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    A história não contada de Lemann: monopólio, abusos trabalhistas, dribles à lei eleitoral e agora fraude contábil nas Americanas

    Um dos novos objetivos do bilionário é reinar na educação

    (Foto: Reprodução)

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    Por Coletivo Pensar a História, no O Partisano – Desde o falecimento do banqueiro Joseph Safra em dezembro de 2020, o empresário Jorge Paulo Lemann ocupa o posto de homem mais rico do Brasil. Lemann possui uma fortuna estimada em 23,8 bilhões de dólares – mais de 118 bilhões de reais. Ao lado dos seus dois principais sócios, Marcel Herrmann Telles e Beto Sicupira – terceiro e quinto mais ricos do Brasil -, Lemann comanda um dos maiores impérios do capitalismo global. O empresário é um dos coproprietários da AB InBev, a maior cervejaria do mundo, do conglomerado 3G Capital (que controla empresas como Lojas Americanas, Submarino, B2W Digital, Kraft Heinz e as redes Burger King, Popeyes e Tim Hortons) e do fundo GP Investments.

    No site de sua “fundação filantrópica”, Lemann é descrito como um “self-made man” e um “herói da classe empresarial brasileira”. Existe, de fato, toda uma “hagiografia” corporativa devotada ao bilionário. Ele é considerado um dos ícones máximos da seita do empreendedorismo de palco e do nicho da autoajuda empresarial. A narrativa de Lemann como empreendedor que trabalhou duro, inovou e obteve excelência serve à dupla função de justificar fortunas obscenas e reforçar o mito da meritocracia. E, assim como ocorre com outros bilionários, Lemann também costuma ignorar os detalhes da história que contradizem a fábula do “self-made man“. A verdade é que Lemann já nasceu herdando uma das maiores empresas do Brasil. Ele, inclusive, descende de uma família de comerciantes europeus que se destacam economicamente há mais de 600 anos.

    Oriunda da Suíça, a família Lemann atua no comércio de bens duráveis e na produção do laticínio do Vale do Emmental, desde a Alta Idade Média. No início do século XX, compelidos por uma crise econômica, três irmãos da família resolveram imigrar em busca de novos mercados. Um foi para os Estados Unidos, outro para a Argentina e Paul Lemann, pai de Jorge Paulo, para o Brasil. Aqui, Paul Lemann montou uma fábrica de sapatos e uma empresa produtora de laticínios, a Leco – abreviatura de “Lemann & Company”, que se tornaria uma das maiores empresas nacionais do setor. Por sua vez, a mãe de Lemann, Anna Yvette Truebner, é filha de um dos maiores exportadores de cacau do sul da Bahia.

    Jorge Paulo Lemann cursou o ensino básico na Escola Americana do Rio de Janeiro, um dos colégios particulares mais exclusivos da então capital federal. Posteriormente, mudou-se para os Estados Unidos, onde estudou economia na Universidade de Harvard. Após se formar, mudou-se para a Suíça, país onde possui cidadania, e conseguiu uma indicação para trabalhar no Banco Credit Suisse, em Genebra. Entediado com as tarefas, pediu demissão após sete meses e passou alguns anos se dedicando a jogar tênis. De volta ao Brasil, Lemann adquiriu a Corretora Garantia, onde deu início à sua parceria com Marcel Telles e Beto Sicupira. Em 1976, durante o governo Geisel, o empresário obteve autorização do Banco Central para converter a corretora em uma instituição financeira, fundando o Banco Garantia. A empresa se tornaria um dos principais bancos de investimento do país, emulando o modelo de gestão do Banco Goldman Sachs.

    Uma ode à exploração

    Foi durante as duas décadas à frente do Banco Garantia que Lemann e seus sócios tiveram seus patrimônios multiplicados de forma exponencial. A gestão dos funcionários do banco já adiantava características comuns aos negócios de Lemann – salários abaixo da média do mercado, foco agressivo no cumprimento de metas ambiciosas, criação de ambientes corporativos insalubres e estímulo à produtividade por meio de pressão, assédio e humilhação. O Banco Garantia foi alvo de inúmeras ações por assédio moral, além de ter sido investigado pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) por irregularidades no mercado de capitais. O Banco Central multou a instituição pela prática de fraude cambial, operações irregulares e remessa ilegal de dinheiro para o exterior. A instituição também foi acusada de ter colaborado com o infame esquema de pirâmide financeira montado por Bernard Madoff.

    Malgrado os escândalos, o banco prosperou enormemente. Com o capital acumulado pelo Banco Garantia, Lemann e seus sócios financiaram a compra de dezenas de empresas, dando início aos seus gigantescos conglomerados. Compraram as Lojas Americanas, em 1982, a Brahma, em 1989, e a Antarctica, em 1999. Em 2004, criaram a 3G Capital, passando a investir na aquisição de multinacionais, tais como as redes Burger King, Popeyes e Tim Hortons. Fundaram ainda a Innova Capital, voltada à criação de startups, e a Gera Venture, focada em educação.

    Em 1999, independentemente das denúncias de desrespeito à legislação antitruste e ao princípio do direito de concorrência, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE) autorizou Lemann a fundir as cervejarias Brahma e Antárctica, dando origem à Ambev, que passou a controlar 70% do mercado brasileiro de cerveja. Já em 2004, a Ambev se fundiu com a belga Interbrew, dando origem à AB InBev, maior cervejaria do mundo. Nas duas transações, a CVM voltou a identificar abuso de poder, negociações irregulares e uso de informação privilegiada para especular no mercado de ações. Lemann e os sócios pagaram multa de 18,6 milhões de reais à CVM para que os processos fossem encerrados.

    As práticas empresariais abusivas, entretanto, se tornariam corriqueiras. Em 2004, a empresa foi multada em 229 milhões de reais por concorrência desleal, ao beneficiar comercialmente os pontos de venda que fechassem contratos de exclusividade ou que aceitassem diminuir a comercialização de produtos de concorrentes. Distribuidoras também acusam a empresa de tentar controlar o mercado, negociando preços menores com parceiros comerciais e forçando as companhias independentes à falência. Fora do Brasil, a AB InBev também está envolvida em inúmeros escândalos de corrupção e abuso do poder econômico. Na Índia, por exemplo, está sendo investigada por corrupção e pagamento de propina. Nos Estados Unidos, foi acusada de adulterar seus produtos. E na Argentina responde à acusação de sonegação de impostos.

    Abusos trabalhistas

    A AmBev também é acusada de praticar dumping social, eliminando direitos trabalhistas para diminuir seus custos de produção e tornar seus produtos mais competitivos. A empresa enfrenta uma enxurrada de processos por assédio moral e abusos de toda ordem. Funcionários que não cumprem metas são submetidos a constrangimentos, humilhações, xingamentos, discriminação e até mesmo agressões e castigos físicos. Os processos em que a empresa foi condenada incluem desde espancamento em “corredor polonês”, uso de fraldão e camisetas com frases ofensivas, xingamentos racistas e ameaças com arma de fogo, até o uso de filmes pornográficos e garotas de programa como “motivação” em reuniões corporativas.

    Manipulação de registros de ponto, sonegação de pagamento de horas-extras e submeter os funcionários a jornadas desumanas também estão entre as acusações. Em um processo, ficou comprovado que empregados da AmBev eram obrigados a trabalhar por até 17 horas contínuas. Outras empresas de Lemann também costumam ser acusadas de abusos trabalhistas, sobretudo o Burger King. A rede é igualmente conhecida pelo hábito de pagar salários inversamente proporcionais às jornadas. Em 2020, o Burger King foi condenado a pagar multa de um milhão de reais por obrigar os seus empregados a cumprirem rotineiramente até 8 horas extras diárias e a trabalharem sem descanso semanal remunerado. A condenação foi confirmada em segunda instância.

    Enquanto obriga seus funcionários a cumprirem jornadas de trabalho de até 17 horas por dia – consideradas desumanas já nos primórdios da Revolução Industrial -, Jorge Lemann tenta estabelecer a reputação de “filantropo”. Em 1991, o empresário criou a Fundação Estudar, uma ONG supostamente voltada a “incentivar a educação”. Sua atuação vem através da organização de cursos e palestras e da concessão de bolsas de estudo de graduação e pós-graduação. Em 2001, estabeleceu a Fundação Lemann voltada à “formação e lideranças” e ao apoio de “iniciativas úteis à resolução dos grandes desafios do país”. Além de lhe granjearem benefícios tributários e um verniz de “preocupação social” para atenuar as críticas às práticas nocivas de suas corporações, as ONGs de Lemann têm por função pressionar os governos a adotarem uma lógica empresarial no ensino público e a submeter as instituições do Estado aos interesse do capital financeiro. Tal estratégia está alinhada aos crescentes investimentos de Lemann no ensino privado, por intermédio da Gera Venture Capital e da holding Eleva Educação, e sinaliza interesses futuros na privatização dos sistemas públicos de ensino do Brasil.

    Um filantropo mau

    As fundações “filantrópicas” de Lemann operam como centros de formação de gestores para suas empresas e de fomento a lideranças e iniciativas alinhadas aos seus interesses econômicos e políticos. As fundações de Lemann financiaram, por exemplo, lideranças do MBL e do movimento Vem Pra Rua, além de outras organizações que ajudariam a insuflar os protestos antigovernamentais a partir de 2013 e a criar o ambiente de ruptura institucional que desembocou no golpe parlamentar de 2016. Uma reportagem da BBC Brasil comprovou que até mesmo o registro do site do movimento Vem Pra Rua havia sido adquirido pela Fundação Estudar.

    As ONGs de Lemann também têm sido utilizadas para burlar a legislação eleitoral que proíbe o financiamento privado de campanhas. Por exemplo, infiltrando representantes alinhados aos seus interesses nos partidos políticos e nos órgãos de governo. Emulando iniciativas dos movimentos suprapartidários supostamente dedicados à “renovação da política”, tais como o RenovaBR, o Livres e o Movimento Acredito, o bilionário tem financiado a formação de seus próprios líderes. Uma vez eleitos ou empossados em cargos-chave, essas lideranças passam à defesa da agenda liberal e de medidas benéficas às grandes corporações, independentemente da orientação de suas legendas.

    A “bancada Lemann”, eleita no pleito de 2018, inclui parlamentares do PDT, NOVO e do PSB, incluindo os deputados federais Tabata Amaral, Felipe Rigoni e Tiago Mitraud. Entre os deputados estaduais, estão Renan Ferreirinha e Daniel José. Todos estudaram em universidades como Harvard, Oxford e Yale, com subvenção da Fundação Lemann. E todos votaram em favor dos interesses do mercado nos projetos votados pelas atuais legislaturas.

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