Jean Wyllys diz que queda de Moro também representa a queda do jornalismo 'desonesto' e 'arrogante' que bancou a Lava Jato
Ex-deputado criticou o jornalismo da mídia corporativa que promoveu e sustentou a operação
247 - O ex-deputado Jean Wyllys (PT) defendeu neste sábado (29) que, com o encerramento do caso triplex e o completo desmascaramento do ex-juiz Sérgio Moro, também saia de cena o tipo de jornalismo praticado na mídia corporativa, que sustentou e promoveu a Lava Jato.
"A queda de Moro representa também a queda de um tipo de 'jornalismo' desonesto intelectualmente e arrogante (sendo um pouco condescendentes, poderíamos dizer que classista e preguiçoso) que acreditava - talvez ainda acredite - que pode enganar todo mundo por todo tempo", disse Wyllys pelo Twitter.
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O ex-juiz Sergio Moro, pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, afirmou nesta sexta-feira (28) que embolsou o equivalente a R$ 3,7 milhões no período de cerca de 12 meses em que trabalhou para a consultoria norte-americana Alvarez & Marsal – cerca de R$ 10 mil por dia. No entanto, procurou minimizar o supersalário e as críticas. “Basicamente eram 45 mil dólares por mês. Longe de enriquecer”, disse.
O também ex-ministro de Jair Bolsonaro revelou seus ganhos naquela empresa durante live ao lado do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), expoente do Movimento Brasil Livre. “Não enriqueci. Eu recebi parte disso aqui em reais, no Brasil, enquanto não estava com visto nos Estados Unidos, e depois passei a receber lá diretamente”, disse Moro. Ele também confirmou que recebeu cerca de US$ 150 mil, como bônus, já na assinatura do contrato, que durou entre 23 de novembro de 2020 e 26 de novembro de 2021.
“Não enriqueci. Trabalhei e recebi um bom salário, nos padrões dos Estados Unidos”, afirmou. Moro foi contratado pela Alvarez & Marsal inicialmente para atuar no Brasil, pois não tinha visto de trabalho nos EUA. Depois, foi transferido para Washington.
Moro aproveitou também a oportunidade para provocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). O ex-ministro cobrou que ambos prestassem contas. Nesse momento, resgatou os processo do sítio de Atibaia e do tríplex de Guarujá, ambos anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – por parcialidade de Moro – e pela Justiça do Distrito Federal.
Na mira do TCU
Documentos do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre os quais o ministro Bruno Dantas levantou o sigilo, mostram que a Alvarez & Marsal recebeu R$ 65 milhões de empresas investigadas na Operação Lava Jato. O montante equivale a 77,6% dos seus recebimentos no Brasil.
Durante a semana, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou representação no Ministério Público Federal (MPF) contra Moro. Por meio da representação, o grupo de juristas solicita a instauração de um inquérito para apurar os valores e as condições da contratação do ex-juiz e pede a investigação da relação entre Moro e as companhias assessoradas pela consultoria, como a Odebrecht.
O objetivo é verificar se Sergio Moro cometeu algum crime ao passar de juiz da Operação Lava Jato para funcionário da A&M, em benefício próprio, envolvendo conflito de interesses.
Em nota, a associação destaca que “Moro, enquanto juiz, julgou e condenou executivos das empresas clientes da Alvarez & Marsal no processo de recuperação judicial. Teve acesso a informações privilegiadas que possuíam potencial de impacto em favor de seu trabalho na empresa”.
“É no mínimo para se desconfiar e, evidentemente, para se investigar, que nunca houve motivação adequada à ordem jurídica constitucional e legal a justificar que Sergio Moro pudesse assumir um cargo para atuar na recuperação judicial de empresas cuja situação foi causada pela sua atuação como magistrado”, reforçam.
Revolving door
Nas palavras de Tânia de Oliveira, integrante da Coordenação Executiva da ABJD, o que está em questão é a prática de revolving door, que pode ser traduzida como “porta giratória”.
Em termos jurídicos, “é quando um servidor público migra para o setor privado, na mesma área em que ele atuava, e leva consigo benefícios como acesso a informações privilegiadas”. Nada menos do que o conflito de interesses.
Enquanto juiz, Moro “tinha acesso a tudo, porque homologava os acordos de leniência, as colaborações premiadas”, destaca Oliveira.
“Ele é o juiz que determinou a condenação da Odebrecht. Ele tinha acesso a tudo. Ele estava a par de todas as situações. Então ele tem acesso a informações privilegiadíssimas que ele leva com ele para empresa quando ele é contratado”, afirma.
Em novembro de 2020, a empresa anunciou a contratação de Sergio Moro como sócio-diretor. Na seção Our people (nossa equipe, em inglês) do site da empresa, no entanto, o ex-juiz aparece como diretor-gerente. Publicamente, Moro sempre se apresentou como consultor, o que nunca constou no site da empresa. “Nada na relação de Moro e Alvarez & Marsal está claro.”
Tráfico de influência e corrupção passiva
O conflito de interesses, apontado pela ABJD, está tipificado na legislação, a partir da Lei 12.813/2013, que “dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego”.
Moro foi desonerado do cargo de juiz federal para ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, ainda em 2018. Mas, além disso, Tânia de Oliveira aponta outros dois caminhos para a responsabilização do ex-juiz: tráfico de influência e corrupção passiva.
“No momento em que um servidor público obtém vantagem ou promessa de vantagem, entendendo que não precisa ser financeira, a pretexto de influir em ato no exercício da sua função, que não seja de interesse público, há o tráfico de influência”, afirma Tânia de Oliveira.
Corrupção passiva
A advogada afirma que a corrupção passiva é semelhante. Segundo o artigo 317 do Código Penal, trata-se da prática de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
“A gente tem muitos elementos desde o início [contratação de Moro, em 2020]. O que está acontecendo agora é que isso está sendo colocado de forma mais incisiva, inclusive na mídia, porque ele é candidato à Presidência da República.”
Investigação penal
Em dezembro do ano passado, o ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou à A&M a apresentação dos valores pagos ao ex-juiz com as respectivas datas das transações, os processos de recuperação judicial das empresas assessoradas desde 2013 e os valores indicados por juízes.
A determinação é decorrente de um pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, cujo objetivo é investigar possíveis “prejuízos aos cofres públicos pelas operações supostamente ilegais dos membros da Lava Jato de Curitiba e do ex-juiz Sérgio Moro, afetando a empresa Odebrecht mediante práticas ilegítimas de revolving door”.
Em outro ofício, encaminhado a Dantas pouco antes, o subprocurador-geral apontou para “possíveis conflitos de interesse, favorecimentos, manipulação e troca de favores entre agentes públicos e organizações privadas”.
Segundo Tânia de Oliveira, a investigação no TCU é “absolutamente pertinente”. A situação, no entanto, torna “ainda mais importante que o órgão que tenha competência para fazer a investigação penal, que é do Ministério Público Federal, seja acionado”, explica.
“O Tribunal de Contas tem competência para várias coisas, desde a possibilidade de decretar perda do cargo público até multa. A grande questão é que tudo isso está na esfera de uma investigação que não é investigação penal. Para saber se houve realmente revolving door, precisa ter um inquérito para investigar no âmbito penal”, afirma Oliveira.
Em petição apresentada ao órgão, a empresa informou que não existiu conflito de interesses na contratação de Moro ou irregularidades em sua atuação.
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