Para os leigos e leigas, permitam explicar que competência, no vocabulário jurídico, nada tem a ver com o senso comum. Trata-se da esfera de atribuições conferidas a um dado órgão jurisdicional, definida por lei prévia. Ou, como diria Albuquerque Rocha, competência é a divisão do trabalho no âmbito do poder judiciário.  

    As duas sombras que pairam sobre os julgamentos de Sergio Moro nos casos Lula são a de incompetência e parcialidade. Não à toa, competência e imparcialidade são garantias que andam abraçadas e se ligam ao princípio do juiz natural, que assegura o direito a um julgamento justo. Ninguém quer e merece ser julgado por um juiz corrupto, que seja seu adversário. Por isso, não é coincidência que as duas alegações pesem contra Moro: elas são as duas faces da mesma moeda. Moro não era competente para julgar as acusações do MPF contra Lula e chamou para si esta competência justamente porque era parcial e tinha um propósito prévio ao julgamento. 

    A competência é definida, em regra, pelo local do crime. Ora, a tese do Ministério Público é que Lula teria supostamente cometido crimes de corrupção e lavagem de direito. Mas se o exercício da presidência ocorreu em Brasília, a sede da OAS (empresa em relação à qual se fez a acusação de corrupção) é em São Paulo e o apartamento triplex, que seria o objeto da lavagem de dinheiro, situa-se no Guarujá, como os processos foram parar em Curitiba? 

    Simples. Moro manobrou e criou subterfúgios para desrespeitar a lei e chamar para si uma super competência, que englobasse o poder de julgar todos os atos praticados na gestão petista. Seu critério era exclusivamente político e sua vaidade de colocar-se como super herói da direita neofascista e da direita liberal não escondia, em nenhum momento, seus intentos políticos por trás do exercício da magistratura. O pretexto para tal foi a prevenção (fixação da competência) em relação aos processos envolvendo corrupção junto a Petrobras. A partir daí, tudo passava a ter relação com a Petrobras, mesmo quando fosse evidente não haver ligação, como no caso do triplex. 

    Por isso, mais recentemente, o STF definiu, no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4130, que a competência da 13ª Vara Federal restringia-se a crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras. Aliás, é o entendimento fixado nesta QO que deverá ser aplicado hoje, pelo Pleno do STF, no julgamento dos agravos regimentais. 

    Voltemos à questão preliminar: a quem compete julgar os próprios recursos no bojo do HC em que Fachin votou pela incompetência de Moro? Ao Plenário ou à Segunda Turma do STF? 

    A resposta é oscilante, para usar a expressão que serviu à troca de farpas entre os Ministros Fachin e Gilmar. E oscila por que? Porque Fachin tem afetado o julgamento dos casos Lula ao Plenário ou desafetado, conforme o cálculo político do resultado provável do julgamento. 

    Ora, recentemente, Fachin saiu perdedor no julgamento da Segunda Turma, quando o órgão colegiado definiu o seguimento do julgamento da suspeição de Sergio Moro, o que justifica seu interesse na afetação ao Pleno. A manobra, a arbitrariedade e a instabilidade do comportamento do magistrado foi alvo de críticas de vários colegas. 

    O que nos traz de volta ao título desta coluna, o voto-denúncia de Lewandowski.  

    A denúncia faz um resgate do comportamento decisório da Corte em relação a Lula, chamando atenção para a "peculiaridade" de, dentre milhares de habeas corpus que a Primeira e a Segunda Turmas do STF julgam anualmente, justamente os de Lula serem afetados ao Órgão Pleno. Lembremos que foi o Ministro Fachin quem também requereu afetação ao Plenário do julgamento do HC 152752, por meio do qual Lula buscava impedir a execução provisória da pena diante da confirmação da condenação pelo TRF-4.  

    Vale a transcrição do voto do Ministro Lewandowski: 

    “No caso anterior, que resultou na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por 580 dias e lhe custou a candidatura à presidência da República, no momento em que as pesquisas de opinião indicavam que ele estava bem cotado, o que aconteceu nesta Suprema Corte? Rememoremos, a bem da História. Houve uma opção de trazer o Habeas Corpus, que era uma questão subjetiva que envolvia o ex-presidente Lula, tirando-o da Segunda Turma, trazendo-o ao Plenário, antes de decidir as ações diretas de constitucionalidade impetradas pela Ordem dos Advogados do Brasil. Se essa inversão não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente”. 

    É notória a denúncia de que o ardil utilizado por Fachin, com aval da Corte (afetação ou desafetação ao Plenário ao sabor dos cálculos políticos), e a supressão dos direitos civis e políticos de Lula, à margem do entendimento que veio a ser firmado posteriormente, quando do julgamento das ADCs, foi responsável pelos rumos políticos nos quais o Brasil veio a se enredar, culminando com a eleição de um genocida para a presidência da República, diante da falta do candidato que se apresentava como opção popular. 

    Lewandowski negrita que o STF se comporta como verdadeiro tribunal de exceção para Lula. Seu voto é um grito contra a injustiça banalizada naquela Corte. Resta saber se será ouvido por seus pares. Nós, o povo, ouvimos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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