Brasil é líder global em transparência e no controle da corrupção
Brasil está à frente de Bélgica, Chile e Israel, e, segundo alguns critérios, à frente de Dinamarca, Alemanha e Suíça
Por Luiza Calegari, Conjur - O Brasil é um dos países que melhor controla a corrupção no mundo. No ranking geral, está à frente de Bélgica, Chile e Israel, e, segundo alguns critérios, à frente de Dinamarca, Alemanha e Suíça. O Brasil é um líder global quando o tema é transparência e integridade da administração pública. Não, isso não é um delírio. A notícia foi veiculada pelo site Jota, produzida pelo economista Fernando Teixeira, especialista em Compliance Corporativo (HEC Lausanne) e Ética Empresarial (Pensylvania Law School).
Trata-se da conclusão do índice “Previsão de Risco de Corrupção” (“Corruption Risk Forecast”), criado em 2015 pela professora romena Alina Mungiu-Pippidi, em um programa financiado pela União Europeia e outras entidades. O sistema mede o drama da corrupção usando critérios objetivos de organização do Estado, como acesso à informação, transparência orçamentária, governo eletrônico e modelo de licitações.
Nos quesitos transparência orçamentária e governo eletrônico, o Brasil está perto dos dez primeiros colocados, e em transparência administrativa atinge um incrível 2º lugar entre 119 países, marcando 8,88 de 10 pontos. No ranking geral de integridade pública o Brasil fica em 34º lugar, e, em transparência, 30º lugar.
O resultado do índice Previsão de Risco de Corrupção desmascara e contrasta com o “Índice de Percepção da Corrupção” (IPC), divulgado pela “Transparência Internacional” — entidade que vem respondendo pela prática de atos corruptos. O índice apresentado pela “ONG” teria sido captado em “doze fontes” anônimas e financiado por colaboradores igualmente anônimos. Não se sabe quem e como foram consultadas as “fontes”.
O resultado do Índice de Percepção da Corrupção é praticamente o oposto do que foi obtido pela “Previsão de Risco de Corrupção”. Coloca o Brasil em 104ª posição entre 180 países, marcando 36 pontos em uma escala até 100 pontos. Até 2014 o Brasil estava 35 posições e sete pontos melhor do que está hoje.
O índice fabricado pela “Transparência” (uma empresa estrangeira), que tentou ficar com o dinheiro das multas aplicadas em acordos de leniência (portanto, recursos públicos do Brasil), insinua que o Ministério Público e o Judiciário do país são coniventes com o crime — contexto incompatível com um cenário em que centenas de empresários e políticos foram linchados em praça pública.
Não deixa de ser irônico que — no momento em que mais se combateu a alegada corrupção no país — uma empresa travestida de ONG, enroscada com procuradores e juízes que usaram processos para atender seus interesses pessoais, acuse o Brasil de conivência amigável com o crime. Mais irônico ainda é que entidade que se apelida “transparência” seja tão opaca sobre seu modus operandi.
É óbvio que, para uma coletividade que se guia mais pela emoção que pela razão, as notícias do combate à corrução fazem com que a “percepção” desse mal aumente. Usar essa sensação para dizer que o mal atacado cresceu não é somente desonesto intelectualmente. É estelionato — crime pelo qual o empresário Bruno Brandão, dirigente da “transparência”, que vive disso, agora pode ser acusado.
O segundo levantamento, da “Previsão de Risco de Corrupção” (veja aqui os critérios e a metodologia do estudo), baseia-se também em pesquisas de opinião. E são exatamente elas que puxam o Brasil pra baixo. Aspectos como independência do Judiciário e liberdade de imprensa são mal avaliados. Não fossem as pesquisas de opinião, o Brasil estaria no topo do ranking global do controle da corrupção.
“Em estatística, a discrepância entre dois indicadores é mau sinal. Ou um deles está errado, ou os dois estão”, diz o texto do Jota. Ou o Brasil tem instituições de fachada que não funcionam, ou tem uma opinião pública enviesada e distorcida. Ou as duas coisas.
O texto de Fernando Teixeira assinala que os estudos em comunicação de massa mostram que a opinião pública pode ser distorcida e enviesada em alguns casos. Pesquisas também mostram que a opinião pública tende a interferir no funcionamento das instituições, o que realimenta o problema.
Uma das principais teorias da comunicação é a “espiral do silêncio”, criada pela cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neuman. A ideia é que as pessoas tendem imitar a opinião dos outros, mesmo quando discordam, por medo de isolamento. As mídias de massa, inclusive as redes sociais, são máquinas de produzir “espirais do silêncio”.
Pesquisas em comunicação mostram que a corrupção era um tema pouco relevante na mídia e na opinião pública até os anos 1980. Começou a crescer nos anos 1990 e atingiu seu ápice a partir de 2014, quando apareceu, no Brasil, a “operação ‘lava jato'”. Em 2015, o Brasil desabou no Índice de Percepção da Corrupção: caiu cinco pontos e perdeu 16 posições de um ano para o outro.
O Brasil vinha desde a Constituição Federal de 1988 colocando em pé aparatos robustos de controle interno e externo da administração pública. Tribunais de contas, controladorias, Ministério Público, Judiciário. O Brasil é vanguarda em governo eletrônico, tem grandes quantidades de informação disponíveis ao público e um amplo leque de instrumentos para intervenção em decisões governamentais.
O processamento de um escândalo de corrupção é um indício de que o problema está sendo resolvido, não de que está piorando. Mas a opinião pública percebe exatamente o contrário. A partir daí, entra em funcionamento uma máquina de retroalimentação entre opinião pública e instituições, o que agrava o mal-entendido.
A interferência entre opinião pública e instituições é tema recorrente em pesquisas. Uma delas é o doutorado do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Roberto Franco Xavier. Foi publicado em 2015 em um artigo intitulado “A Opinião Pública e o Sistema de Direito Criminal”.
A conclusão é a de que o sistema de Justiça possui uma ferramenta jurídica específica para incorporar a opinião pública, as “estruturas de recepção”. As estruturas de recepção são conceitos jurídicos vagos usados para dar a aparência de legalidade ao clamor popular. Conceitos como “preservação da ordem pública”, “alta culpabilidade”, “circunstâncias agravantes do crime” são alguns exemplos de estruturas de recepção.
A opinião pública faz pouco caso de conceitos como “ampla defesa” e “devido processo legal” e vê o Judiciário com desconfiança quando não entrega o que se espera, o que tende a deixar agentes institucionais ansiosos. O resultado são grandes espetáculos punitivos que reforçam a impressão de haver um problema grave onde existe uma solução em curso.
A discrepância entre o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional e o índice Previsão de Risco da Corrupção (Corruption Risk Forecast) reflete a diferença entre aparência e essência. Na última década, o Brasil foi tomado por tornados punitivistas que não ajudaram no controle da corrupção. Em 2013, a perspectiva do Brasil no Índice de Previsão da Corrupção era de melhora. Desde então, o país está estagnado.
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