Caso Saul Klein: MPT aciona herdeiro da Casas Bahia por trabalho escravo e exploração sexual
Segundo a ação, Saul Klein mantinha “organização criminosa bem estruturada que arregimentava e prometia trabalho como modelo a jovens e mulheres em vulnerabilidade”
Rede Brasil Atual - O Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo ajuizou ação civil pública contra o empresário Saul Klein, herdeiro do fundador das Casas Bahia (Samuel Klein), por “prática de tráfico de pessoas para a submissão a condições análogas às de escravo, com trabalhos de natureza sexual”. Segundo a Procuradoria, Klein mantinha um esquema que prometia trabalho a mulheres como modelos em eventos.”Mas visava a exploração sexual de vulneráveis, crianças e adolescentes mediante a prática de crimes de tráfico de pessoas e redução de mulheres à condição análoga à escravidão”. O MPT pede indenização de R$ 80 milhões por dano moral coletivo.
A investigação começou em 2020, depois que procuradores passaram a receber denúncias envolvendo estupro, tráfico de pessoas e favorecimento à prostituição. Assim, de acordo com o MPT, o empresário “mantinha uma organização criminosa bem estruturada que arregimentava e prometia trabalho como modelo a jovens e mulheres em vulnerabilidade”. Muitas dessas denúncias foram publicadas em reportagens da agência Pública, no ano passado.
Esquema criminoso
Em geral, elas tinham em torno de 18 anos, ou adolescentes de 16 a 17 anos, sempre em situação de vulnerabilidade econômica. Eram convidadas a participar de eventos como modelo, tirar fotos para campanhas de biquíni ou realizar panfletagem. Depois, aponta o MPT, eram inseridas no esquema criminoso. “Diversas mulheres vieram de outros estados e de outras cidades de São Paulo, evidenciando-se o tráfico de pessoas.”
Além disso, muitas eram persuadidas a participar de “eventos” no sítio de Saul Klein em Boituva, interior paulista. Passavam o fim de semana e eram pagas por “serviços sexuais” – caso se negassem, eram punidas.
“Algumas vítimas relatam que ficavam mais de 24 horas trancadas num quarto com o réu, e eram dominadas sexualmente a qualquer hora do dia, mesmo enquanto dormiam, sem qualquer chance de resistência física ou moral”, relata o procurador do Trabalho Gustavo Accioly. Ele assina a ação juntamente com as procuradoras Tatiana Leal Bivar Simonetti e Christiane Vieira Nogueira. “O que se combate aqui não é prostituição em si, já que se ela fosse exercida de forma livre, consentida e voluntária, não haveria ofensa à ordem jurídica. Combate-se o ato de se tirar proveito econômico indevido de pessoas forçadas física ou moralmente, mediante abuso, fraude ou engodo, a praticarem atos sexuais sob forte subjugação.”
No sítio, as meninas eram mantidas sem liberdade de locomoção ou contato com o mundo externo. O local era cercado por muros altos e tinha vigilância armada permanente. “Não restam dúvidas de que estamos diante de um grave caso de tráfico de pessoas para fins de trabalho sexual em condições análogas à de escravo”, afirma o procurador.
Ojeriza ao estupro
“A Constituição de 1988 tem ojeriza pela cultura do estupro e exalta a dignidade sexual da mulher. É importante deixar claro que a cultura do estupro é considerada um importante pilar da dominação masculina, vinculado a construções de gênero e sexualidade no contexto de sistemas mais amplos de poder masculino e destacam o dano que o estupro faz às mulheres enquanto grupo”, acrescenta.
O MPT lembra que o Brasil tem números “alarmantes” de violência de gênero, o que inclui estupros. Apenas em 2019, por exemplo, foram registrados 66.123 boletins de ocorrências de estupro (inclusive de vulnerável), média de um a cada oito minutos. As mulheres representam 85,7% dos casos (56.667 registros).
Mulheres mercantilizadas
O Ministério Público pede, além da condenação, o pagamento de R$ 80 milhões, justificando o valor pelo patrimônio do denunciado. “O desprezo do réu pela dignidade das mulheres, sua autonomia, liberdade e saúde sexual viola o pacto social e normativo de respeito à condição humana. Necessário uma medida contundente de contenção e reparação por todas as práticas repugnantes aqui narradas, sob pena de o Poder Judiciário ser conivente com uma sociedade de mulheres abjetas, negociáveis e mercantilizadas.”
A ação lista ainda uma série de determinações. Para cada obrigação descumprida, o MPT pede pagamento de multa de pelo menos R$ 200 mil por infração e por trabalhador encontrado em situação irregular. Os valores serão reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) “ou a outra destinação socialmente relevante equivalente que observe a finalidade de recomposição dos bens lesados”.
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