Luis Miguel: com Bolsonaro, a pesquisa é inútil, quando não perigosa
"Contratações suspensas, dinheiro minguando, desrespeito às instâncias democráticas, portarias restritivas absurdas, ofensas públicas permanentes e perseguição ideológica", escreve o cientista político Luis Felipe Miguel. "O que falta, neste pacote, para que se assuma de vez que não, não está tudo bem?", questiona
Por Luis Felipe Miguel, em seu Facebook
Qual é a melhor maneira de resistir à destruição da ciência e da educação superior no Brasil?
Não sei a resposta. Mas creio que não é prosseguir no piloto automático, fazendo tudo o que sempre fazíamos como se nada estivesse acontecendo.
Preenchendo o Lattes, pontuando as publicações com Qualis, preparando o relatório Capes...
Já era mesmo necessário repensar essas métricas, discutir para que tipo de produção científica elas nos empurravam. Mas, no imediato, fazia sentido segui-las, já que elas definiam nossas possibilidades de financiamento.
E agora? Vamos continuar no mesmo passo, mas para quê? Para disputar as migalhas que sobram?
E serão premiados aqueles que mais conseguirem fingir que está tudo bem...
Pensemos nos eventos científicos. As agências governamentais estão retirando todo o apoio que era dado a eles.
Será que vale a pena tentar mantê-los no padrão de sempre - medalhão estrangeiro na conferência de abertura, sacolinha ecológica com livro de resumo e canetinha, coffee break com pão de queijo para que a fome não acirre os ânimos e faça as discussões desandarem?
Sem apoio, o "padrão de sempre" significa taxas de inscrição batendo nos mil reais.
O financiamento não vem pelo outro lado, já que os programas de pós-graduação também estão com suas verbas estranguladas. De qualquer jeito, mesmo que eles financiassem as participações, a taxa de inscrição estratosférica significaria mais uma vantagem para os programas consolidados e portanto melhor financiados, em geral no Sudeste do país, em detrimento das periferias.
E agora, aliás, nem isso: a inacreditável portaria do ministro da Educassão proíbe a participação de múltiplos docentes da mesma instituição num mesmo evento.
Ingênuo, pensei no começo que era uma demonstração de ignorância sobre o sentido de um evento científico - que não é para discutir com os pares, mas para fazer representação institucional. Ou, no máximo, uma feira de ciências.
Claro que não é isso. É que no projeto de país de Guedes e Bolsonaro a pesquisa é inútil (pois nosso papel no mundo é subordinado mesmo), quando não perigosa.
Não seria melhor adaptar os eventos à nova realidade - abraçar a precariedade, em vez de escamoteá-la, e usá-la como estímulo para nosso debate e nossa resistência?
Ou mesmo cancelar, como manifestação de protesto, aquilo que não tem como ser mantido?
Com as revistas científicas, o movimento de acomodação é pior ainda. Com o corte profundo no financiamento, que aliás sempre foi insuficiente, começa um movimento para cobrar dos autores pela publicação.
Alguns periódicos já estão implantando a medida. Outro dia recebi um pedido de parecer. Fui olhar as regras de submissão, como sempre faço antes de emitir um parecer, e estava lá: caso o artigo seja aprovado, há taxa de mil reais para a publicação.
Sei de outros periódicos que estão discutindo a cobrança.
Quem vai publicar, então? O pesquisador vinculado a um programa forte, que ainda tenha recursos para bancar a taxa de publicação, reforçando as disparidades regionais. O pesquisador sênior que ainda consiga alavancar um dos poucos financiamentos de pesquisa disponíveis. E, claro, um ou outro filhinho de papai, que pague do próprio bolso.
Essa é a ciência que nos queremos?
Seria melhor aproveitar para mandar as exigências do Qualis e do Scielo praquele lugar e buscar formas alternativas de publicização das pesquisas.
Contratações suspensas, dinheiro minguando, desrespeito às instâncias democráticas, portarias restritivas absurdas, ofensas públicas permanentes e perseguição ideológica. O que falta, neste pacote, para que se assuma de vez que não, não está tudo bem?
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