Vitória de Biden deve isolar ainda mais Bolsonaro. O motivo: meio ambiente
Favorito na disputa presidencial nos Estados Unidos, Joe Biden colocou as mudanças climáticas, o combate às emissões de carbono e a defesa da energia limpa no centro de seu plano de governo, o que certamente criará conflito com Jair Bolsonaro, que é negacionista também em relação às mudanças climáticas
BRASÍLIA (Reuters) - Uma eventual vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial norte-americana poderá trazer para a relação do Brasil com os Estados Unidos um elemento que o governo brasileiro preferia ver distante: a questão ambiental, tão cara a vários países europeus, também tem presença forte na agenda democrata.
Mais do que a declarada torcida do presidente Jair Bolsonaro pelo republicano Donald Trump, a controversa política ambiental brasileira --ou a falta de-- é apontada por diplomatas e especialistas em comércio exterior como algo que entrará fortemente em qualquer conversa sobre comércio com os norte-americanos em uma administração Biden.
O democrata colocou as mudanças climáticas, o combate às emissões de carbono e a defesa da energia limpa no centro de seu plano de governo, em um movimento que foi capaz de atrair os mais jovens e um espectro de eleitores mais à esquerda dos eleitores norte-americanos.
Um foco que, se há alguns anos poderia ajudar o Brasil, nesse momento não soa como uma boa notícia.
“A política ambiental que Biden deverá executar se for eleito terá forte repercussão sobre o Brasil. Os EUA vão se juntar a Europa na crítica à política em relação ao que ocorre na Amazônia. Poderá ter consequências concretas na exportação de produtos agrícolas e no financiamento de projetos no Brasil”, disse à Reuters o embaixador Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Já com receio de uma vitória de Biden, o governo brasileiro defende que a relação com os norte-americanos não vem apenas do alinhamento político e ideológico entre Bolsonaro e Trump, mas de interesses mútuos entre a maior economia do mundo e a maior economia da América Latina.
No entanto, reconhecem diplomatas e analistas ouvidos pela Reuters, a realidade é que o Brasil --assim como boa parte da região-- está longe de ser o centro das atenções de quaisquer governos norte-americanos, sejam democratas ou republicanos.
Ainda assim, o país apareceu com destaque no primeiro debate entre Biden e Trump, e não por uma boa razão, mas pela devastação na Amazônia e sendo citado como parte do exemplo de como o democrata pretende agir na área ambiental.
“Eu vou fazer com que os países reúnam 20 bilhões de dólares e digam: ‘aqui estão 20 bilhões de dólares, pare de derrubar a floresta ou vocês vão enfrentar consequências econômicas significativas’”, disse o democrata.
Se o plano foi tratado mais como retórica do que como algo concreto, é uma mostra de que uma administração Biden não deve desconsiderar o aumento nas taxas de desmatamento e queimadas que vem acontecendo no Brasil desde 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo.
No Brasil, os riscos para os negócios brasileiros no exterior já vem sendo analisados por empresários e consultores, e está claro que uma eleição de Biden irá aumentar os problemas.
“O que muda é justamente a relevância dessa questão ambiental e hoje esse tema não coloca o Brasil em uma situação muito confortável”, explica o ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal Welber Barral, hoje consultor na área.
Barral não prevê boicotes comerciais diretos, até porque 60% das exportações brasileiras aos Estados Unidos são de produtos manufaturados e não agropecuários, normalmente alvo de maior preocupação ambiental.
“O mais relevante é a carne. Outros grandes produtos como soja, açúcar, celulose, o Brasil não exporta ou porque existem barreiras ou porque os EUA são autossuficientes”, explicou.
Isso não significa que, a depender do tamanho do interesse do eleitorado norte-americano no tema, não possa haver uma forte pressão.
De acordo com um diplomata não alinhado ao atual governo, ouvido pela Reuters em condição de anonimato, a tendência é que os democratas sejam mais duros nas cobranças em questões como meio ambiente e direitos humanos.
“A intensidade da pressão vai depender do interesse que o tema desperte no eleitorado norte-americano”, disse o diplomata.
Um alinhamento de um governo democrata dos EUA com a União Europeia, onde a questão ambiental já provocou estragos na relação com o Brasil --em especial ao futuro do acordo Mercosul-UE-- pode aumentar a pressão contra o Brasil em uma área, a agropecuária, em que o país concorre diretamente com os produtores norte-americanos.
“Algumas pessoas dentro do Partido Democrata gostariam de ir atrás de Bolsonaro, ser muito duros com ele nesse tema e se unirem aos europeus para aplicar uma pressão significativa”, disse à Reuters Mike Shifter, presidente do centro de estudos norte-americano The Dialogue.
RELAÇÃO CORRETA, MAS SEM ENTUSIASMO
Não se espera, no entanto, uma “perseguição” de um governo Biden ao Brasil ou o fim de negociações de temas que interessam aos dois países, como o avanço em relação à facilitação de comércio, ou casos específicos como aço, etanol e açúcar.
“Deve ser uma relação correta, mas certamente mais distante. Os norte-americanos são sempre muito pragmáticos. Não acredito que vá haver uma hostilidade ao Brasil por causa da proximidade ideológica de Bolsonaro o Trump”, disse a fonte da diplomacia.
O cenário de visitas constantes --Bolsonaro foi quatro vezes aos Estados Unidos em 15 meses de governo-- e jantares como o de março, em que o presidente brasileiro foi recebido por Trump em Mar-a-Lago, sua casa de férias na Flórida, devem ficar no passado, já que não há simpatia mútua.
“O mais provável é que um governo Biden delegue os temas relativos ao Brasil aos profissionais do Departamento de Estado, levando a uma relação correta, ainda que sem entusiasmo”, avaliou a fonte.
Um outro diplomata ouvido pela Reuters, este mais alinhado ao governo Bolsonaro, reconhece que pode haver uma desaceleração inicial em temas como um futuro acordo comercial por interesses diferentes de um futuro governo democrata e questionamentos em temas pontuais, como o meio ambiente. Mas não prevê um impacto significativo na relação.
“O interesse no aspecto comercial é motivado pelo setor privado, não na lógica partidária. Podem ter preocupações pontuais como meio ambiente, questões trabalhistas... Mas estamos prontos a responder isso tudo”, disse. “Não acredito em uma relação mais difícil.”
Mike Shifter avalia que Biden como presidente que conhece a América Latina irá entender a necessidade de uma boa relação com o Brasil para tratar de temas da região que interessam aos EUA.
“Ele sabe que é difícil para os EUA fazer qualquer coisa na América do Sul sem a cooperação do Brasil”, disse.
COMÉRCIO
Além do impacto das questões ambientais, o interesse inicial de um governo Biden por acordos comerciais com o Brasil deve ser menor do que o governo Trump. Analistas ouvidos pela Reuters avaliam que, especialmente no primeiro ano, a tendência será de diminuir o ritmo.
Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas avalia que as mudanças climáticas e a recuperação pós-pandemia de Covid-19 serão os temas principais na agenda de um eventual governo democrata.
“Biden não vai desfazer os avanços que foram assinados recentemente, mas eu não vejo a possibilidade de avanços em direção a um acordo comercial”, afirmou. “Talvez a gente possa avançar em um diálogo econômico sem um acordo comercial, mas a política vai prevalecer e comércio não vai ser um item central na agenda.”
Apesar da boa relação entre os dois presidentes, as trocas comerciais entre Brasil e Estados Unidos caíram significativamente nos primeiros nove meses deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, e o déficit brasileiro com os norte-americanos explodiu.
De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5%, chegando a 15,16 bilhões de dólares. Segundo a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, é o menor valor em mais de 10 anos.
A importações também caíram, mas menos, 18,8%. Com isso, o déficit nas transações comerciais passou de 398,6 milhões de dólares entre janeiro e setembro de 2019, para 3,12 bilhões de dólares no mesmo período deste ano.
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