Todas as conversas são autênticas, diz editor do Intercept
A série de reportagens "As mensagens secretas da Lava Jato", veiculada pelo The Intercept desde o último dia 9, expôs a relação entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol, em conluio para condenar e prender o ex-presidente Lula
Brasil de Fato Em entrevista ao Brasil de Fato, Leandro Demori, editor executivo do The Intercept Brasil, ressalta o interesse público do conteúdo revelado até o momento. As conversas, entregues por uma fonte anônima e checadas pela equipe do portal, revelam como agentes públicos trabalharam para burlar a Justiça.
“O que a gente está fazendo é trazer a público informações de como a Lava Jato operou nas sombras durante todos esses anos. Isso é dar a oportunidade para que as pessoas possam reler a operação Lava Jato com olhos frescos”, disse.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato: Como foi a seleção do material da primeira reportagem da série, e por que ela foi publicada em um domingo?
Leandro Demori: A gente selecionou conforme o interesse público em torno do processo do ex-presidente Lula. Um ex-presidente preso é um símbolo, é o emblema da Lava Jato. Em boa parte das conversas, esse assunto monopoliza os diálogos entre os procuradores e o juiz. Foi uma escolha óbvia como primeira reportagem.
A escolha da data da publicação foi quando ficou pronta, jornalisticamente. Não teve uma definição muito anterior. Houve várias datas diferentes que a gente acreditava que estaria pronto – umas mais para frente, outras antes. A gente foi trabalhando e medindo a maior e a menor dificuldade da apuração e dos processos editoriais. Daí, a gente acabou optando pelo domingo mesmo.
Como você avalia a reação do juiz Sergio Moro e das pessoas citadas na série de reportagens? Moro não desmentiu, mas tentou minimizar o conteúdo.
Ele não desmentiu porque não tem o que desmentir. Todas as conversas são autênticas. Todos eles sabem disso. O Moro não desmentiu, o Deltan não desmentiu, e a força-tarefa da Lava Jato não desmentiu. Os três, nas suas primeiras respostas públicas não colocaram em dúvida a autenticidade das conversas.
O ex-juiz Sergio Moro, inclusive, admitiu, numa reportagem publicada na Folha, o episódio de um chat em que ele oferece, pelo Telegram, uma testemunha para o doutor Dallagnol, para o Ministério Público, mas isso não foi formalizado por ele [Moro no processo]. Ele deveria ter formalizado isso, deveria ser um processo legalizado. Mas ele não fez isso. Foi um processo informal dando uma dica de testemunha. Ele [Moro] admitiu esse chat e falou que foi um "descuido".
Numa entrevista do Estadão, o ex-juiz Sergio Moro diz e desdiz duas ou três vezes, se contradiz. Primeiro, diz que não reconhece. Depois, diz que pode ter falado uma coisa parecida em outra situação. Eles estão bastante confusos.
The Intercept Brasil está tentando entrevistar Sergio Moro?
A gente está pedindo o "outro lado" em todas as reportagens que a gente está publicando. Desde o domingo, nas três primeiras que a gente publicou, nós pedimos a versão deles. Eles, sistematicamente, mandam notas dizendo que se negam a comentar.
Quanto tem de material ainda para publicar?
A gente não fala sobre o tamanho do arquivo. Mas é bem grande.
Como é a estratégia de divulgação das reportagens?
A gente não tem calendário de divulgação de histórias futuras, para evitar especulações. O assunto é muito sério, e a gente não quer que isso seja usado politicamente por ninguém. Conforme a gente vai encontrando histórias e fazendo a apuração, atestando que elas estão bastante seguras, e que podem ser publicadas, a gente publica. Não estamos de nenhum modo "calendarizando" isso.
Nas reportagens publicadas até agora, na sua opinião, qual a revelação mais grave?
Elas são uma história só. Por isso, estamos publicando em série. Elas fazem parte do mesmo enredo. Elas mostram a história de uma grande operação que trabalhou fora dos autos, fora da legalidade em muitos casos, e motivada por situações que não são corriqueiras, não são institucionais, e não são legais de órgãos como o Ministério Público e a Justiça Federal.
Fazendo um paralelo com o caso Watergate, nos EUA, as primeiras revelações fizeram com que toda imprensa estadunidense fosse atrás da história pela importância do conteúdo. Aqui no Brasil, muitos veículos estão indo nessa linha, mas a Globo continua com foco no vazamento e não no conteúdo. Como você vê a repercussão?
No geral, é muito boa. A melhor imprensa brasileira está seguindo a história, está publicando matérias sobre o assunto. Desde o UOL até a Folha, a Veja. O assunto foi capa das quatro principais revistas semanais do Brasil. Toda imprensa séria que sabe fazer jornalismo e que vê nisso uma história que precisa vir a público está cobrindo de um jeito bastante correto, na minha opinião. A única exceção é a Globo. Talvez, no futuro, as pessoas vão descobrir o porquê.
O material publicado até agora é suficiente para sustentar a libertação do ex-presidente Lula ou rever todas decisões de Moro?
O objetivo da reportagem não é esse. Isso é com a defesa do Lula e com as defesas dos outros réus envolvidos na Lava Jato. O que a gente está fazendo é trazer a público informações de como a Lava Jato operou nas sombras durante todos esses anos. Isso é dar a oportunidade para que as pessoas possam reler a operação Lava Jato com olhos frescos, com essas novas informações – que não podem ser ignoradas. É um assunto de repercussão mundial.
Agora, o que as defesas vão fazer ou deixar de fazer, que decisão o STF vai tomar, é com a Justiça Federal. A responsabilidade com a operação Lava Jato é de quem dispôs da Lava Jato, os procuradores e o juiz. Então, tudo o que acontecer na Lava Jato a partir de agora, seja para o bem ou para o mal, é responsabilidade dele [Moro] também. Não se pode culpar a imprensa.
Essa é uma tática antiga, de se atirar no mensageiro. Nós somos apenas reportando fatos reais. Os responsáveis pela Lava Lato são os responsáveis por isso também.
Como foi o processo de checagem do material que veio da fonte anônima?
A gente fez análises técnicas no material e depois fez análises comparativas. A gente bateu o que estava sendo dito e o que acontecia durante a operação, que são fatos públicos e notórios. Bateu também conversas de pessoas que estão envolvidas ali, que são dezenas e dezenas, talvez mais de uma centena de pessoas. Não sei precisar exatamente o número, mas é muita gente.
A gente bateu conversas com pessoas que mantiveram conversas com pessoas que estão ali no arquivo. A gente viu que essas conversas eram reais e batiam exatamente com o que estava na conversa das pessoas com quem a gente fez essa checagem. Além de tudo, tem áudio, vídeos e fotos. Centenas e centenas de áudios que, até segunda ordem, é impossível alguém fabricar, é impossível alguém imitar as vozes das pessoas que estão ali. São vozes absolutamente reconhecíveis. Os áudios estão em nosso poder, e eles autenticam o material [publicado].
Você já disse que o modelo do The Intercept Brasil prevê que o conteúdo jornalístico investigativo possa ser transformado em um produto de audiovisual, filme ou documentário, que é comercializado para financiar o projeto. Essa série de reportagem pode virar um filme?
A parte “non-profitable” (não-rentável) da empresa somos nós. Tem a parte “for profitable” (rentável), e a ideia é que ela ajude a pagar o jornalismo. Várias reportagens que a gente vem produzindo ao longo dos anos têm, talvez, um futuro em coisas do audiovisual. Essa série não deixa de ser diferente. Ela é grande, é explosiva, o assunto é obviamente muito grande. Mas é jornalismo, e a gente vem fazendo isso não diferente do que fazemos em outras matérias. Eventualmente, no futuro, pode sim [virar um filme ou documentário].
Essa foi a maior reportagem da sua carreira?
Sem dúvida, minha e de todos os jornalistas do The Intercept que estão envolvidos. Ela é a nossa grande história. Sem dúvida. Espero que a minha carreira não tenha terminado agora, e que venham histórias maiores no futuro.
Como você interpreta a reação do Bolsonaro às reportagens? Ele levou muito tempo para comentar, e o tema das reportagens é um ministro.
O Bolsonaro tem um instinto de autopreservação muito grande. Ele nunca está fechado com ninguém, a não ser com ele próprio. Ele agiu mais uma vez dessa maneira, como age sempre. Ele disse que não confia 100% no ministro Sergio Moro. Então, não é surpreendente, não.
É possível ter algum material diretamente relacionado ao Bolsonaro nas próximas reportagens?
A gente não fala sobre história que está nos arquivos, ou outras possíveis histórias, para evitar especulações.
Quantas pessoas da redação do The Intercept estão envolvidas nessa apuração?
Não é a equipe toda, mas é boa parte da equipe. A gente criou um núcleo. A gente criou, ironicamente, uma "força-tarefa", e a gente não está divulgando o número de pessoas envolvidas. Mas é um grupo que trabalha nisso, até porque é um material muito sensível.
A gente está restringindo o acesso para ter um controle para evitar que tenha algum problema. A gente tem um grupo muito fechado e muito restrito, para evitar vazamentos e especulações, e também preservar a intimidade e foro íntimos das pessoas que estão ali [nos arquivos]. Essa é a principal preocupação do The Intercept.
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