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    Helena Chagas

    Helena Chagas é jornalista, foi ministra da Secom e integra o Jornalistas pela Democracia

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    Weber quebrou o silêncio, mas continuamos sem voz

    "E as mulheres, que segundo reconhece o voto de Weber, foram silenciadas durante tantas décadas no debate sobre o aborto na Corte suprema?"

    Ministra do STF Rosa Weber (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

    O corajoso e ousado voto da ministra Rosa Weber pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez mudou o patamar da discussão, ao situar juridicamente a questão sob a ótica dos direitos reprodutivos, da autodeterminação e da igualdade devida às mulheres. Foi um avanço sem tamanho vindo da mais alta Corte do país. Mas, sejamos realistas, são mínimas as chances de os remanescentes dez colegas de Weber no STF — nove homens e apenas uma mulher — adotarem o entendimento e anularem os dois artigos do Código Penal que permitem encarcerar as mulheres que são obrigadas a praticar um aborto.

    Não porque, no fundo, alguns deles não concordem com os argumentos expostos por Weber com base numa doutrina jurídica humanista. O próprio Luís Roberto Barroso, que nesta quinta substitui a ministra na presidência do Supremo, é conhecido por seu progressismo nas questões comportamentais. Lá no íntimo, possivelmente terá apoiado as razões da colega. Mas agora assume o papel institucional de quem preside uma ilha progressista cercada por um mar de tubarões conservadores.

    Foi Barroso quem pediu destaque no julgamento sobre a descriminalização do aborto, o que significa tirar o processo do plenário virtual — onde seria concluído com votos por escrito em mais alguns dias — e jogá-lo no plenário físico, aquele em que as decisões são debatidas ao vivo e cada voto televisado e assistido pelas torcidas que se instalam dentro de fora do prédio. Ficou óbvio, tanto para advogados quanto para integrantes do governo e do Congresso, que o assunto será engavetado por algum tempo. As primeiras reações de setores da direita mais radical já mostraram a Barroso o tamanho da briga a enfrentar, e tudo indica que ele não está disposto a fazer isso agora.

    Essa provável trégua no debate no STF provocou alguns suspiros de alívio em outros lados da Praça dos Três Poderes. Apesar de o Planalto abrigar hoje um governo com viés de esquerda, o eventual apoio de alguns de seus integrantes ao voto corajoso de Weber será velado.

    O maior temor dos articuladores de Lula — que, por exemplo, busca o apoio do eleitorado evangélico que votou em Bolsonaro — é que o tema do aborto venha a reaglutinar as forças da direita, assim como, já se sabe hoje, a decisão da Corte favorável à união entre pessoas do mesmo sexo mobilizou, lá atrás, religiosos e conservadores que engrossaram as manifestações de junho/ 2013.

    Boa parte dos brasileiros, lamentavelmente, é conservadora — e o governo Lula mostra saber disso quando evita entrar em bolas divididas da pauta comportamental no Congresso. É possível até que integrantes de sua nova base, agora integrada também pelo Centrão, venham a participar da reação troglodita que está sendo ensaiada no Legislativo, com a tentativa, por exemplo, de aprovar o Código do Nascituro. Nessa reação, teme-se inclusive a aprovação de normas legais que representem um retrocesso na situação atual, que permite o aborto legal em situações de gravidez por estupro, que coloquem em risco a vida da mãe ou em caso de fetos anencéfalos.

    O assunto entrou na pauta do confronto entre STF e Congresso, que se avizinha há tempos, seja pela hipertrofia dia Judiciário, seja pela omissão do Legislativo em sua função de legislar. Ainda bem que tivemos um Supremo atento para assegurar, na pandemia, medidas absolutamente imprescindíveis para assegurar a vida dos brasileiros. Ainda bem que tivemos, no ano passado, um TSE forte para garantir as eleições e a posse de Lula.

    Mas a brutalidade do 8/1, e a necessidade de investigação e punições dele decorrentes, atrasou um processo de reorganização institucional entre os poderes em busca da normalidade — no qual, obviamente, o Judiciário (e também o Legislativo) deveria voltar à sua casinha. Vai ficar para depois, mas tudo indica que o próprio Supremo, concluindo julgamentos fundamentais como o do marco temporal — já encerrado — e o do porte de pequenas quantidades de maconha, por exemplo, poderá entrar numa fase de contenção política.

    E as mulheres, que segundo reconhece o voto de Weber, foram silenciadas durante tantas décadas no debate sobre o aborto na Corte suprema? É provável que assim continuem. Tudo indica que seu substituto, a ser indicado pelo presidente Lula, será um homem. O placar de 10 x 1 não nos anima a supor que nossas vozes serão ouvidas, a não ser em momentos raros como o corajoso voto de Rosa Weber.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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