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    Mineração e cultivo de eucalipto estão entre práticas que agravam emergência climática no Brasil, diz pesquisadora

    'Precisamos rever o modelo de desenvolvimento', avalia Esther Guimarães

    Atividade mineradora em Mato Grosso (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

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    Brasil de Fato - A seca que atinge grande parte do país e as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul são consequências de um mesmo fenômeno, que é chamado pelos cientistas de emergência climática e diz respeito a eventos extremos relacionados ao clima. 

    O principal fator que contribui para que essas situações sejam cada vez mais recorrentes é o excesso de emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera, resultado, principalmente, da queima de combustíveis fósseis. 

    No Brasil, atividades que causam a destruição do meio ambiente, como o agronegócio, são as que mais contribuem para o atual cenário de emergência climática. Em Minas Gerais, o cenário ainda é potencializado por duas atividades muito comuns no estado: a mineração e o cultivo de eucalipto. 

    Para entender mais sobre o assunto, o Brasil de Fato MG conversou com Esther Guimarães, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). 

    Confira a entrevista completa:

    Brasil de Fato MG - Como podemos definir o que é emergência climática?

    Esther Guimarães - A emergência climática diz respeito a um conjunto de eventos cada vez mais extremos, do ponto de vista climático. O que a gente tem vivenciado, com cada vez mais frequência, são chuvas muito intensas, como as que aconteceram no Rio Grande do Sul, e secas muito longas, como a que estamos enfrentando agora, além de ondas de calor e frio. 

    Essa intensificação dos eventos climáticos acontece em razão da emissão de gás carbônico na atmosfera. O CO2 é liberado quando ocorre a queima de algum tipo de combustível fóssil. Esses combustíveis são amplamente usados para geração de energia no planeta Terra, como o uso de carvão mineral, petróleo e gás natural. 

    Tudo isso contribui para a emissão de CO2, que tem grande capacidade de reter calor e, por isso, também retém muita energia. Esse aumento da energia disponível, circulando na atmosfera terrestre, está associado a eventos climáticos cada vez mais intensos.

    As causas dessa emergência são as mesmas no Brasil e no mundo?

    Se no mundo inteiro a principal causa é a queima de combustíveis fósseis para a produção de energia, no Brasil, a situação é bem diferente. 

    A principal contribuição aqui para esses números perversos de eventos climáticos está associada, na verdade, à agropecuária e à agricultura extensiva, além de outras práticas, como o desmatamento e o uso intensivo de água para irrigação, que acaba retirando grandes quantidades de água das nascentes, rios e lençois freáticos. 

    Em Minas Gerais também temos a mineração, uma atividade que não apenas utiliza muita água, mas também tem um grande impacto sobre as nascentes e os aquíferos.

    Então, temos um quadro peculiar e específico, que envolve a relação do desmatamento para a geração de pasto e para áreas de monocultura, como o plantio intensivo de grãos, especialmente a soja para exportação. Ou seja, estamos produzindo um produto de alto impacto ambiental, que não é utilizado para a segurança alimentar do nosso próprio povo, mas sim para exportação.

    Esse uso intensivo da água traz consequências para todo o território nacional?

    É importante lembrar que não se trata apenas do uso intensivo da água como causa dessas secas, mas principalmente da intervenção no ciclo de renovação da água, o que chamamos de ciclo hidrológico.

    Esse ciclo envolve a evaporação da água, que circula na atmosfera, até mesmo por meio dos chamados rios voadores — grandes massas de vapor de água liberadas na Amazônia, que percorrem o Brasil, trazendo um ciclo de chuvas muito importante.

    É essencial perceber que nosso território, em termos de natureza, funciona como uma unidade. Não podemos fragmentar o pensamento e imaginar que as causas de um problema estão apenas em um lugar.

    O que acontece na Amazônia tem um grande impacto sobre o que ocorre, por exemplo, com as ondas de poeira e ar seco que chegam ao sudeste. Esses rios voadores, que são tão importantes para trazer água e garantir o regime de chuvas para o restante da região, hoje, estão muito defasados, em razão das queimadas na Amazônia.

    Por isso, em vez de trazer água e chuva, eles acabam trazendo poeira e fuligem. Isso explica o que aconteceu em 2022, por exemplo, quando São Paulo ficou coberta de fuligem e praticamente anoiteceu em pleno dia, devido a esse ciclo dos ventos que trazem as nuvens de chuva para o sudeste. Infelizmente, episódios como esse estão se tornando rotineiros.

    Precisamos pensar de forma diferente. O território nacional e o território global, em termos de natureza, são integrados e funcionam como um todo.

    Por que é importante olhar para Minas Gerais no atual contexto?

    É importante entender a especificidade do nosso estado. Nesse momento, todos os olhares estão voltados para a Amazônia, com razão, pois é um bioma fundamental para a manutenção do regime de chuvas em nível global e para a conservação da biodiversidade.

    No entanto, não podemos esquecer de olhar para os biomas da nossa região. O cerrado, por exemplo, é essencial para a manutenção do regime de chuvas, sendo o local de nascimento de boa parte dos grandes rios do nosso país. No entanto, o desmatamento no Cerrado tem se intensificado fortemente, com uma perda de mais de 40% de vegetação nos últimos tempos.

    A Mata Atlântica também enfrenta desafios. Minas Gerais está entre os estados que mais desmatam esse bioma, principalmente para a produção de pasto e áreas agrícolas.

    Quais outras atividades intensificam a emergência climática em território mineiro?

    Além da mineração, outra atividade que tem grande impacto no desmatamento e contribui para a seca é a silvicultura, especialmente o plantio de eucalipto e pinus.

    Embora pareçam florestas, essas plantações são chamadas de "desertos verdes", pois o eucalipto, em particular, tem uma grande capacidade de absorver água, o que causa escassez hídrica de nascentes em um raio muito grande. Essa atividade é uma das principais causas da seca, principalmente nas regiões Norte e Vale do Jequitinhonha de Minas Gerais.

    Portanto, é crucial lembrar desse outro elemento para compreender como podemos transformar esse quadro de escassez hídrica e desmatamento, buscando novas formas de organizar nossa relação com a natureza.

    A mineração, como você já citou, é uma das principais atividades econômicas desenvolvidas no estado que agravam o atual cenário. Como isso se dá?

    A mineração é uma atividade que causa grande impacto ambiental. Podemos listar alguns desses impactos, para refletir sobre como eles afetam a qualidade de vida e a natureza na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), por exemplo.

    Em primeiro lugar, a mineração é intensiva em terra, ou seja, utiliza grandes áreas de terreno. Para se implementar uma mina, uma das primeiras medidas é a supressão da mata, ou seja, o desmatamento da área.

    Em segundo lugar, estamos falando principalmente de minas a céu aberto. Isso significa que as minas ficam expostas e, para retirar o minério, destrói-se a montanha com o uso de explosivos. Esse processo libera muitas partículas de poeira na atmosfera, piorando a qualidade do ar. Se a qualidade do ar já é insalubre, as minas a céu aberto, com o uso de explosivos, podem agravar ainda mais a situação.

    Em terceiro lugar e talvez o mais importante no contexto que estamos discutindo, está o impacto da mineração sobre a disponibilidade e a qualidade da água. A mineração faz uso intensivo de água, seja para lavar o minério ou até mesmo para o seu escoamento. Em Minas Gerais, há projetos que utilizam água potável para transportar o minério por dutos até o porto. Ou seja, uma água que poderia ser usada para abastecimento das famílias é utilizada de forma barata para transportar minério, o que gera um custo socioambiental muito alto, pois envolve volumes enormes de água.

    Outro ponto importante, especialmente no caso do minério de ferro, é que ele se encontra em uma formação rochosa chamada canga. A canga é como uma esponja de rocha, porosa, que retém água e tem um papel essencial na infiltração e retenção dessa água nos lençóis freáticos. A mineração de ferro extrai o minério  dessa formação, o que muitas vezes resulta no esgotamento de nascentes e cabeceiras de rios.

    Quais projetos minerários estão impactando os municípios da RMBH atualmente?

    Na região próxima a Belo Horizonte, dois projetos impactam diretamente essa formação rochosa: o Projeto Apolo, na Serra do Gandarela, e a mineração na Serra do Curral. O Projeto Apolo é especialmente preocupante, porque está em uma das últimas áreas preservadas de recarga hídrica da região metropolitana.

    Se essa área for prejudicada, o abastecimento da bacia do Rio das Velhas poderá ser comprometido, gerando insegurança hídrica para toda a RMBH nos próximos anos.

    Portanto, é essencial ficarmos atentos a esses projetos e aos seus possíveis impactos socioambientais, que não afetam apenas as áreas exploradas.

    Por fim, nós vemos muitos esforços individuais para mudar essa situação, como reduzir o tempo do banho, evitar lavar a calçada com mangueira, entre outros. Essas ações são eficazes na prática?

    Por mais admirável que seja o engajamento individual em pequenas práticas para a conservação das águas, nada disso será suficiente para resolver um problema que é muito grande, coletivo e que possui uma dimensão histórica, política e econômica.

    É necessário uma solução coletiva à altura desse desafio histórico. No caso do Brasil, precisamos rever o modelo de desenvolvimento, que está baseado no uso intensivo dos recursos naturais, como terra, água, energia e trabalho, voltado para a exportação de bens de baixo valor agregado.

    Esse modelo gera um lucro que se concentra nas mãos de grandes produtores e não é compartilhado com a sociedade. Essa é uma causa fundamental da participação do Brasil na emergência climática global.

    É importante lembrar que mais de 50% das águas do nosso país são utilizadas para a agricultura irrigada de grãos para exportação, algo diretamente relacionado a esse modelo de desenvolvimento que acabei de descrever.

    Além disso, é essencial responsabilizar criminalmente os responsáveis pelos incêndios criminosos. Incêndios naturais são raros no Brasil e a maioria das queimadas é provocada pela ação humana e se alastra devido à seca histórica que estamos vivendo. Por isso, é crucial localizar, mapear e responsabilizar as pessoas envolvidas, que geralmente realizam queimadas para a produção de pasto e áreas agrícolas de forma extensiva. Também é fundamental incentivar atividades humanas associadas a uma relação sustentável com a terra, como a agroecologia.

    Essa é uma forma de produção de alimentos integrada com a natureza, responsável pela recuperação de muitas nascentes e que demonstra que é possível prover alimentos à sociedade de forma sustentável, sem enxergar a natureza apenas como um recurso para gerar lucro. Medidas históricas como essas, associadas a uma mudança radical na forma como nos relacionamos com a natureza, são fundamentais.

    Aqui em Minas Gerais, é crucial repensar o modelo econômico baseado na mineração. Já tivemos dois grandes crimes socioambientais associados à Vale e à BHP, que foram responsáveis pela morte de duas importantes bacias hidrográficas.

    É essencial rever essa forma de relação com a natureza em suas bases e fortalecer práticas alternativas que demonstram outros caminhos para uma relação mais equilibrada e sustentável com o meio ambiente.

    Fonte: BdF Minas Gerais

    Edição: Ana Carolina Vasconcelos

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