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    Chico Buarque à TV 247: “Já estamos com o pé no fascismo”

    “Bolsonaro tem esse pensamento fascista ou nazista. Foi eleito defendendo a tortura e dizendo que era preciso matar pelo menos 30 mil pessoas. E quem o elegeu foi essa gente que na rua pedia a volta do AI-5, o pior da ditadura militar”, disse Chico Buarque, em entrevista a Regina Zappa

    Cantor Chico Buarque (Foto: Reprodução)

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    Por Regina Zappa - Em entrevista emocionada ao Estação Sabiá, da TV 247, na última quinta-feira (10), Chico Buarque e a jornalista Hildegard Angel lembraram a luta e a trajetória de dor da estilista Zuzu Angel, que teve seu filho Stuart Angel Jones assassinado, em 1971, pela ditadura militar e passou anos em busca de seu corpo. Ao relembrar os anos de chumbo, Chico afirmou que hoje estamos com o “pé no fascismo”. Os assassinos de Stuart, que depois provocaram o “acidente” de carro que matou Zuzu, diz ele, “são os mesmos que formaram esses militares que hoje estão no poder”. Zuzu faria 100 anos este mês.

    Sem conseguir conter a emoção, Chico falou com voz embargada e se deteve algumas vezes durante a conversa sobre sua amiga Zuzu. Na época, ela havia se aproximado muito de Chico e via nele semelhanças com seu filho. Os dois tinham a mesma idade e consciência política. 

    Na entrevista, Chico falou sobre os tempos pesados da ditadura, com tortura, mortes e desaparecidos políticos. “Precisamos lembrar que o momento atual, com um golpe sendo anunciado o tempo todo, é consequência daquele tempo”. “Estão plantando isso, anunciando possível fraude na eleição, estão se preparando para o golpe. E o golpe vai trazer de novo tudo isso de que estamos falando, além do que já existe de horror, com a autorização lá de cima para esse morticínio que segue nas favelas”.

    Segundo Chico, “o perigo é real”. “Ele [o presidente] tem esse pensamento fascista ou nazista. Foi eleito defendendo a tortura e dizendo que era preciso matar pelo menos 30 mil pessoas. E quem o elegeu foi essa gente que na rua pedia a volta do AI-5, o pior da ditadura militar”. “Isso sem falar no enfrentamento genocida da Covid. Ele está encaminhando o país para o abismo, a ideia de imunidade de rebanho é uma prática homicida, chame-se ele de genocida ou não.”

    Hildegard, filha de Zuzu e irmã de Stuart, contou de forma comovente como a família viveu os dolorosos dias, meses e anos que se seguiram à prisão e desaparecimento do irmão. “Quem não viveu a ditadura ou viveu se abstraindo dela não imagina o que era isso. Nós em casa vivíamos sob o toque do silêncio. Só podíamos conversar a portas fechadas. E mamãe passava o tempo todo batendo de porta em porta, nos quartéis, nas casas dos generais e da alta sociedade em busca de notícias. De noite, no quarto, chamava pelo filho.”

    Para Hilde, hoje estamos vivendo a sequela de todo esse processo iniciado pela ditadura militar. “Vivemos o que foi, na época, o acumpliciamento, a falta de empatia, e a conivência”. Zuzu era, segundo Hilde “ a personificação do incômodo, a evidência da sociedade monstruosa em que estávamos vivendo”. 

    “Mas ela sabia que ficar perto da burguesia agregava valor à sua luta. E deixava que ficassem com culpa. Quando era dia das mães ela levava flores e deixava na casa de mulheres de generais e de jornalistas que tinham filhos porque ela já não tinha mais o seu. Mandava coroa de flores para o mausoléu do filho do General Sylvio Frota para mostrar que ela não tinha mausoléu do seu filho para mandar coroa. Ela, enfim, fazia uma enorme chantagem emocional com a alta sociedade para causar desconforto e atentarem para sua dor.” O corpo de Stuart nunca foi encontrado.

    Chico mostrou também preocupação com o futuro. “É preciso saber se é possível reeducar essa polícia e descobrir como estão se formando esses oficiais do Exército. Porque esses que estão no poder hoje foram formados na ditadura passada. Então imagina o que está se criando hoje, nas academias, em Agulhas Negras. Que tipo de gente vai sair daí para estar no poder daqui a 30 anos, se o poder ficar nas mãos dos militares.”

    “Não é possível o que acontece hoje: um general dá um soco na mesa e a República treme. E nós ficarmos sujeitos a esse tipo de coisa. Isso não aconteceria no Uruguai, na Argentina, no Chile. Não voltariam com essa desfaçatez”, disse, referindo-se aos países sul-americanos que puniram os responsáveis pelos abusos da ditadura em seus países.

    Hilde acrescentou: “Por não termos punido os carrascos da ditadura, hoje temos a polícia miliciana furando os olhos das pessoas, entrando nas comunidades, cometendo chacinas. Isso se naturalizou.”

    Ao falar sobre tortura dos presos políticos nos tempos da ditadura, Chico lembrou que, no Brasil, a tortura sempre existiu e continua existindo. “Mesmo antes da ditadura, já sabíamos das torturas nas delegacias, dos pobres e pretos. E ainda é assim. Agora foi a Kathlen, assassinada na favela com tiro de fuzil. Antes foi a chacina no Jacarezinho e amanhã vai continuar assim porque esses crimes ficam impunes. Todo mundo sabe que a Marielle foi assassinada e ninguém vai resolver o caso da Marielle. A Zuzu era como se fosse hoje a mãe da Marielle ou da Kathlen. Só que naquela época tinha menos eco”.

     Sobre a deputada Andreia de Jesus, “esculachada” por seus colegas em Belo Horizonte por pedir um minuto de silêncio para Kathlen Romeu, a jovem negra assassinada pela polícia no Rio, Chico disse: “Não há a menor compaixão, é o fim de linha, não há civilização que resista. Fico torcendo para esse homem cair de uma vez, para parar de morrer tanta gente.”

    Quanto aos militares, foi duro: “Eles pensam que são donos do país. São donos porra nenhuma, não são nada. Nada. O que havia de dignidade em grandes militares, e havia, isso parece que sumiu. Ou baixaram a cabeça e são voto vencido nas Forças Armadas. Não vemos uma manifestação de dignidade por parte de algum oficial do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Não há vergonha.”

    Hilde mencionou o bilhete deixado por Zuzu na casa do Chico, pouco antes dela morrer. Nele, afirmava que se algo lhe acontecesse, teria partido dos mesmos assassinos do seu filho Stuart. Chico relembrou essa história e Hildegard confirmou: “Quando precisamos desse bilhete para apresentar à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça, em 1998, só o Chico tinha o bilhete, porque foi com ele que ela o deixou.” Depois disso, a Comissão decidiu que Zuzu morrera em um atentado político. E Chico afirmou no documento da Comissão que, na época, para denunciar a morte de Zuzu era preciso uma outra Zuzu.

    O bilhete de Zuzu para Chico dizia:  “Há dias recebi documento descrevendo com pormenores as torturas e o assassinato de que foi vítima meu filho Stuart Jones, pelo governo militar brasileiro. Este documento está fora do país, em mãos de um dos parentes americanos do meu filho mártir. Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.”

    No alto da página, escrito a lápis, ela diz: “Esteja certo de que não estou vendo fantasmas”.

    Assista à conversa:

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