Em Porto Alegre, Lula diz que Lei Rouanet não é favor e que acesso à Cultura é "uma questão de democracia"
Ex-presidente Lula afirmou que não só recriará o Ministério da Cultura, mas também comitês culturais em todo o país
Katia Marko, Brasil de Fato - O último evento da agenda de dois dias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre (RS) reuniu centenas de trabalhadores da Cultura na tarde desta quinta-feira (2), no Hotel Plaza São Rafael.
Com falas fortes e emocionadas, o diretor de cinema Jorge Furtado, a carnavalesca Kelly Ramos, o escritor Jefferson Tenório, o músico Hique Gomes, a atriz Deborah Finocchiaro e os representantes do Hip Hop Tamborero e Miguelcéia foram os oradores. O encontro foi aberto com performances da atriz Juçara Gaspar e dos Poetas Vivxs.
Lula afirmou que o estado brasileiro tem uma riqueza cultural excepcional que, muitas vezes, o Brasil não conhece. “Nós temos a obrigação de fazer uma grande conferência nacional para discutir a cultura nesse país. Não vamos apenas recriar o Ministério da Cultura. Vamos criar comitês culturais em todos os estados do Brasil para que possamos democratizar o acesso à cultura.” Também reassumiu o compromisso de dar atenção e protagonismo ao setor num eventual novo governo.
“Hoje estou convencido de que a questão cultural não é fazer favor a nenhuma categoria de artista. A questão cultural é uma necessidade política, econômica e cultural e uma questão de democracia do nosso país. Vocês não podem ser vistos como pessoas que de vez em quando vão procurar a Lei Rouanet. Isso não é favor, é obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura”, disse.
Ele lembrou de parte do legado dos governos petistas, como os pontos de cultura – “pequena revolução nos lugares mais longínquos do país” – e o vale cultura, destacando a importância do setor para a economia com movimentação de recursos e geração de empregos.
Segundo Lula, os governos dele e de Dilma Rousseff, também presente no encontro, fizeram tudo o que podiam fazer, com políticas acima do padrão feito para o setor desde a Proclamação da República, mas que não fizeram tudo. A ideia de voltar, contou, é para tentar fazer o que ainda não foi feito e um pouco mais do que já foi.
Diversidade cultural
O ex-presidente defendeu que os meios de comunicação tenham programação local e deem visibilidade a manifestações culturais de todo o país e não se concentrem apenas na tradição do eixo Rio-São Paulo. Lula citou, especificamente, o frevo e o Maracatu, de Pernambuco, o carimbó, do Pará, e a riqueza cultural do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Em todo estado tem uma riqueza cultural excepcional, mas o povo não conhece.”
Aos artistas, Lula disse que está assumindo o compromisso mais sério de sua vida com a cultura brasileira e que está convencido de que tudo será melhor se as pessoas estiverem arejadas culturalmente. Ele afirmou ser preciso criar condições para que todas as artes tenham chance de se manifestar e que as pessoas precisam apenas saber, assistir, começar a ouvir para gostar.
“Vi um concerto de violinos na Áustria e fiquei levitando. Dá uma chance a um peão como eu e ele fica levitando com um concerto de violino, imagina dar ao povo brasileiro o direito de ver todas as artes”, disse.
Desmonte do setor cultural
Na cerimônia, com performances e até apresentação pelo músico Lico Silveira da canção “Sujeito de sorte”, de Belchior, regravada recentemente por Emicida e com o trecho “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, representantes do setor denunciaram o desmonte da Cultura.
O diretor Jorge Furtado, que entre muitos clássicos do cinema brasileiro dirigiu “Ilha das Flores”, curta metragem citado por Lula no encontro, lembrou da importância da cultura para a economia e disse ter convicção de que o Congresso Nacional vai derrubar o “veto mesquinho e cruel” do presidente Jair Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, “vitais para sobrevivência de milhares de artistas”.
“Estar aqui para defender a cultura e tudo o que ela representa já seria um ótimo motivo, mas o que nos une é bem mais do que isso. Nós, trabalhadores da cultura, não queremos viver num país onde a fome ameaça 36% das famílias, onde o governo acha que armas nas mãos das pessoas são respostas para acabar com a violência, num país onde o governo louva a morte, despreza a ciência e tem o único governante não vacinado do planeta, um péssimo exemplo que, certamente, causou muito sofrimento e muitas mortes. Não queremos viver num país onde a polícia truculenta e racista tortura e mata jovens negros todos os dias”, disse emocionado.
Furtado afirmou estar contando os dias para o fim do pesadelo que é o atual governo. “Está acabando. Se trabalharmos juntos, vamos acordar num país onde é possível sonhar. Nós da cultura vamos estar juntos na construção desse sonho. Quem vê esperança no horizonte lembra das palavras de Elza Soares: 'Eu preciso encontrar um país onde ser solidário seja um ato gentil, eu prometo encontrar, esse país vai se chamar Brasil'”.
“Carnaval não é só peito e bunda, é pão na mesa das famílias”
A carnavalesca Kelly Ramos representou as escolas de samba e destacou a dificuldade enfrentada pelo Carnaval atualmente. “Nossas escolas são a maioria das comunidades, nós desenvolvemos um trabalho social, cultural, ajudamos muitas famílias. Carnaval não é, me desculpem as palavras, peito e bunda, Carnaval é pão na mesa de muitas famílias”, destacou. Ela defendeu a necessidade de recuperar o Programa Nacional da Cadeia Produtiva, realizado pelo Pedro Santos, da Fundação Palmares, no governo da presidenta Dilma, e “que infelizmente, nós do Carnaval sofremos o golpe junto com a presidenta porque nós perdemos o programa quando tiraram a nossa presidenta do governo”.
O Hip Hop do RS também levou seu recado, através das vozes do Tamborero e da Miguelcéia. “Nós do Hip Hop somos condenados a um crime que não cometemos, um crime que mata nossos irmãos e irmãs pretas todos os dias. E estamos aqui porque acreditamos muito no senhor e no que o senhor já fez pelo nosso país. Nós viemos aqui trazer uma proposta pra sua campanha, nós queremos ter um conselho político das periferias e favelas do Brasil. Chama o Mano Brown, chama o Emicida, chama o Hip Hop do Brasil inteiro, pois nós estamos muito conectados. Nós estamos com nossos pés nas comunidades, mas também queremos ter o pé no centro da política brasileira”, destacou Tamborero.
“Precisamos empretecer nossos saberes”
Autor do aclamado “O avesso da pele”, com o qual ganhou o prêmio Jabuti, Jefferson Tenório disse que o Estado fascista que é o Brasil hoje quer silenciar as vozes dos artistas, mas não vai conseguir. O escritor contou que foi o primeiro formando negro por cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Vivemos, infelizmente, nesse Estado fascista que tenta silenciar nossas vozes, mas não vai conseguir. Sempre que me perguntam por que hoje em dia a gente consegue ver escritores negros com visibilidade. Tem um fator muito importante que foi a entrada de pessoas negras na universidade. Eu digo com muito orgulho, que eu sou o primeiro cotista negro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a se formar, e penso que a gente não tem que discutir se deve ou não ter cotas. A gente tem que discutir é a ampliação das cotas”, afirmou, defendendo que a história do Brasil, que foi silenciada, precisa ser conhecida e escrita. “Precisamos empretecer nosso conhecer, nossa escrita, nossos saberes.”
A atriz Deborah Finocchiaro ressaltou a arte do teatro, como uma arte viva que não é feita para mas com as pessoas, e toda a dificuldade que foi manter o teatro vivo durante a pandemia. “Nós precisamos ter uma lei que garanta o nosso ofício, não podemos ficar à mercê de governos. A arte e o teatro são grandes caminhos de questionamento. E precisa estar dentro da formação de crianças. O teatro é o único espaço em que podemos ser ridículos sem medo, um espaço de autopercepção e precisamos de condições para desenvolver nosso trabalho, envolvendo também o interior dos estados.”
Representando os músicos, Hique Gomes iniciou falando que o setor criativo é muito lucrativo. “A gente não tem costume de falar de economia e não se reconhece como um setor da economia. Nós geramos mais de R$ 50 bilhões de impostos. Talvez isso seja mais que a indústria automobilística. Então, nós temos direito a tudo que nós devemos ter, a todas as estruturas de escolas, a todos os ensinamentos de arte. Porque essas pessoas que hoje nos tiram isso, elas mandam os filhos pra Broadway. Pensando que lá é que é, e aqui nunca vai ser”, afirmou. Também falou sobre a importância do Carnaval, “onde são ditas todas as verdades que ninguém tem coragem de dizer”. Hique finalizou afirmando que é necessário valorizar a natureza humana e permitir que sejamos o que realmente somos.
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