“Os Estados Unidos se transformaram numa piada”, diz Guido Mantega
Ex-ministro da Fazenda afirma que ações de Trump fragilizam a economia global e expõem os EUA ao descrédito internacional
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fez duras críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo Mantega, a condução da política econômica norte-americana está gerando instabilidade global, abalando os mercados e expondo os próprios Estados Unidos à perda de credibilidade.
“Ele armou um circo e criou uma crise”, disse o ex-ministro ao comentar a estratégia adotada por Trump de impor tarifas sobre produtos de diversos países, incluindo aliados tradicionais. Mantega afirmou que as medidas foram tomadas de maneira improvisada e anunciadas diretamente pelas redes sociais. “O Estado americano funciona pelo Twitter”, ironizou, ao criticar a ausência de canais oficiais nas comunicações do governo.
De acordo com Mantega, a política tarifária promovida por Trump teve impacto direto nos mercados financeiros, provocando queda nas bolsas, fuga de capitais e retração no consumo. “Ele está criando caos no mundo. Está virando o mundo de ponta-cabeça”, afirmou. O ex-ministro destacou que, embora o presidente norte-americano possa não se importar com as reações internacionais, os reflexos no mercado interno e entre seus eleitores já o forçaram a recuar. “Ele teve que recuar porque já devia estar sentindo a reação nos Estados Unidos. Para ele, interessa a reação dos eleitores dele, do Partido Republicano”, pontuou.
Mantega observou que, nos EUA, diferentemente do Brasil, os cidadãos investem suas economias na bolsa como forma de poupança e aposentadoria. Quando o mercado desaba, como ocorreu nos últimos dias, a classe média sente diretamente o impacto. “Quando a bolsa cai deste jeito, isso causa uma sensação de empobrecimento das pessoas”, alertou. A instabilidade, segundo ele, foi agravada pelas declarações de integrantes do próprio governo Trump. O conselheiro Peter Navarro, por exemplo, propôs uma tarifa de 100% contra a China, o que gerou críticas públicas de empresários como Elon Musk. “Começa a rachar o gabinete interno dele”, comentou Mantega.
O ex-ministro destacou ainda que a venda de US$ 50 bilhões em títulos da dívida pública norte-americana pela China elevou os juros dos papéis de 10 anos, gerando desconfiança nos investidores globais. “Dessa vez não está indo para o dólar. É uma moção de desconfiança em relação aos Estados Unidos. Os Estados Unidos se tornou totalmente inconfiável. Os Estados Unidos se tornou uma piada”, declarou.
Na visão de Mantega, a postura beligerante do governo Trump tende a acelerar o enfraquecimento dos Estados Unidos na ordem global, impulsionando o fortalecimento de blocos regionais e novas alianças comerciais. “Vai reagrupar os países. Vai aproximar a Europa do Brasil. O próprio Japão vai tentar uma aproximação com a Coreia e com a China”, avaliou. Segundo ele, países europeus têm demonstrado interesse em estreitar relações com o Mercosul, e o Brasil poderá concluir o acordo com a União Europeia em um cenário de afastamento em relação aos EUA.
Ao ser questionado sobre que medidas adotaria se estivesse na presidência norte-americana, Mantega respondeu: “Eu não faria 80%, 90% do que o Trump fez”. Ele condenou o corte de subsídios e recursos para universidades e centros de pesquisa. “Ele começou a desmontar esse Estado. O sujeito é maluco”, afirmou. Em sua avaliação, os Estados Unidos deveriam investir massivamente em infraestrutura, inovação tecnológica e na reindustrialização inteligente, em vez de adotar medidas protecionistas isoladas. Citou como exemplo recente a decisão da Alemanha de romper com a ortodoxia fiscal e anunciar um pacote de investimentos entre 500 bilhões e 1 trilhão de euros para recuperar sua capacidade tecnológica.
Sobre os reflexos da crise na economia brasileira, Mantega avaliou que o país tende a ser menos afetado, devido ao perfil de suas exportações. “O Brasil exporta produtos de primeira necessidade. Vai se manter bem”, afirmou. Segundo ele, o Brasil foi um dos poucos países incluídos por Trump na faixa de tarifa mais baixa, de 10%, o que poderia até beneficiar a competitividade dos produtos brasileiros em relação a concorrentes penalizados com alíquotas mais altas.
Mantega também abordou a valorização do dólar frente ao real e seu impacto na inflação doméstica. Disse que o câmbio chegou a R$ 6,20, elevando os preços internos, especialmente os dos alimentos. No entanto, demonstrou otimismo com a tendência de reversão: “O câmbio vai voltar a cair. Isso faz com que abra o espaço para a queda da inflação e o início de um ciclo de queda dos juros no Brasil”, disse.
Ao comentar a condução da política monetária, Mantega elogiou a atuação do atual comando do Banco Central, especialmente de Gabriel Galípolo, vice-presidente da instituição. “O Banco Central está agindo de forma técnica, não é de forma política”, avaliou. Segundo ele, a valorização do real, promovida a partir de janeiro, foi fundamental para desarmar a pressão inflacionária que havia sido alimentada por expectativas do mercado. Criticou ainda o antecessor Roberto Campos Neto, a quem atribuiu a responsabilidade pela manutenção de juros elevados. “Ele armou isto. Começou a armar em abril, maio do ano passado, quando a economia brasileira estava indo muito bem”, afirmou.
Para o ex-ministro, o primeiro trimestre deve registrar um bom desempenho do PIB, impulsionado pelas exportações agrícolas. Já o segundo trimestre, disse, poderá apresentar desaceleração. Mesmo assim, ele acredita que haverá espaço para retomada do crescimento. “O Brasil tem todas as condições para ter um crescimento maior do que esse 1,9% ou 2,0% que está sendo previsto pelo mercado”, afirmou. Mantega encerrou a entrevista destacando que, apesar da incerteza internacional, a economia brasileira pode se beneficiar de um cenário global em reorganização, desde que haja resposta adequada da política econômica doméstica. Assista:
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