Juiz libera à defesa de Alberto Youssef acesso a escutas clandestinas da Lava Jato
Escuta clandestina foi encontrada em abril de 2014 pelo próprio doleiro em sua cela
Conjur - O juiz Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal de Curitiba, liberou à defesa de Alberto Youssef o acesso ao conteúdo das escutas clandestinas encontradas na cela do doleiro em 2014 e aos autos de sindicâncias que apuram a instalação ilegal dos grampos.
Na decisão, o julgador afirmou que o Ministério Público Federal está com a posse do material desde abril de 2017, quando retirou um HD externo da 13ª Vara contendo os áudios. Esse equipamento nunca foi devolvido e, desde então, nem a 13ª Vara tem acesso aos dados.
“É seu direito (de Youssef) o acesso a estas escutas ambientais clandestinas realizadas no período em que esteve preso, pois, se de fato ocorreram, cabe a ele decidir se elas são ou não pertinentes a seu respeito, e não às autoridades administrativas”, disse o juiz na decisão.
“Se elas (as escutas) ocorreram, de modo clandestino, parece-me também de interesse da sociedade que tais fatos possam ser claramente apurados, inclusive evitando responsabilização de quem sequer teve alguma relação com eles”, prosseguiu Borges.
Sindicâncias - A escuta clandestina foi encontrada em abril de 2014 pelo próprio Youssef. Uma sindicância foi feita, mas a PF concluiu que o equipamento estava inativo. Diversos depoimentos, no entanto, contradizem a conclusão.
Delegados da PF afirmaram à CPI da Petrobras que a escuta estava ativa e que foram gravadas conversas enquanto Youssef estava preso junto com o ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa. Um segundo laudo também comprovou a existência da escuta ilegal e que o grampo funcionava quando foi encontrado por Youssef.
Uma das sindicâncias foi instaurada contra Dalmey Fernando, da Polícia Federal. Durante a apuração, o agente admitiu que instalou o grampo sem autorização judicial na cela de Youssef.
Outras sindicâncias também investigam quem instalou as escutas, quem usou e como o material foi utilizado.
Decisão - Na decisão, o juiz afirmou que Youssef tem direito a acessar as “escutas ambientais clandestinas” e que não cumpre ao Judiciário julgamentos sobre o que a defesa do doleiro fará com o material. Os advogados do doleiro tentam desde 2014 ter acesso aos dados, mas nunca conseguiram.
“Trata-se de direito elementar, fruto da racionalização do sistema jurídico de garantias, que se vem construindo há algumas décadas, de que quaisquer cidadãos e cidadãs podem se utilizar quando se sentirem prejudicados ou desrespeitados por eventual atuação arbitrária do Estado”, disse o julgador.
Ainda segundo o juiz, o acesso às sindicâncias e às escutas já deveria ter sido franqueado em sede administrativa, “mas não o foi e não cabe à burocracia administrativa” restringir o acesso.
“O exercício do poder punitivo deve sempre ocorrer pelo Estado em benefício da sociedade (plural), mas obviamente precisa ser claro, coerente, ético e seguro, seguindo regras estruturais do ordenamento jurídico brasileiro previstas no emaranhado de normas administrativas, legais e constitucionais, bem como os direcionamentos e as interpretações jurisprudenciais.”
O juiz mandou ofício ao diretor-geral da PF em Brasília solicitando a cópia integral da sindicância aberta contra Dalmey e determinou que o MPF envie, em até três dias, o HD retirado em 2017, mas nunca devolvido.
O MPF retirou o HD para supostamente instruir um laudo da PF que constatou que o grampo instalado na cela de Youssef estava ativo. Segundo apurou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o órgão ocultou a informação de que tinha acesso ao material.
A defesa de Yousseff, feita pelo advogado Gustavo Rodrigues Flores, disse tomará “as medidas judiciais e administrativas” cabíveis contra todos os envolvidos no caso.
“As irregularidades são gravíssimas. Após ter acesso a todo o conteúdo, que foi sonegado durante anos, a defesa irá tomar as medidas judiciais e administrativas contra todos os envolvidos nas fraudes processuais usadas para ocultar a escuta clandestina e também analisará os efeitos da ilicitude nas ações penais e no acordo de colaboração de Youssef.”
Precupação da “lava jato” - Como mostrou a ConJur em maio, integrantes da “lava jato” se mostraram já em 2015 preocupados com a possibilidade de a autodenominada força-tarefa ser anulada após a revelação de métodos “pouco ortodoxos” adotados nas investigações.
Em conversas entre eles, os procuradores lavajatistas se referiram justamente às escutas encontradas por Youssef. Em um diálogo, eles torcem para que a perícia feita em um computador de delegados envolvidos na escuta não encontre nada.
“Sai na segunda a entrevista do Marco Aurélio (então ministro do STF, hoje aposentado) dizendo que as escutas podem anular a lava jato”, diz Deltan em um trecho do diálogo. A conversa é de 4 de julho de 2015 e é reproduzida em sua grafia original.
Em seguida, o coordenador da “lava jato” sugere se antecipar para que a tese de nulidade não ganhe corpo. A ideia é ouvir Youssef formalmente e pedir para o doleiro dizer que nunca foi confrontado com elementos obtidos nas escutas.
“O que acham de ouvir Y (Youssef) formalmente (…) preventivamente, antes que eles desenvolvam a tese de nulidade? Arriscado?”.
Um procurador identificado como “Orlando”, possivelmente Orlando Martello, diz que não adiantava ouvir o doleiro, porque eventual nulidade decorreria das informações obtidas ilegalmente por meio da escuta clandestina. Em seguida, diz que o que resta é torcer para não “ter nada” no computador periciado.
“É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador. Apreenderam os computadores dos dps também!”, diz o procurador.
Deltan responde: “Ich… Tomara que não achem os vazamentos dos DPs kkkk”. Os diálogos não indicam de que tipo de vazamento os procuradores estão falando.
Na conversa, um procurador identificado apenas como “Diogo”, possivelmente Diogo Castor, afirma que eventual anulação da “lava jato” levaria a uma “revolução”.
“Quero ver ser macho para anular a lava jato. Se fizer isto vai ter revolução.”
“Quero ver ser macho pra devolver mais de R$ 500 milhões para réus confessos”, completa Deltan.
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