Advogados entram com representação contra Alvim no MPF
Grupo de juristas brasileiros encaminhou nesta sexta-feira (17) representação ao Ministério Púbico Federal (MPF) para denunciar o (agora exonerado) secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, por promoção e exortação “a discursos e simbologias do regime da Alemanha nazista”, no vídeo divulgado pelo canal da Secretaria na quinta-feira (16)
Paloma Varón (RFI) - “O fato de ele ter sido exonerado não o exclui da responsabilidade. Claro que [a exoneração] é uma medida importante do governo, que sinaliza a priori não compactuar com esta fala, mas certamente a fala é grave e exige medidas de responsabilização por esta veiculação”, afirma o advogado e professor de Direito Fabiano Silva, um dos autores da representação.
“Aqui [no Brasil] nós temos leis claras no sentido da proibição de se veicular qualquer tipo de sentimento que pregue o nazismo. As atitudes do secretário continuam sendo passíveis de responsabilização, tanto que nós estamos encaminhando uma representação ao MPF para que ele verifique a prática de crime por parte do secretário”, acrescenta.
Silva cita a lei 7.716, de 1989, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça, de cor e trata de propagandas discriminatórias que visem ofender raça, cor, etnia, religião.
“Tem um parágrafo específico, no artigo 20, que tipifica criminalmente a conduta de propagar ideias discriminatórias e propagandas com finalidades nazistas”, diz. Silva lembra que a lei pune com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa “quem veicular símbolos ou propagandas com finalidade específica de veicular ideias nazistas”.
Responsabilidade do governo
Sobre se a Presidência da República também pode ser criminalizada, Silva pondera: “O governo agiu rápido em já tirar o secretário. Talvez não seja responsabilizado diretamente. Certamente, se esta situação se perdurasse por mais tempo, a gente poderia discutir medidas inclusive de natureza administrativa contra o governo, de improbidade e outros tipos”.
Em seguida, o advogado classifica de “descalabro” o vídeo produzido pelo secretário da Cultura. “Foi um vídeo que agrediu toda a sociedade brasileira. Por isso estamos nos manifestando junto ao MPF. A sociedade brasileira mostra que medidas autoritárias e que refletem discriminações contra minorias não serão toleradas pela população”, afirma.
Sobre os próximos passos, Silva adianta: “O MPF pode agora decidir, de posse destas informações, se é o caso ou não de denunciar criminalmente o secretário com o incurso nessa lei. Por se tratar de uma ação pública, cabe ao MPF investigar e verificar ou não a ocorrência do crime”.
“O importante neste momento é mostrar o repúdio da sociedade brasileira com esta prática. O presidente da OAB condenou veementemente a fala, assim como muitos membros da sociedade civil”, fala. A representação é assinada, entre outros, pelo deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP).
Símbolos nazistas
O advogado analisa não só a oralidade do discurso do secretário, como a atmosfera, o discurso simbólico.
“Os símbolos são muito importantes na propaganda que o secretário fez, o fundo musical, toda a atmosfera que ele criou, a fala, o modo como ele fez… aquilo traz um sentimento muito ruim. Pode não ser velado, mas foi um discurso subliminar em favor desta chaga para a humanidade que foi o nazismo. Fatos como estes não podem ser tolerados”, enfatiza.
“Não é só fala, a atmosfera criada é claramente intimidatória, nazista. Temos de estar atentos aqui no Brasil, porque infelizmente este clima de terror acaba deixando a população preocupada”, diz o jurista, que, na ação entregue ao MPF escreve que Alvim “parafraseia” Paul Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
A professora francesa Armelle Enders, especialista em História do Brasil na Sorbonne, corrobora com a fala de Silva: “O vídeo é surpreendente, tem um efeito ao mesmo tempo cômico e trágico. É aterrorizante pela referência, o nazismo no seu aspecto mais terrível, em seguida pelo caráter totalmente absurdo das referências, as contradições...”.
Contradições
“Alvim exalta uma cultura nacional, mas forja um modelo estrangeiro, particularmente ao Brasil, com um fundo musical de Wagner, que não é exatamente um compositor de samba, cita Goebbles e exalta a civilização judaico-cristã, o que é absurdo”, aponta a historiadora.
Segundo Enders, o vídeo “causa consternação”: “A gente tem a impressão de estar diante de um psicopata ao assistir ao vídeo. É muito inquietante, ele só vem confirmar a inquietude que causa este governo Bolsonaro, cada dia é uma surpresa mais assombrosa”.
O mais chocante, para a historiadora, é a referência clara ao nazismo: “O fato de [o dramaturgo] tentar imitar, de encarnar Goebbles”.
“Roberto Alvim tentou mesmo parecer fisicamente Goebbels, com gel no cabelo, com um olhar fixo muito inquietante, o aspecto totalitário. A gente sabe onde vai dar este discurso de ‘arte degenerada’ e todas as perseguições que caracterizam o nazismo. É o totalitarismo; guerra à cultura, guerra à humanidade. Não pode ser mais aterrorizante.”
Enders analisa também a cruz das missões jesuítas que aparece à esquerda do secretário no vídeo. “Esse detalhe é uma apropriação, que se afasta da imagem nazista. Com ela, estamos mais perto do Ku Klux Klan do que de qualquer outra coisa”, diz.
“Um discurso como este não seria possível na França, é inimaginável. As referências ao nazismo são proibidas, é uma apologia a crimes contra a humanidade. Não é possível aqui na França, nem a extrema direita poderia fazer isso, é escandaloso, ele copiou várias linhas de Goebbels”, conclui Arnelle Enders.
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