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    “Brasil é a pátria do rentismo”, diz economista Marcelo Manzano

    Economista da Fundação Perseu Abramo, Marcelo Manzano explica como pessoas que vivem de renda não agregam riqueza à economia e como a ditadura militar criou a dívida externa numa estratégia malsucedida no governo Geisel; "O rentista é um parasita que vive do passado, enquanto o empresário capitalista e o trabalhador produzem riqueza nova, que adicionam valor à economia", declarou; assista

    “Brasil é a pátria do rentismo”, diz economista Marcelo Manzano
    Guilherme Levorato avatar
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    247 - O economista Marcelo Manzano, do grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo, falou à TV 247 sobre o tema em um momento de lançamento da obra "Os donos do dinheiro - o rentismo no Brasil", escrita por vários autores e lançado pela FPA. Manzano analisou a função social dos rentistas no país, explicou a origem da dívida externa brasileira, comentou sobre a desindustrialização, fez críticas a uma possível independência formal do Banco Central e analisou a relação dos governos do PT com a elite financeira.

    Os rentistas são pessoas que, por terem riquezas acumuladas, vivem das rendas que suas posses resultam, sem produzir para o desenvolvimento do país, resumiu o economista. "O rentismo é isso, uma classe estéril, vamos dizer assim. Desde o início do capitalismo existem rentistas, são pessoas que têm posses, adquiridas de maneiras diversas e, na origem, de forma violenta, muitas vezes, mas que se apropriaram de uma certa riqueza e não empregam essa riqueza diretamente na produção, para a reprodução desse valor. Preferem terceirizar, emprestar esse patrimônio para outros empregarem na produção. Então são uma espécie de capitalistas que vivem dos outros capitalistas. Eu digo que o rentista é aquele que vive da riqueza velha, e o empresário capitalista e o trabalhador são aqueles que produzem riqueza nova, produz renda e coisas que adicionam valor à economia. Então o rentista é um parasita que vive do passado, daquilo que ele acumulou no passado".

    Para ele, o Brasil é a "pátria do rentismo". "O rentismo é um tipo de acumulação capitalista que vem crescendo muito nos últimos 30 anos junto com a financeirização do capitalismo, liberalização, fim dos chamados 'anos dourados' do capitalismo, então o rentismo avançou no mundo todo. No Brasil esse processo foi mais agudo. No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, a classe rentista se apropriou do Estado, ou dos centros decisórios, então desde os anos 80 essa classe exerce uma supremacia sobre as demais classes no país".

    Manzano ainda afirmou que a grande dívida externa brasileira foi uma criada no regime militar, ocasionada por uma estratégia de crescimento do PIB malsucedida adotada pelo ministro da Fazenda Simonsen durante o governo de Geisel. "O regime militar foi o momento em que essa classe tomou poder das estruturas do Estado, dos aparatos do Estado. Em um primeiro momento as reformas feitas pelo Roberto Campos modernizaram o sistema financeiro, criaram Banco Central, o mercado secundário para venda de títulos públicos, a bolsa de valores, tudo isso é criação do regime militar, então isso prepara o terreno para a emergência do rentismo mais a frente. Em um segundo momento, nos anos 70, o Simonsen vai adotar como estratégia para equilibrar as contas externas brasileiras ele vai forçar as empresas brasileiras a tomar crédito fora do Brasil, foi o momento em que a gente fez a nossa grande dívida externa. Os militares precisavam de altas taxas de crescimento econômico para não perder legitimidade perante a população, então eles tinham como meta crescer 10% ao ano. Para crescer 10% ao ano o Brasil precisava importar muito, porque o Brasil não produzia muitas matérias-primas, então para crescer a esse volume era preciso dólares para importar esse monte de coisas, e como você ia conseguir dólares? Dívida. O que faz o Simonsen? Proíbe as empresas estatais de tomarem créditos no Brasil e para as privadas ele aumenta os juros internos de tal maneira que elas vão buscar crédito lá fora".

    Marcelo Manzano ainda explicou que nesta fase o povo brasileiro passou a ter como prática o rentismo. "Nesse primeiro momento tínhamos feito as reformas, fomos buscar dinheiro lá fora subindo juros aqui dentro, ao subir os juros aqui dentro o pessoal que não estava fazendo grandes projetos, a classe média brasileira que estava bem de vida na época, estava crescendo beneficiada por uma série de políticas começa a investir em papéis financeiros, começa ali já a gerar uma certa embocadura da elite brasileira a apostar suas riquezas em papéis que pagam altos juros. Chega em 1979 o Brasil quebra, é a grande crise da dívida externa, os Estados Unidos sobe os juros internacional e a gente não consegue pagar nossa dívida e o Estado brasileiro entra em colapso,as contas públicas entram em colapso. Como é que o governo vai se safar dessa situação? Vai vender títulos para o mercado com taxas de juros altas e liquidez plena e a curtíssimo prazo, você comprava em um dia e no dia seguinte você já podia receber a diferença. Durante todos os anos 80 esse esquema funcionou".

    Para o economista, esse processo desorganizou a estrutura produtiva brasileira. Além disso, ele lembrou que a produção industrial no país representa apenas 10% do PIB atual. "É nesse momento que eu identifico que esse 'ethos' rentista se impregnou na sociedade brasileira de forma enraizada e que a gente não consegue se livrar disso. Isso se impregnou no nosso setor industrial, que deixou de ser industrial para ser rentista, nas nossas classes políticas, que passaram também a ser beneficiárias desse esquema, a nossa classe média, que tem até boa memória desse tempo, e, por incrível que pareça, os próprios trabalhadores. A gente tem que lembrar que até os próprios fundos de pensão das grandes estatais aplicavam recursos nessa ciranda financeira. O fato é que isso desorganizou a estrutura produtiva brasileira, isso é o início da nossa desindustrialização, vamos lembrar que a industrialização brasileira, que é um processo de grande êxito, meritória, exemplo de para o mundo, que vai de 1950 até 1980. A partir desse momento, por causa desse fenômeno, nós vamos perdendo tecido industrial e desde então a nossa indústria vem refluindo até que hoje estamos com uma indústria que representa só 10% do PIB, já tivemos quase 30%".

    Marcelo Manzano também comentou sobre o projeto de independência do Banco Central brasileiro e a classificou como "grande retrocesso". "Isso é uma insanidade, apesar de que no Brasil o Banco Central não é autônomo formalmente mas já está nas mãos da classe rentistas desde os anos 80, mas de qualquer maneira acho que é um retrocesso, sem dúvida nenhuma é um retrocesso, quer dizer, ele é autônomo de quem? O Banco Central é um órgão do governo que deve seguir as políticas do governo que foi eleito, que tem legitimidade para implantar um plano de governo que foi aprovado nas urnas. Então não faz o menor sentido essa ideia de Banco Central independente. Essa turma aí que vai bater continência para os americanos deve estar constrangidos porque o Trump lá está batendo de frente com o Banco Central independente, quis derrubar o presidente do Banco Central, ficou bravo porque o presidente do Banco Central não atendia seus desejos e ameaçou mudar a política. A gente não tem o Banco Central ainda formalmente independente então a gente não deveria aprovar isso, é um grande retrocesso".

    Ele também fez uma análise sobre os governos do PT e disse acreditar que o principal erro da ex-presidenta deposta pelo golpe, Dilma Rousseff, foi nomear Joaquim Levy como ministro da Fazenda. "Há de se reconhecer que o Lula foi flexibilizando os seus compromissos com o rentismo ao longo do seu governo. Você chega na crise de 2008 o Lula enfrenta o poder dos bancos privados forçando os bancos públicos a oferecer crédito com taxas de juros baixa, isso foi fundamental para o Brasil escapar daquela crise internacional que era uma tsunami que estava chegando e que, de fato, chegou aqui como uma marolinha como disse o Lula. A Dilma fez a mesma coisa em 2013, também botou os bancos públicos para reduzir as taxas de juros de seus empréstimos de tal maneira que os privados tivessem que correr atrás, isso também certamente também o explica o mal-estar com ela. O governo poderia ter feito diferente? Sem dúvida, mas eu acho que o grande erro na verdade foi justamente quando a Dilma entrega para os rentistas o governo, Joaquim Levy foi um erro crítico, acho que ali a gente perdeu a chance de continuar avançando em um processo de desenvolvimento nacional".

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