Aepet alerta: venda de refinarias vai aumentar preços e fará Petrobrás abrir mão de mercado bilionário
Em meio ao julgamento pelo STF da vida de refinarias da Petrobrás, o diretor da Associação de Engenheiros da estatal (Aepet), Ricardo Maranhão, aponta que nenhuma empresa privada estrangeira pode trazer derivado de petróleo ao mercado brasileiro por preços inferiores aos da Petrobrás
Por Davi de Souza, Petronotícias - A semana que começa nesta segunda-feira (21) promete ser decisiva. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) vai bater o martelo até sexta (25) para determinar se a Petrobrás poderá seguir vendendo suas refinarias sem o aval do Congresso. O julgamento reacendeu o debate sobre a decisão da companhia de alienar metade de seu parque de refino no país. Para o diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Ricardo Maranhão, a venda desses ativos é um erro estratégico: “Eu não sei se o Sr. Castello Branco é presidente ou liquidante da Petrobrás”, criticou.
Em entrevista ao Petronotícias, ele afirma que a empresa está abrindo mão de uma fatia de mercado equivalente a 63,6 bilhões de litros de derivados por ano. Maranhão prevê que a venda das unidades não representará aumento da capacidade nacional de refino e enxerga também prejuízos aos consumidores. “Eu posso lhe garantir que nenhuma empresa privada estrangeira pode trazer derivado de petróleo ao mercado brasileiro por preços inferiores aos da Petrobrás”, declarou.
O entrevistado critica também outras questões, como a política de preços da Petrobrás e a assinatura do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE): “A direção da Petrobrás também furtou-se da sua obrigação de defender a companhia. Vender as refinarias é beneficiar os concorrentes da empresa. Isso é inexplicável”, afirmou.
Gostaria que começasse falando aos nossos leitores sobre a sua visão geral a respeito do mercado brasileiro e o processo de desinvestimentos da Petrobrás na área de refino.
Na realidade, a venda das oito refinarias, com capacidade de processamento de 1,1 milhão de barris de petróleo por dia, é uma entrega de um pouco menos da metade do mercado brasileiro. As refinarias instaladas no Brasil tem capacidade de 2,2 milhões de barris de petróleo por dia. E o país também importa derivados de petróleo.
Em qualquer nação ou qualquer segmento da economia, o mercado é um parâmetro. No caso do Brasil, a importância do mercado é maior ainda, porque possui grandes dimensões e é o sexto maior do mundo. Além das grandes dimensões do mercado, os derivados de petróleo são produtos estratégicos. Tanto é assim que a própria Constituição Federal define o mercado interno como Patrimônio Nacional. E diz ainda que o Estado deve dar um tratamento especial ao mercado, para que tenha inovações tecnológicas e esteja sintonizado com o desenvolvimento do país.
O consumo de combustíveis no Brasil ainda é baixo/moderado. O consumo per capita de energia ainda é baixo – é cerca de um quinto do consumo de energia da Noruega, por exemplo. Ou seja, o mercado brasileiro tende a crescer muito, porque existe uma correlação entre energia e desenvolvimento. Ou seja, quanto maior o consumo de energia, mais rico e desenvolvido é o país.
As gestões passadas de Pedro Parente e Ivan Monteiro e a atual de Castelo Branco cometem um gravíssimo erro estratégico quando praticamente abandonam a atividade de refino. A Petrobrás hoje se limita a investir na atividade de refino para manutenção desta atividade e não investe na construção de novas refinarias.
Por que considera um erro estratégico grave?
Vamos admitir que o mercado brasileiro seria plenamente atendido por 2,2 milhões de barris de petróleo por dia – que é a capacidade de refino da Petrobrás. Então, se a empresa pretende vender oito refinarias, isto representaria cerca de 1,1 milhão barris de petróleo por dia. Esse volume equivale a, aproximadamente, 400 milhões barris de derivados por ano ou a 63,6 bilhões de litros de derivados por ano. Só por este número se nota a dimensão deste mercado.
Vender metade das refinarias é um erro estratégico gravíssimo. Esta decisão é uma negação dos objetivos que levaram à criação da Petrobrás. A Petrobrás foi criada para dar autossuficiência ao Brasil em petróleo bruto e também em derivados. Então, quando eu vejo um país como o Brasil ainda dependente de derivados e reduzindo os investimentos em refino, trata-se de um erro estratégico gravíssimo.
E essa dependência de importação de derivados tende a aumentar. Isso porque a Petrobrás só faz investimentos em manutenção e operação; e não investe em novas refinarias. À medida que a produção de petróleo cresce aceleradamente, a tendência é que nós vamos aumentar rapidamente a exportação de petróleo cru e, simultaneamente, aumentar a importação de derivados de petróleo. Ou seja, estamos retomando o caminho do Ciclo Colonial em pleno século 21.
Devemos caminhar, sempre que possível, para agregar valor aos nossos produtos. Se o Brasil é um grande produtor de petróleo e de gás natural, devemos procurar ser um grandes produtores de gasolina, nafta, diesel, querosene de aviação e outros derivados. Devemos procurar beneficiar esse petróleo bruto que nós temos em abundância, inclusive entrando na indústria petroquímica. Aliás, sair da petroquímica é mais um erro das gestões neoliberais e entreguistas da Petrobrás, porque esta indústria agrega valor aos insumos petrolíferos.
Então, não investir em refino é um erro gravíssimo e torna o país cada vez mais dependente da importação de derivados e nos obriga a exportar mais petróleo cru sem valor agregado. Vamos perder nas duas pontas.
Há muitas críticas sobre o fato da Petrobrás ainda deter um quase monopólio na área de refino. Como enxerga essa questão?
Os que defendem a venda das refinarias afirmam que a Petrobrás tem uma posição dominante no mercado, controlando cerca de 98% da capacidade de processamento do país. Afirmam também que há a necessidade de novos atores na atividade de refino e que a venda de parte das refinarias vai diminuir os preços. O Castello Branco disse, inclusive, que os monopólios são incompatíveis com as democracias.
O assunto monopólio é amplamente discutido e debatido na legislação e na literatura no direito econômico. Em primeiro lugar, é preciso distinguir o monopólio privado e o monopólio público. O monopólio privado não controlado é crime. A Constituição Brasileira estabelece que o Estado tem que combater os monopólios, que abusam do poder, para proteger os consumidores. Esse dispositivo foi regulamentado e resultou na criação do CADE. O monopólio privado é crime e é mais perigoso quando se trata de um monopólio estrangeiro – ainda mais em um setor absolutamente estratégico como é o de petróleo.
Quanto aos monopólios públicos, eles são legais e impostos por razão de interesse nacional. Desde a lei 9478/1997, não existe nenhuma restrição que proíba ou que vete o acesso à indústria do refino por empresas públicas ou privadas; nacionais ou multinacionais. Qualquer empresa pode construir refinarias no Brasil, basta que tenham o desejo. Isto pode ser feito há 20 anos e não foi feito por nenhum grupo nacional ou estrangeiro.
Se vendermos as refinarias, não vamos aumentar a capacidade de processamento do país, que continuará sendo de 2,2 milhões de barris por dia. Nós continuaremos com a mesma capacidade de refino e com a mesma dependência de derivados importados. Esta não me parece a melhor solução. Ao meu ver, a melhor solução seria a construção de novas refinarias, que podem ser feitas inclusive com parcerias com a Petrobras ou com o Estado brasileiro. Além de aumentar a capacidade de refino e diminuir a nossa dependência das importações, será investimento novo em novos projetos. Isso vai demandar serviços de engenharia, fornecimento de materiais e equipamentos e geração de tecnologia. Então, é muito mais vantajoso construir novas refinarias do que comprar refinarias que já estão implantadas. Eu acho que está muito claro isso.
Passados 20 anos desde a flexibilização imposta pela Lei 9478/1997, nenhum grupo se interessou em construir refinarias no Brasil. Ao que se deve isso, na sua visão?
Eles alegam que tem um receio de fazer investimentos em novas refinarias e correr o risco de controle de preços pelo governo. Eu questiono esse argumento… Então, nós queremos um capitalismo sem risco? Esta é uma atividade que produz combustíveis altamente estratégicos. Ela mexe com a segurança do país, com a segurança militar, com abastecimento, com direitos dos consumidores… Queremos que essa atividade seja totalmente livre, sem qualquer interferência governamental? Nós queremos que monopólios privados estrangeiros pratiquem os preços e façam o que quiserem?
Então, não me parece que seja boa esta alternativa de vender refinarias prontas e amortizadas, mantendo o país dependente da importação de derivados. A melhor alternativa seria exigir que esses grupos entrem para construir novas refinarias, contratando serviços de engenharia, comprando materiais e equipamentos com um determinado índice de nacionalização. Precisamos de investimento produtivo e não de mera transferência de ativos amortizados do capital nacional para controle estrangeiro.
Há ainda uma alegação de que a política de paridade de importação da Petrobrás aumentou ainda mais os preços de derivados…
Em outubro de 2016, a diretoria da Petrobrás aprovou a política de preços internacionais. Isso significa que a Petrobrás iria praticar os preços vigentes no mercado internacional, na área do Golfo do México, considerando a taxa de câmbio.
Esse preço de paridade internacional depois evoluiu para o preço de paridade de importação (PPI). Com essa mudança, alguns custos extras foram acrescentados: o custo para transportar a gasolina até o porto americano, embarque do navio, frete dos EUA para o Brasil, seguro, descarga e custos de internação. Assim, o consumidor brasileiro passou a ser obrigado a pagar o preço vigente no mercado americano acrescido desses valores que acabei de citar.
Ao adotar o PPI, você permite que o importador traga esse derivado de fora e faça concorrência com a Petrobrás, que chegou a perder 30% do mercado. Assim, ela passou a diminuir o processamento das refinarias, que ficaram ociosas.
Esta política é uma exigência daqueles que querem comprar as refinarias da Petrobrás. Eles querem impedir que o Estado brasileiro tenha qualquer interferência nos preços dos derivados do petróleo. Não que acho que deva existir um controle rígido dos preços, mas o Estado não pode abrir mão de certo controle sobre preços públicos.
Então, ao seu ver, a situação de quase monopólio da Petrobrás não é prejudicial para o mercado brasileiro?
No direito econômico, existe a figura do monopólio virtuoso. É aquele que é decorrente de lei, estabelecido por razões de segurança nacional de interesse público. Ele pode ser benéfico, em muitos casos. Eu posso lhe garantir que os custos de refino da Petrobras são inferiores aos custos de refino das refinarias do Caribe e dos EUA. Eu posso lhe garantir também que nenhuma empresa privada estrangeira pode trazer derivado de petróleo ao mercado brasileiro por preços inferiores aos da Petrobrás.
A Petrobrás produz petróleo no pré-sal a preços decrescentes e suas refinarias são eficientes e refinam mais barato que as refinarias americanas. O custo do refino da Petrobrás está em torno de US$ 2,40/barril (3º trimestre de 2019). No Golfo do México, a média foi de US$ 4,70/barril no período de 2015/2018.
É importante lembrar que com combustíveis e energia caros, uma das consequências nocivas é a perda de competitividade da nossa economia. Existe um estudo elaborado pelo Departamento de Engenharia Industrial da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que afirma que a venda das refinarias tem uma alta probabilidade de transformar essas unidades em monopólios privados regionais. Serão monopólios de empresas estrangeiras, porque provavelmente serão grupos do exterior que irão comprar essas refinarias.
Essas unidades foram planejadas para atuar em mercados com determinada abrangência geográfica. Por exemplo, a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) em Canoas (RS), vai atender ao mercado do Rio Grande do Sul. Mas não conseguirá atingir mercados mais amplos, porque não existe logística para fazer com que ela consiga atacar regiões fora de uma determinada área de jurisdição. Então, se a Refap for privatizada, ela será um monopólio regional. O mesmo irá acontecer na Repar, Rnest e Regap, em graus diferentes.
Eu gostaria de ouvi-lo também sobre o TCC firmado entre a Petrobrás e o CADE. Como avalia a decisão da Petrobrás em assinar esse acordo?
Nesse Termo de Cessação de Conduta (TCC), a Petrobrás – de forma muito estranha – se comprometeu a vender oito de suas refinarias, seu sistema de transporte de gás, a Gaspetro e sair também em grande parte do gasoduto da Bolívia. Isso tudo começou a partir de uma denúncia da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom). A Abicom foi ao CADE denunciar que a Petrobrás estaria abusando da sua posição dominante no mercado de refino.
Ter posição dominante não é crime. Crime é usar essa posição dominante para ter uma posição de mercado e praticar preços absurdos.
Em nenhum momento a Abicom sugeriu a venda de refinarias da Petrobras, mas denunciou a estatal como se ela estivesse abusando do seu poder dominante, praticando preços que impediriam a concorrência. Em função desta denúncia, o CADE instaurou um procedimento preliminar para apurar a denúncia. Este procedimento não chegou, de forma nenhuma, a qualquer tipo de conclusão. Ele estava apenas sendo iniciado quando o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, foi ao CADE e, inexplicavelmente, ofereceu as oito refinarias e outros ativos estratégicos da companhia, ao invés de defendê-la.
O CADE tinha um dever de fazer as apurações. Se a Petrobrás estava realmente praticando abusos, o conselho deveria punir a empresa e seus dirigentes. Por outro lado, a Petrobrás teria que demonstrar que não estava abusando do poder econômico e processar a Abicom por fazer uma denúncia falsa. Então, ao meu ver, o CADE furtou-se do cumprimento do seu dever e a direção da Petrobras também furtou-se da sua obrigação de defender a companhia.
Vender as refinarias é beneficiar os concorrentes da empresa. Isso é inexplicável. Existe o chamado abuso do acionista controlador. No caso da Petrobrás, o acionista controlador é a União. Um dos procedimentos que configuram esse abuso é adotar medidas que beneficiem os concorrentes. Quem vai comprar essas refinarias serão os concorrentes da Petrobrás. Logo, isso é um abuso de acionista controlador. Eu não sei se o Sr. Castello Branco é presidente ou liquidante da Petrobrás.
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