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    Profissionais negros do audivisual criticam produção de série sobre Marielle

    Após anúncio de uma série produzida pela Rede Globo sobre a história de Marielle Franco sem pessoas negras na direção do projeto, diversos profissionais negros se manifestaram através de nota de repúdio

    (Foto: Divulgação)

    247 - A Globo anunciou na última semana o lançamento para o próximo dia 13 de março de uma série sobre a vida da vereadora Marielle Franco, assassinada há dois anos no Rio de Janeiro. A equipe a tocar o projeto foi alvo de críticas de profissionais negros/as, uma vez que é composta apenas por pessoas brancas na tomada de decisões.

    A produção terá roteiro de Antonia Pellegrino e direção de José Padilha, diretor da série O Mecanismo, que distorceu a história da Lava Jato e da política no Brasil intencionalmente. Em nota de repúdio, diversos profissionais negros do audiovisual demonstram “revolta” e apontam o “desastre” com a decisão.

    Confira a íntegra da nota, reproduzida no site Alma Preta:

    Na sexta-feira, 6 de março de 2020, a Rede Globo e a Globoplay anunciaram uma série ficcional baseada na vida de Marielle Franco, cujo assassinato em 2018 continua sem respostas. Acontece que o projeto anunciado é encabeçado por três pessoas brancas. A roteirista Antonia Pellegrino (“Sexo e as Negas”, “Bruna Surfistinhas” e “Tim Maia”), George Moura (“Onde Nascem os Fortes”, “Amores Roubados” e “O Canto da Sereia”) e José Padilha.

    É revoltante. No entanto, numa sociedade capitalista, não surpreende que a história de uma mulher negra seja contada a partir do ponto de vista de três pessoas brancas. A única surpresa é o fato de terem demorado tanto para anunciar o projeto, visto a sanha que têm de se apropriar dessa história há tanto tempo.

    Mas o desastre fica maior a cada detalhe. O diretor escolhido para comandar a série é o homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no país. É uma violência extrema envolver numa série sobre Marielle o autor de filmes que retrataram de forma heroica a polícia mais violenta do país. Para se ter uma ideia, após “Tropa de Elite”, as inscrições no Bope aumentaram vertiginosamente. O retrato ali inspirou e inspira ações violentas em todo o país. Não à toa, a música tema da tropa no filme apareceu em dezenas de vídeos de apoio ao presidente em exercício. É o filme que mais exaltou o tema “bandido bom é bandido morto”, simplificando a discussão da violência urbana a uma questão de polícia.

    Além disso, ficcionalizar em torno de um crime que ainda está sendo investigado também é uma violência e uma naturalização do crime violento e dos 13 tiros disparados contra o carro de Marielle, que vitimaram ela e o motorista Anderson Gomes.

    Depois disso, Padilha ainda dirigiu a série “O Mecanismo”, cujas falsificações históricas só fizeram recrudescer o discurso fascista que resultou no governo mais autoritário e violento das últimas décadas no Brasil.

    É revoltante mais uma vez ver a branquitude disfarçar de boas intenções a apropriação da imagem de uma mulher negra lésbica, favelada, mãe, filha, irmã e esposa. Para defender sua propriedade de contar a história de Marielle, Antonia Pellegrino usou como argumento: “eu a conhecia muito bem”, “eu ajudei na sua primeira campanha”, “eu segurei o seu caixão”.

    Mas a mesma pessoa que diz ter se inspirado em Marielle e diz ter respeito pelo feminismo negro, se lança como arauto para contar essa história aliada aos seus pares, masculinos e brancos. Tudo isso é extremamente violento. É um desrespeito a tudo que Marielle defendia.

    Se qualquer uma dessas pessoas tivesse entendido de fato a luta de Marielle, saberia o quão violento é fazer esse projeto encabeçado apenas por pessoas que não refletem sua imagem e semelhança. Existe um valor simbólico e financeiro em contar essa história. Um valor que vai ficar na mão daqueles que sempre dominaram o audiovisual no Brasil.

    Ter em algum momento convivido ou lutado ao lado de Marielle não tira o peso da decisão de se apropriar da história dela dessa forma.

    Padilha disse em entrevista ao “O Globo” que “se dedicou por muito tempo a histórias de violência urbana do Rio. Essa é uma que precisa ser contada”. A história de Marielle é muito mais do que apenas a violência institucional. Ela é muito mais do que uma vítima da violência urbana que tentam fazer parecer. Seu assassinato é o reflexo da necropolítica que ela denunciava.

    A história de Marielle é também a história das tecnologias afetivas, pois Marielle sempre falou sobre afeto, empatia, mulheres lutando juntas, jovens negras movendo estruturas. A branquitude quer se apropriar e narrar essa história sem ao menos entender sobre o que ela é. Tudo isso é desesperador demais.

    Às mulheres e homens pretos e lésbicas foi negado o direito de contar essa história. Pois ainda que o racismo estrutural e institucional tente nos paralisar, homens e mulheres negros e negras se tornaram grandes realizadores, comandando produções e recebendo reconhecimento aqui e fora o Brasil. Por isso, é ainda mais perverso saber que essa história só será contata se for produzida por essas pessoas, pois o racismo produziu mecanismo para distanciar pessoas negras do direito de contar a própria história.

    Quem trabalha no audiovisual conhece bem as estratégias perversas da branquitude que domina esse meio e entende o código por trás de afirmações “bem intencionadas” sobre transformar a série numa “escola”. Isso significa que as decisões finais serão todas tomadas por brancos e que os profissionais não-brancos da equipe terão no máximo o direito de brigar e adoecer tentando deixar a narrativa menos racista, sendo subjugados pelo tokenismo.

    Marielle, em sua última fala pública, contou a respeito da prefeitura do Rio: “primeiro eles saem chutando a porta, depois eles pedem desculpas e por último oferecem um microcrédito, que não repara nada”. Esse é o modus operandi da branquitude. Se apropriar como se tudo a ela pertencesse: nosso corpos, nossa subjetividade, nossa história. É um desastre, é violento e racista.

    Assinam a nota:

    1 - Ana Julia Travia - Roteirista e Diretora.

    2 - Maíra Oliveira - Roteirista e Dramaturga.

    3 - Mariani Ferreira - Roteirista.

    4 - Renata Martins - Roteirista e Diretora.

    5 - Myrza Muniz - Roteirista.

    6 - Carol Rodrigues - Roteirista e Diretora.

    7 - Jeferson da Silva Brum - Produtor e Distribuidor.

    8 - Gautier Lee - Roteirista e Diretora.

    9 - Ulisses da Motta Costa - Diretor. 

    10 - Luiz Santana - Roteirista.

    11- Juliana Balhego - Realizadora Audiovisual.

    12 - Phelipe Caetano - Roteirista.

    13 - Adriana Silva - Produtora e Roteirista.

    14 - Lorena Montenegro - Roteirista e Crítica de Cinema.

    15 - Maitê Freitas - Jornalista.

    16 - Viviane Pistache - Roteirista, Doutoranda e Crítica. 

    17 - Mariana Luiza - Roteirista e Diretora. 

    18 - Thaise de Oliveira Machado - Diretora de Arte

    19 - Daniel Ramos - Antropólogo.

    20 - Bruno dos Anjos Soeiro de Souza - Diretor de Fotografia.

    21 - Paulo Souza - Atriz.

    22 - Laís Werneck Oliveira - Produtora.

    23 - Manuela da Fonseca Miranda - Atriz.

    24 - Frederico Rosa da Paz - Produtor.

    25 - Daniela Israel - Produtora e Diretora.

    26 -  Cibele Amaral - Roteirista e Diretora.

    27 - Gabriella Padilha Scott - Realizadora Audiovisual.

    28 - Roberta Rangel - Atriz e Realizadora.

    29 - Jessica Queiroz - Diretora e Montadora.

    30 - Julia Tolentino - Realizadora Audiovisual.

    31 - Maria Clara - Roteirista e Publicitária.

    32 - Caroline Moreira - Empreendedora.

    33 - Jonathan Raymundo - Produtor do Wakanda in Madureira.

    34 - Carmen Faustino - Escritora e Produtora Cultural.

    35 - Tabatha Sanches - Cantora e Professora.

    36 - Kelly Adriano de Oliveira - Antropóloga, Educadora e Gestora Cultural.

    37 - Eliana Alves Cruz - Escritora e Jornalista.

    38 - Sabrina Fidalgo - Roteirista e Diretora.

    39 - Luciana Damasceno - Atriz e Roteirista.

    40 - Bianca Joy Porte - Atriz e Roteirista.

    41 - Jorane Castro - Roteirista e Diretora.

    42 - Marília Nogueira - Roteirista e Diretora.

    43 - Sílvia Godinho - Diretora, Roteirista e Produtora.

    44 - Erica Malunguinho - Deputada Estadual do PSOL. 

    45 - Rafaela Carmelo - Diretora e Roteirista.

    46 - Érica Sarmet - Roteirista, Diretora e Pesquisadora.

    47 - Jorge Washington - Ator fundador e membro do Colegiado gestor do Bando de Teatro Olodum.

    48 -  Gabriel Nascimento - Professor, Pesquisador e Escritor.

    49 - Gabriela Ramos - Advogada e Pesquisadora.

    50 - Pedro Borges - Jornalista e co-fundador do Alma Preta.

    51 - Claudia Alves - Roteirista e Diretora. 

    52 - Estevão Ribeiro - Roteirista e Escritor, criador da tirinha Rê Tinta.

    53 - Rafael Mike - Roteirista - Compositor, Cantor e Diretor Musical (Dream Team do Passinho).

    54 - Thamyra Thamara de Araújo - Jornalista e Roteirista. 

    55 - Ana Pacheco - Roteirista.

    56 - Thiago Bernardes - Músico e Educador. 

    57 - Éthel Oliveira - Cineasta e Cineclubista.

    58 - Luiza Romão - Atriz e Slammer.

    59 - Marina Luísa Silva - Pesquisadora e Roteirista. 

    60 - Eric Paiva - Roteirista.

    61 - Bruna Fortes - Montadora.

    62 - Ton Apolinário - Roteirista.

    63 - Atilon Lima - Audiovisualista e Fotógrafo. 

    64 - Mariana Costa - Pesquisadora.

    65- Monique Rocco - Diretora de Produção.

    66 - Karoline Maia - Diretora.

    67 - Ébano Gama - Publicitário.

    68 - Nêga Lucas - Atriz, Diretora, Escritora.

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