Xande encanta Caetano
Um CD que consagra Pretinho da Serrinha como um dos grandes músicos e produtores musicais da atualidade
Se nos últimos tempos a música popular brasileira andou caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento e com quase nada de poesia no bolso ou nas mãos, Xande de Pilares e Pretinho da Serrinha resolveram resgatar a nossa essência musical através da obra de Caetano Veloso. Djavan diria que eles "caetanearam", mas eu digo que eles swingaram o que há de bom. Como se isso fosse possível, em se tratando da ecleticidade presente no trabalho de um dos criadores do Tropicalismo. Um movimento artístico e musical que deu o tom ao que hoje conhecemos como MPB.
A primeira música que me tocou nesse brilhante trabalho de Xande e Pretinho, foi "Alegria, Alegria", que também é uma das primeiras músicas que eu tentava tocar ao violão, quando começava a aprender o instrumento. Uma canção que havia sido gravada há mais de 20 anos do tempo em que eu, ainda moleque, penava para executar os seus acordes. Mais uma prova da atemporalidade da obra de Caetano, revisitada agora por dois expoentes do samba atual brasileiro, que revestiram um dos grandes hinos da Tropicália com um arranjo maravilhoso de Ijexá, com direito a um clarone (clarinete-baixo) acompanhando o violão na inesquecível introdução.
Outro ponto alto do trabalho, é a autenticidade da interpretação de Xande que, em nenhuma das faixas, fugiu de sua personalidade vocal e da característica do seu canto. O que fica bem registrado em "Tigresa", originalmente uma balada setentista, que virou um samba clássico com uma percussão exemplarmente executada por Pretinho da Serrinha, e cujos arranjos e a interpretação de Xande, nos remete a exaltação de uma musa do subúrbio carioca.
As reinvenções da moda e da roda, seguem surpreendentemente positivas e musicais em "Diamante Verdadeiro" e "Muito Romântico". Embora a primeira, que foi gravada em 1979, no disco Pipoca Moderna, mantenha a rítmica original, com uma levada meio samba de breque e samba canção que lembra o saudoso Moreira da Silva, a voz de Xande se apropria tão musicalmente da canção, que não é exagero dizer que a música foi composta sob medida para ele. Eu não tenho nada com isso e nem me venham falar, mas acho que a segunda nasceu para ser um samba muito romântico. E, possivelmente, o próprio Caetano, que nunca dourou pílula, já sabia disso.
Eu já estava pra lá de Marraquexe ouvindo o CD, quando me deparo com um bolero que "Qualquer Coisa" doida dentro mexe. Berra-se mais ainda pelo desterro, ao ouvir o bandolim de Hamilton de Holanda desfilando pela canção, como se nos mostrasse os passos de um casal bailando pelo salão ao som daquela obra prima. Um arranjo pra lá de Teerã, que carimba a figura de Pretinho da Serrinha como um dos grandes produtores musicais da atualidade.
Se gente é para brilhar e não para morrer de fome, só o doce mistério da vida pode explicar a releitura da também tropicalista "Gente", na levada de um sambão que não há de deixar parado ninguém que se entenda por gente nesse mundo. Xande e Pretinho se tornaram donos do sim e do não, diante da visão herdada da luz de um sol que inspirou a dupla a produzir um dos álbuns que tem tudo para se consagrar na história recente da música brasileira. Palmas! Palmas! Palmas!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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