"Não olhe para cima" é apenas uma jogada de marketing e nada mais, diz Eduardo Maretti
"As pessoas não querem mais pensar. O senso comum exige que tudo venha pronto, como trash food", diz o jornalista
Por Eduardo Maretti, em seu facebook – “Quando Pasolini morreu, pensei em fazer um filme sobre o Cristo do Terceiro Mundo.” (Glauber Rocha)
A febre causada pelo filme ‘Não olhe para cima’ me fez pensar, com tristeza ou indignação, em várias coisas. Parece que se perdeu a noção sobre o que de fato importa na Cultura (com C maiúsculo).
1 – As pessoas não querem mais pensar. O senso comum exige que tudo venha pronto, como o trash food que você pede no delivery e recebe embalado no isopor. Por exemplo, virou meme o personagem de Leonardo DiCaprio associado a Atila Iamarino, ou a ‘presidente’ Meryl Streep a Trump etc etc etc etc etc. É tão óbvio que qualquer idiota entende, mas todo mundo acha genial!
2 - Mas também tudo isso me faz rir, e por isso escolhi essa foto icônica de John Travolta na magistral interpretação dele em ‘Pulp Fiction’, de Quentin Tarantino, um filme (este sim) genial, que incorpora os gêneros comédia, drama, thriller, policial, tudo num filme só. Muita gente usa o meme dessa cena do Travolta e nem sabe de onde vem.
3 – Quantas pessoas que acham esse filme ‘Não olhe para cima’ genial – na verdade um filminho vagabundo – sabem quem foi Pasolini? Mas não vamos tão longe. Quantas seriam capazes de entender e dar risada vendo um filme de Woody Allen? Ou, indo um pouquinho mais longe, entender ‘O Discreto Charme da Burguesia’ de Luis Buñuel; ou perceber o humor sutil e devastador de ‘Pulp Fiction’ de Tarantino; ou a magnífica interpretação do mesmo Leonardo DiCaprio na sátira-paródia Django Livre, do mesmo Quentin Tarantino; ou o mesmo DiCaprio em ‘Prenda-Me se For Capaz ‘, do (este sim) genial Steven Spielberg? Ou entender e rir do absurdo da vida cotidiana vendo um filme (qualquer um) de Jim Jarmusch? Alguém que acha esse lixo da Netflix genial seria capaz de mergulhar em Twin Peaks? Quantos dos politicamente corretos poderiam entender a maravilhosa poesia que filmes de faroeste como ‘Os imperdoáveis’ (de Clint Eastwood) ou Pat Garret e Billy the Kid (Samuel Peckinpah)?
4 – Mas as pessoas hoje sabem quem são Glauber Rocha, Pasolini, Woody Allen, Buñuel, Tarantino, Spielberg, Jarmusch? Não. E nem querem saber. Elas escrevem nos grupos de WhatsApp e nas redes que “Não olhe para cima” é... ‘genial’, ‘fundamental’, ‘incrível’, assim como o trash food que recebem no isopor. Simplesmente porque alguns astros icônicos interpretam personagens que as conectam (as pessoas) com os personagens e temas reais que a TV lhes mostra sem cessar, Trump, Bolsonaro, Atila Iamarino, Natalia Pasternak, covid, vacina etc etc etc.
5 – Eu não sou tão chato que não goste de cinema como entretenimento. Adoro ‘De volta para o Futuro’ (1), por exemplo. Como não achar genial e (sim) até não me emocionar com a incrível cena-sequência do skate de Michael J. Fox no ‘Back to the future’, o primeiro? (os outros eu dispenso).
Adoro ‘La casa de Papel’. Como não me emocionar (pelo menos eu) na cena da temporada 1 em que Berlim e o Professor cantam Bella Ciao?
6 - Enfim, poderia ficar aqui falando indefinidamente. Mas me choca e, na real, entristece ver que o senso comum engoliu tudo. Que as pessoas desconhecem o cinema, a história do cinema, a cultura, o teatro, a história da cultura e a grandeza da cultura. Que veem um filme como mastigam e engolem um sanduíche do McDonald's.
7 - ‘Não olhe para cima’ não passa de uma genial jogada de marketing.
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