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    Preso no 8 de janeiro e golpistas acampados foram ao GSI de Heleno antes da posse de Lula

    Aumentam as suspeitas sobre a possível participação de Augusto Heleno na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro

    Augusto Heleno (Foto: Reprodução | Marcos Corrêa/PR)

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    Por Caio de Freitas Paes e Laura Scofield, Agência Pública -  Conforme avançam as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal, aumenta a suspeita sobre uma figura-chave do bolsonarismo: o general da reserva do Exército Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele era o chefe do GSI durante a crise do acampamento golpista em frente ao Quartel-General (QG) do Exército em Brasília (DF) e foi convocado pela CPI para explicar sua atuação. O depoimento de Heleno ainda não tem data para ocorrer.

    A suspeita dos deputados consultados pela reportagem é que o GSI tenha dado apoio aos golpistas que invadiram os prédios públicos: “pelo que nós apuramos até agora, tem a participação direta do GSI [no 8 de janeiro] por omissão, mas também integrantes deles participando daqueles atos”, disse o presidente da CPI, deputado Chico Vigilante (PT-DF). “[Havia] pessoas deles [GSI] dentro do acampamento, ‘dando força’, e depois [participaram] no processo de depredação que aconteceu”, acrescentou.

    A desconfiança dos integrantes da CPI se fortalece com a revelação do grupo de pessoas que estiveram no órgão entre a derrota de Bolsonaro e o fim de seu governo, entre novembro e dezembro passados, cujos registros oficiais de entrada no Palácio do Planalto foram obtidos em primeira mão pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação.

    A lista revela visitas de um dos golpistas presos em flagrante após a invasão às sedes dos Três Poderes e de agitadores do acampamento golpista em frente ao Quartel-General (QG) do Exército; de disseminadores de fake news, militares que desacreditaram o sistema eleitoral, congressistas de direita, entre outros.

    “Pediremos a lista completa de visitantes e dos servidores do GSI, para identificarmos se há, entre os investigados pelo STF, funcionários ou ex-funcionários do órgão envolvidos”, disse à Pública o deputado Fábio Félix (PSOL-DF), membro titular da CPI.

    Ele também afirmou que há suspeitas de “infiltração de servidores do GSI no acampamento”, com possíveis hostilidades contra policiais federais que vigiavam as atividades no local. A Pública revelou que a Polícia Federal (PF) teve problemas no monitoramento em frente ao QG do Exército, em especial após a invasão à sede da PF em Brasília – em 12 de dezembro passado, após a prisão do pastor indígena Serere Xavante.

    “[Ouvir] o general Heleno é fundamental, juntamente com o general [Gustavo Henrique Menezes] Dutra [ex-comandante militar do Planalto], e o coronel [Paulo Jorge Fernandes da Hora] que estava no comando [do Batalhão da Guarda Presidencial] no Palácio do Planalto no dia da invasão”, afirmou o relator da CPI, o deputado Hermeto (MDB-DF). 

    Amigo de Michelle Bolsonaro preso após a invasão esteve no GSI

    Ao todo, 49 pessoas visitaram o gabinete do GSI entre 1º de novembro e 31 de dezembro passado, boa parte delas sem qualquer ligação com a área de segurança, razão de ser do órgão. Há pessoas ligadas ao setor de saúde, pequenos empresários do setor de serviços, advogados e até mesmo uma suposta dona de estacionamento em Brasília.

    Nem todas as visitas, porém, estão descoladas do foco de trabalho do GSI. Entre os motivos alegados por pessoas ouvidas pela Pública, há desde reuniões para discussão do cenário de segurança cibernética no país a encontros com membros do Ministério Público, passando por visitas burocráticas – para entrega de documentos, por exemplo.

    Considerando a recente tentativa de golpe, o visitante do GSI que mais se destaca é o influenciador Romário Garcia Rodrigues, conhecido nas redes como “Gay Nordestino Bolsonariano”. Segundo o material obtido pela Pública, ele visitou o órgão então comandado por Augusto Heleno na manhã de 18 de novembro passado, oficialmente entrando no Palácio do Planalto às 11h02.

    De acordo com o Superior Tribunal Federal (STF), Romário Garcia foi um dos mais de 1400 presos em flagrante por envolvimento no 8 de janeiro, acusado pelos crimes de “atos terroristas, inclusive preparatórios”, “associação criminosa”, “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, “golpe de Estado”, “ameaça”, “perseguição” e “incitação ao crime”.

    Próximo da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, ele ficou preso por envolvimento na invasão do 8 de janeiro por cerca de dois meses, até ser libertado provisoriamente a mando do ministro Alexandre de Moraes em 13 de março passado, segundo o STF. Sem qualquer vínculo profissional com a área de atuação do GSI, Garcia também frequentou o acampamento na frente do QG do Exército, conforme suas redes sociais – consultadas pela Pública durante o processo de apuração.

    Os registros mostram que Garcia possivelmente foi acompanhado da empresária bolsonarista Taís Avelar Numeriano de Sá, que entrou às 11h01 – mais uma pessoa sem vínculo com a área de segurança, foco do GSI. Em suas redes, ela tem uma foto ao lado do então presidente Jair Bolsonaro, em 12 de janeiro de 2022, no gabinete presidencial.

    Os registros não informam, porém, quem os dois teriam encontrado no órgão então comandado pelo general Heleno, nem o assunto tratado por ambos no GSI.

    Chama atenção que, meia hora antes da entrada dos dois, o youtuber Michel Ivonoe Santos Fontes também tenha ido ao GSI, às 10h28.

    Dono do canal Michel Notícias, com 82,8 mil inscritos no Youtube, ele é mais um dos visitantes do GSI sem vínculo com a área de segurança. Fontes mantém uma página no Facebook com mais de 229 mil seguidores, onde promove lives quase diárias sobre política a partir da ótica bolsonarista.

    Ao menos segundo suas redes, ele teria estado na invasão do 8 de janeiro, com vídeos também publicados na véspera. Em um deles, ele descreve a movimentação no QG na noite de 7 de janeiro: “QG de Brasília, lotado, tomado pelos patriotas de todo o Brasil, e muitas caravanas chegando”. É possível ainda ouvir no vídeo um homem falando no microfone “faltam algumas horas para nós marcharmos pela liberdade!”. O conteúdo chegou a mais de 13 mil visualizações e 2,7 mil likes.

    Em outro de seus conteúdos, os acampados gritam “Selva! Selva! Selva!”. O termo militar soa como “selma”, tal como no código “festa da Selma”, usado por bolsonaristas para convidar pessoas para a invasão no 8 de janeiro sem serem barrados pela moderação das redes, como revelado pela Pública.

    O canal de Fontes revela que ele esteve acampado na frente do QG do Exército. Um de seus vídeos mostra bastidores da frustrada tentativa de desmonte do local no dia 29 de dezembro, quando a cúpula militar impediu a desmobilização.

    No material, está registrado o momento que agentes de segurança do DF retiram-se da área, sob gritos e xingamentos dos acampados. Até o fechamento deste texto, o vídeo tinha 26 mil visualizações e 3,6 mil curtidas no Youtube.

    Vale lembrar que, à Pública, os militares já disseram que o desmonte foi cancelado naquele dia porque “o Comando do Exército decidiu pela mudança de modelo da operação”, sem mais detalhes.

    A reportagem buscou a defesa de Romário Garcia para saber o motivo de sua visita ao GSI e sua possível relação com Taís Numeriano. Mas a advogada dele – a candidata derrotada a deputada estadual Valdete Miranda (PL-BA), pivô de uma suposta ameaça ao atual ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), nas eleições – sequer reconheceu sua responsabilidade pela defesa de Garcia, dizendo apenas que seus clientes no caso “estão respeitando as medidas cautelares determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes”.

    À Pública, Michel Fontes disse que foi ao GSI porque “teve um dia do Nordeste lá, eu sou nordestino, aí eu ‘tava lá em Brasília e fui lá acompanhar, só. Teve uns cantor (sic) que eu gosto de forró”. A reportagem tentou obter mais detalhes, mas ele encerrou a chamada e não atendeu mais. Taís Numeriano não retornou até o fechamento desta reportagem; caso se manifeste, o texto será atualizado.

    No GSI, ex-assessor de Carlos Jordy gravou ameaça velada contra posse de Lula

    Ex-secretário parlamentar do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), dos nomes fortes da extrema direita no Congresso, o carioca Tacimar Hoendel Silva de Holanda foi outro dos visitantes no GSI de Heleno. Com 354 mil seguidores no Instagram, ele ostenta fotos com Jair e Eduardo Bolsonaro, além dos comentaristas Allan dos Santos e Paulo Figueiredo, influentes no bolsonarismo.

    Hoendel possivelmente estava acompanhado do policial militar do Rio de Janeiro Ivan de Araújo Lima – auto-intitulado Cabo Ivan Araújo nas redes – na ocasião. Os dois tiveram suas entradas no GSI registradas, respectivamente, às 15h23 e 15h24 do dia 17 de novembro passado.

    O ex-assessor de Jordy postou várias fotos tiradas no acampamento em Brasília, onde foi um dos principais agitadores, entre novembro e dezembro. Candidato derrotado a deputado estadual pelo Rio de Janeiro em 2022, Hoendel registrou sua visita ao GSI na internet, tal como Araújo – que postou vídeos e fotos de sua ida ao Planalto.

    Menos de uma hora após sua entrada, Hoendel publicou um vídeo no Facebook intitulado “Se for preciso a gente acampa, mas o l@drãO [sic] não sobe a rampa” – mesmo lema de protestos bolsonaristas que defendiam que o presidente Lula não fosse empossado.

    A grafia cifrada do termo “ladrão” serve para tentar driblar a moderação das redes sociais, que tende a derrubar afirmações golpistas e desinformativas. O conteúdo de Hoendel foi visto mais de 3,7 mil vezes, com 1,1 mil curtidas e 128 comentários no Facebook.

    Como noticiado pelo portal UOL em dezembro passado, Tacimar Hoendel ilustraria o modo como Jair Bolsonaro se comunicava, cifradamente, com os golpistas acampados em frente aos quartéis. 

    As imagens do vídeo confirmam seu local de gravação, o 2º andar do Palácio do Planalto, onde ficavam as salas do GSI à época. No material, o ex-assessor de Carlos Jordy afirma: “Infelizmente não posso falar as coisas que passam pela minha cabeça, senão vou acabar sendo preso. Mas vocês podem ter certeza: bandido nenhum vai subir essa rampa”.

    No Twitter, o Cabo Ivan fez uma postagem na mesma linha. Ele exibe a rampa do Palácio do Planalto e diz: “O ladrão não vai subir”.

    Uma foto publicada por outro bolsonarista, o blogueiro Allan Frutuozo, fortalece os indícios da presença de Hoendel e Cabo Ivan no acampamento golpista. Dono do canal e site Vista Pátria, ligado à extrema direita, Frutuozo está ao lado de ambos na imagem, captada em frente ao QG do Exército: “Firmes na luta pelo Brasil”, escreveu o blogueiro em 25 de novembro. A foto teve mais de 2,2 mil curtidas.

    À Pública, Cabo Ivan inicialmente disse que não se recordava da visita ao GSI e que não lembrava se teria ido acompanhado de Tacimar Hoendel. “Na verdade eu nem sei aonde é!”, disse Araújo.

    A reportagem então perguntou se ele se lembrava de ter ido ao Palácio do Planalto, ao que ele respondeu “acho que fui em novembro”. Logo depois, admitiu que visitou o prédio com Tacimar Hoendel: “Então, eu não conversei com ninguém. Na verdade eu quase nem entrei lá. Eu só fui acompanhar ele”, afirmou. Disse que a visita durou cerca de 15 minutos e que só ficou “esperando”. Questionado sobre sua relação com Hoendel, Araújo disse que o havia conhecido “há pouco tempo”.

    A Pública enviou perguntas a Tacimar Hoendel, para entender o motivo de sua visita ao GSI e sua relação com o acampamento golpista em frente ao QG do Exército, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem. Caso se manifeste, o texto será atualizado. 

    Militar da reserva que assinou carta golpista também foi ao GSI

    A lista de visitantes também revela a presença de um militar que publicamente questionou as eleições, o general-de-divisão da reserva do Exército Humberto Francisco Madeira Mascarenhas, mais conhecido nas redes como General Madeira.

    Ex-comandante da 8ª Região Militar do Exército, Madeira esteve no órgão comandado pelo general Heleno em 8 de novembro passado, quando trabalhava no gabinete do deputado federal Coronel Armando (PL-SC) – atualmente secretário de Defesa Civil de Santa Catarina no governo do bolsonarista Jorginho Mello (PL). O deputado apoiou os acampamentos em frente aos quartéis, como se vê em suas redes.

    A ligação de Madeira com Coronel Armando ganha relevância a partir de uma postagem feita pelo congressista em 7 de novembro, véspera da ida de seu assessor ao GSI. No conteúdo, Armando cita o relatório das Forças Armadas sobre as eleições, que seria divulgado no dia seguinte à visita de Madeira. Como já se sabe, o relatório do ministério da Defesa não apontou indícios de fraude no sistema eleitoral.

    Semanas após sua visita ao GSI, o General Madeira foi um dos 221 militares que assinaram uma carta aberta, de teor golpista, endereçada aos comandantes das Forças Armadas. O documento pedia apoio às demandas dos acampados – em outras palavras, apoio à intervenção militar, tão aventada na frente dos quartéis.

    Defensor do voto impresso, Madeira também deu declarações ambíguas sobre as eleições na esfera bolsonarista da internet. “Se ocorrer alguma coisa em decorrência de ilegalidades, essa ilegalidade não será enfiada goela abaixo. Sem querer sugerir alguma coisa, nós já vimos que historicamente as Forças Armadas nunca ficaram, nunca deixaram de socorrer à nação”, disse o militar em entrevista ao podcast Fala Glauber, pouco antes do segundo turno.

    A Pública enviou perguntas ao ex-deputado Coronel Armando, para entender qual o motivo da ida de seu então assessor General Madeira ao GSI durante a crise dos acampamentos golpistas, mas não houve resposta até o fechamento do texto. Caso se manifestem, a reportagem será atualizada.

    A lista obtida pela Pública revela também visitas de outros congressistas de direita e seus assessores ao GSI, como o deputado federal Dr. Luiz Ovando (PP-MS) e sua assessora Fabíola Fraga no fim da tarde de 9 de novembro – dia da divulgação do relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral.

    À época, o deputado era vice-líder do PP na Câmara dos Deputados. A ida ao GSI foi registrada em suas redes, com uma foto sua ao lado do general Heleno. Uma semana após a visita, Ovando deu declarações questionando o resultado das eleições à emissora Jovem Pan.

    A Pública apurou junto ao gabinete de Ovando que ele conheceria o general Heleno “há algum tempo” e que sua visita ao GSI teria sido “de cortesia, para entender o panorama político pós-eleições e discutir como posicionar a direita em relação às pautas” do futuro governo.

    A lista obtida pela Pública mostra ainda visitas do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), aliado do deputado federal e ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB), com sua entrada registrada às 10h07 de 14 de dezembro, e da então assessora parlamentar sênior do ex-senador Fernando Collor (PTB-AL), Lúcia Feijó Barroso, que foi ao GSI às 11h41 do dia 4 de novembro, pouco após o segundo turno, e às 16h36 de 8 de dezembro, antes da diplomação do presidente Lula.

    A Pública não conseguiu contato com Collor e sua ex-assessora. Já o deputado Rodrigo de Castro não respondeu até o fechamento do texto; caso se manifestem, a reportagem será atualizada. 

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