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Marcelo Odebrecht cumpriu toda sua pena e não se livrou com decisão do STF, dizem advogados

2ª Turma do STF referendou a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou todos os atos da “lava jato” contra o executivo

(Foto: © Direitos Reservados/worldsteel)

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Conjur - A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal referendou, no começo de setembro, a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou todos os atos da “lava jato” de Curitiba contra o executivo Marcelo Bahia Odebrecht. O colegiado entendeu que, assim como no caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal contra o ex-presidente do grupo Odebrecht.

Os criminalistas Nabor Bulhões e Eduardo Sanz, responsáveis pela defesa de Odebrecht, afirmam que a decisão do Supremo é um importante precedente. Isso porque ela reconhece a violação do postulado mais importante do devido processo legal, que é a imparcialidade. E as premissas do acórdão podem ser estendidas a outras vítimas dos abusos lavajatistas, apontam os advogados.

“Fora da lei e da Constituição, não há salvação. A violação dos direitos e garantias fundamentais significa, em última análise, o comprometimento da higidez da jurisdição. E, consequentemente, o comprometimento do Estado democrático de Direito”, opina Bulhões.

Ao contrário do que vem sendo noticiado por alguns veículos jornalísticos, Marcelo Odebrecht não se livrou, com a decisão do STF, das penas que lhe foram impostas na “lava jato”, conforme ressaltam os criminalistas. Afinal, o executivo cumpriu integralmente as penalidades determinadas pelo seu acordo de colaboração premiada.

A “lava jato”, segundo Bulhões e Sanz, deturpou o sistema de Justiça Criminal, violando garantias constitucionais, normas processuais e precedentes do Supremo. E o projeto de poder lavajatista só foi interrompido por causa da revelação das mensagens entre procuradores e Moro, que comprovaram a atuação coordenada para atingir os objetivos do grupo.

“Não há fórmula mágica” para evitar que surjam novas “lava jatos”, diz Eduardo Sanz. A melhor medida, segundo ele, “é seguir à risca o Direito brasileiro, os direitos e garantias fundamentais da Constituição, o devido processo legal e os procedimentos processuais penais previstos na legislação”. “Não se combate a corrupção corrompendo os direitos fundamentais e a legislação”, declara o advogado.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — O ministro Dias Toffoli anulou todos os atos da “lava jato” praticados contra Marcelo Odebrecht, e essa decisão foi confirmada pela 2ª Turma do STF. O que isso representa para a “lava jato”? A decisão coloca a autodenominada força-tarefa em xeque?
Nabor Bulhões —
A decisão abrange especificamente Marcelo Bahia Odebrecht. Essa decisão não significa que toda e qualquer pessoa atingida, investigada ou que sofreu violência no âmbito da “lava jato” possa ir diretamente ao Supremo Tribunal Federal pedir extensão dos efeitos. Mas a decisão do Supremo tem um poder persuasivo muito importante, muito significativo. Isso porque suas premissas podem ser estendidas a situações de vários outros condenados na “lava jato”. É uma matéria que deverá ser levada aos juízes competentes. Outras vítimas de ilegalidades e abusividades da “lava jato” podem se valer desse precedente para pedir a anulação de seus processos, com os seus respectivos trancamentos.

Eduardo Sanz — A decisão também serve como um caráter persuasivo e como um farol porque ela reconhece expressamente a existência de um conluio entre a força-tarefa da “lava jato” e o juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Esse conluio viola a mais importante regra do devido processo legal, que é a exigência de um juízo imparcial. Por mais que seja parte acusadora, o Ministério Público também tem o dever de respeitar as regras do jogo, as regras de investigação.

ConJur — A 2ª Turma alterou a decisão de Toffoli quanto ao imediato trancamento de todos os procedimentos penais contra Marcelo Odebrecht. A maioria do colegiado entendeu que a análise quanto a esse ponto deve ser feita pelos juízos e instâncias competentes. O trancamento dos processos não seria uma consequência lógica da anulação dos atos? Como vai ser daqui para frente? Há possibilidade de esses casos prescreverem?
Nabor Bulhões — A sua pergunta já trouxe a resposta. O reconhecimento e a declaração da nulidade dos atos processuais necessariamente levarão ao trancamento das ações penais. A inteligência da decisão é mais ou menos a seguinte: a Suprema Corte estava apreciando a matéria no que diz respeito aos requisitos e pressupostos para o reconhecimento e a declaração da nulidade. Como vários processos tramitaram contra Marcelo Odebrecht, incumbiria aos juízes de primeiro grau verificar quais atos foram declarados ilegais, abusivos, inconstitucionais e, portanto, nulos pelo STF. Então há uma relação absolutamente incindível entre a declaração de nulidade e o futuro trancamento dessas ações penais. O trancamento é uma mera consequência do reconhecimento das ilegalidades e da declaração da nulidade pelo Supremo Tribunal Federal. Penso que o Supremo não ordenou o trancamento automático dos processos por cautela, para se ater aos limites da petição.

Eduardo Sanz — Houve uma prudência do Supremo até excessiva, mas não desnecessária. Eram muitas ações, e fica difícil para o Supremo apontar quais delas seriam objetivamente alcançadas pelas nulidades.

Também houve uma preocupação com uma discussão que foi levantada quanto ao acordo de colaboração de Marcelo Odebrecht, se os processos decorrentes da colaboração deveriam ser anulados. Mas isso não foi objeto do nosso pedido. Toffoli tampouco bordou a questão em sua decisão monocrática.

No final das contas, a decisão da 2ª Turma não alterou em nada a decisão de Toffoli. Porque se a prova for oriunda do contexto de conluio da “lava jato”, a decisão será declarada nula, e o processo, trancado.

ConJur — Como ficou o acordo de colaboração premiada de Marcelo Odebrecht? Ele tem os benefícios mantidos? E as provas produzidas a partir de suas declarações?
Nabor Bulhões — Essa questão foi muito bem colocada pelo ministro Toffoli. Os ministros que dele divergiram cuidaram de matéria que não foi objeto do pedido e, por isso mesmo, em razão do princípio da congruência, não poderia ser objeto da decisão do STF. Toffoli ateve-se ao pedido e não examinou a questão do acordo de delação, que teria decorrido, eventualmente, de ilegalidades, pressões, coação. O ministro não podia nem examinar a questão de ofício, porque não havia pedido da defesa com relação a essa matéria. Não digo que não possamos tratar dessa questão, eventualmente. Mas é algo que exige reflexão. Afinal, o acordo de colaboração gerou obrigações, mas também certos benefícios para Marcelo Odebrecht. Então, o acordo de colaboração segue em vigor, nos termos em que foi estabelecido e homologado.

Eduardo Sanz — Um ponto que costuma ser ignorado pela imprensa é que Marcelo Odebrecht cumpriu toda a pena prevista pelo acordo. Ele cumpriu pena privativa de liberdade em regime fechado, depois cumpriu prisão domiciliar no regime fechado, semiaberto e aberto, prestou serviços à comunidade, pagou a multa. Marcelo Odebrecht cumpriu todas as etapas do acordo. O Supremo, inclusive, aumentou a redução da pena dele devido à qualidade de sua colaboração. Então é injusto dizer que o reconhecimento de nulidades da “lava jato” faria Odebrecht se livrar das condenações.

ConJur — A decisão do STF pode ser estendida a outros executivos da Odebrecht?
Nabor Bulhões — Em diversas decisões, o Supremo vem reconhecendo que havia um padrão de comportamento viciado no curso de toda a “lava jato”. Não apenas no caso do presidente Lula, não apenas no caso do ex-governador do Paraná Beto Richa, não apenas no caso de Marcelo Odebrecht. O Supremo vem reconhecendo que havia um conluio entre magistrado e membros da força-tarefa, com a finalidade de manipular regras de competência e provas para o atingimento de seus objetivos. Havia até uma articulação para prender pessoas para inviabilizar o pagamento dos honorários de seus advogados, como aconteceu comigo e Sanz.

Isso tudo é gravíssimo. O STF está resgatando o devido processo legal e os seus núcleos, como contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, juiz natural. É um pressuposto fundamental para a democracia. Quem foi alvo das ilegalidades da “lava jato” pode pedir ao Supremo a extensão dos efeitos de outras decisões e a declaração de nulidade de suas condenações.

ConJur — Há alguma ilegalidade da “lava jato” que ainda não foi enfrentada pelo STF, mas deveria ser?
Nabor Bulhões — O que ocorreu no âmbito da “lava jato” é muito difícil de se repetir, considerando o nível de gravidade e de ousadia dos integrantes da força-tarefa, em conluio com o juiz que presidiu a operação (Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil-PR). É verdadeiramente preocupante termos permitido que a “lava jato” tivesse competência universal sobre empresas que nunca passaram pelo Paraná.

Por isso eu costumo dizer que havia um projeto de poder. Esse projeto era aliado a um plano de mídia. A imprensa deu suporte à “lava jato” por quase uma década. A “lava jato” era uma operação sacrossanta. Se nós nos insurgíamos contra as suas práticas, éramos tidos não como advogados ou juristas, mas como meros defensores dos interesses dos nossos clientes. Nós vivenciamos as violações de direitos e garantias constitucionais de nossos clientes. Por isso fomos resistência. Os diálogos entre procuradores e juiz revelam preocupação deles com o fato de que os advogados estavam sendo um obstáculo às suas pretensões ilimitadas.

Eduardo Sanz — Há diversas outras ilegalidades que ainda não foram enfrentadas pelo STF. Uma delas é o grampo na cela de Alberto Youssef (doleiro). Outro caso grave foi a forma de cooptação de Meire Poza, contadora de Alberto Youssef. Usaram Meire Poza como uma espécie de agente infiltrada informal, algo completamente alheio às regras do Código de Processo Penal e das leis processuais penais. Também houve vários casos em que Curitiba burlou a competência do STF para investigar parlamentares federais.

Nabor Bulhões — As conversas entre procuradores e o juiz, reveladas inicialmente pelo Intercept, foram fundamentais para evitar que se instituísse no Brasil uma espécie de sistema paralelo de supressão de direitos e garantias constitucionais. A “lava jato” acabou com a funcionalidade do sistema de Justiça Criminal brasileiro. Valores constitucionais passaram a ser desrespeitados; precedentes históricos do STF e dos tribunais superiores foram modificados. Nós tínhamos extrema dificuldade de reverter decisões da “lava jato” nas instâncias superiores.

A “vaza jato” mudou esse cenário. Na operação spoofing, a Polícia Federal, a mando do ministro Ricardo Lewandowski, atestou a veracidade e integridade das conversas. Portanto, apontou a preservação da cadeia de custódia da prova. Isso fez com que o Supremo permitisse a utilização dos diálogos pela defesa das vítimas de ilegalidades da “lava jato”. Foi um marco histórico.

ConJur — A “lava jato” foi exceção ou é a regra no sistema de Justiça Criminal brasileiro?
Eduardo Sanz — Quando a “lava jato” começou, era exceção, mas suas práticas acabaram se alastrando. O Habeas Corpus nunca foi tão limitado como no período da operação. A “lava jato” foi responsável por mudar o entendimento do Supremo, passando a se permitir a execução da pena após condenação em segunda instância. Talvez o grande mal da operação tenha sido a relativização das nulidades. Isso só foi mudar a partir da “vaza jato”. Se não fossem os diálogos apreendidos na operação “spoofing”, toda essa supressão de direitos e garantias fundamentais seria lícita.

ConJur — As ilegalidades demonstradas pela “vaza jato” já vinham sendo apontadas por advogados havia anos. Idealmente, não seria necessário ter acesso às mensagens entre procuradores e juiz para verificar os abusos, certo?
Nabor Bulhões — É verdade. Há diversas manifestações produzidas no auge da “lava jato” em que nós denunciávamos a existência de uma articulação entre acusação e juiz com o objetivo de fazer prevalecer sempre as pretensões persecutórias do Ministério Público Federal. Nós denunciamos isso em diversas oportunidades. Mas éramos criticados, descritos apenas como “advogados de corruptos”, e não dava em nada.

ConJur — O que fazer para evitar que surjam novas “lava jatos” no Brasil?
Eduardo Sanz — Não há fórmula mágica. A melhor medida para se evitar novas “lava jatos” é seguir à risca o Direito brasileiro, os direitos e garantias fundamentais da Constituição, o devido processo legal e os procedimentos processuais penais previstos na legislação. A atuação das autoridades públicas deve ser vinculada à lei. Não se combate a corrupção corrompendo os direitos fundamentais e a legislação. Não é possível criar o bem fazendo o mal.

Nabor Bulhões — Fora da lei e da Constituição, não há salvação. A violação dos direitos e garantias fundamentais significa, em última análise, o comprometimento da higidez da jurisdição. E, consequentemente, o comprometimento do Estado democrático de Direito. No Estado democrático de Direito, o processo não pode ser um instrumento de opressão judicial. Pelo contrário: é um instrumento de limitação do poder estatal. O Estado pode punir, sim, mas desde que garanta o devido processo legal. Isso vale para qualquer crime, incluindo corrupção. O Estado pode muito, mas não pode tudo.

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