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    Marco Fernandes: a China poderia ajudar o Brasil a superar sua crise econômica?

    O Brasil precisará de um esforço gigantesco para reindustrializar sua economia em vários níveis

    Uma foto combinada mostra os líderes chineses Xi Jinping, Li Qiang, Zhao Leji, Wang Huning, Cai Qi, Ding Xuexiang e Li Xi reunidos com a mídia após o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, no Grande Salão do Povo em Pequim, China, 23 de outubro de 2022. (Foto: REUTERS/Tingshu Wang)

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    Por Marco Fernandes, no Globetrotter

    A vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de outubro do ano passado, que o levou a assumir pela terceira vez como presidente do Brasil, veio com a expectativa de uma revisão nas relações entre Brasília e Pequim. O Brasil ainda enfrenta uma dura crise econômica, política, social e ambiental. A luta contra a pobreza, a retomada do crescimento econômico com redistribuição de renda, a reindustrialização do país e a reversão dos danos ambientais são tarefas urgentes, que exigirão do novo governo uma destreza a nível nacional e internacional sem precedentes. A parceria econômica entre Brasil e China, que avançou muito nas últimas duas décadas, pode ser uma das chaves para reverter a crise que o Brasil enfrenta. Mas alguns desafios terão de ser enfrentados com diplomacia e planejamento estratégico.

    Apesar dos “insultos” dirigidos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a China, especialmente durante a pandemia, e do inevitável distanciamento dos dois países nas suas relações diplomáticas, o comércio bilateral entre Brasil e China aumentou. Em 2021, as trocas bilaterais entre os países chegaram ao valor de 135,4 bilhões de dólares, com o Brasil tendo um superávit de 40 bilhões de dólares com a China, números que só são superados pela região de Taiwan e outros dois países; Austrália e Coreia do Sul. A China tem sido a maior parceira comercial do Brasil desde 2009, respondendo por quase o dobro do volume comercial que o Brasil importou de seu segundo maior parceiro em 2021, os Estados Unidos (70,5 bilhões de dólares), com o qual registrou déficit de 8,3 bilhões de dólares.

    Uma relação comercial lucrativa, mas desequilibrada

    A cesta de exportações do Brasil, no entanto, é vulnerável a longo prazo: ela não é muito diversificada, e é baseada em produtos de pouco valor agregado. Os quatro principais produtos que o País exporta (minério de ferro, soja, petróleo bruto e proteínas animais) foram responsáveis por 87,7% do total de exportações para a China em 2021. Enquanto isso, as importações dos produtos chineses pelo Brasil são altamente diversificadas, com uma predominância de produtos manufaturados e com um alto grau de maturidade tecnológica. O principal item de importação da China ao Brasil, por exemplo (equipamentos de telecomunicação) significou somente 5,9% das importações totais.

    O setor brasileiro de commodities, que é um componente importante da economia, representou 68,3% das exportações do Brasil na primeira metade de 2022 e contribuiu por anos para o aumento das reservas internacionais. Por outro lado, o setor de commodities tem uma alta concentração de riqueza, tem baixa taxação, gera poucos empregos e de baixa qualificação, está sujeito a mudanças cíclicas de preços e, em muitos casos, causa danos ao meio ambiente que devem ser melhor controlados pelo Estado. Nesse sentido, a iniciativa anunciada pela COFCO International – a maior compradora chinesa de comida produzida no Brasil – para monitorar e proibir a compra de soja plantada em áreas de desmatamento ilegal no Brasil a partir de 2023 foi importante.

    Mas isso também requer que o Estado brasileiro – que nos últimos anos notoriamente incentivou o desmatamento e a invasão de reservas indígenas – garanta a efetividade da iniciativa. A China precisa dos recursos naturais do Brasil para seu desenvolvimento, e o Brasil precisa do mercado chinês para seus commodities. Mas, a médio e longo prazo, o Brasil precisará buscar um maior equilíbrio na sua agenda comercial se quiser construir uma economia sólida. Lembremos que em 2000, o principal produto de exportação brasileiro eram os aviões da Embraer, enquanto em 2021 os principais itens de exportação foram minério de ferro e soja. Esse é só um dos muitos sintomas da desindustrialização crônica.

    Investir é necessário, mas diversificar também

    Os investimentos chineses no Brasil têm um perfil similar às exportações: robustos, mas não muito diversificados. Em 2021, o Brasil recebeu a maior parte dos investimentos chineses em todo o mundo, totalizando 5,9 bilhões de dólares (13,6% do total global). Entre 2005 e 2021, o Brasil foi o quarto maior receptor de investimentos chineses (4,8% do total), atrás somente dos EUA (14,3%), Austrália (7,8%) e o Reino Unido (7,4%). Esses investimentos da China resultaram em um aporte fundamental de recursos para a economia brasileira, mas não vieram sem um conjunto de questões. De 2007 a 2021, 76,4% dos investimentos chineses estiveram concentrados no setor energético (eletricidade e extração de petróleo e gás), enquanto só 5,5% foram para a indústria e 4,5% foram para projetos de infraestrutura; entre outras, algumas das maiores necessidades da economia brasileira.

    O setor de eletricidade foi o maior destino dos investimentos chineses (45,5% do total), mas parte disso correspondeu à compra de companhias estatais brasileiras por estatais chinesas. Em 2017, a companhia chinesa State Grid adquiriu o controle acionário da CPFL Energia, uma companhia estatal de São Paulo, e em 2021 a CPFL Energia comprou o controle da CEEE-Transmissão, estatal do Rio Grande do Sul. Para o Brasil, não foram bons negócios, que demonstraram a irresponsabilidade dos governos estaduais neoliberais do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que privatizaram recursos públicos estratégicos. A China – que nunca venderia uma companhia energética estatal para estrangeiros – visou seus próprios interesses e aproveitou uma oportunidade de negócio oferecida pelo mercado. Não foi um pacote de privatizações imposto pelo Fundo Monetário Internacional. Mas Pequim estaria disposta a aceitar outros modelos de investimento que trouxessem mais benefícios para os dois países?

    O exemplo dos hermanos do sul

    Desde 2021, Buenos Aires e Pequim entraram em uma série de acordos de investimentos estratégicos. Em fevereiro de 2022, a Argentina passou a fazer parte da Iniciativa Cinturão e Rota, com a expectativa de atrair 23 bilhões de dólares em investimentos chineses para o país. Antes disso, outros investimentos e projetos realizados por companhias chinesas incluíram a reforma do sistema ferroviário argentino (4,69 bilhões de dólares) e investimentos volumosos no setor elétrico, como: 1) a expansão do Parque Cauchari, a maior planta de energia solar da América Latina, que originalmente foi uma parceria sino-argentina; 2) a construção do complexo hidroelétrico Kirchner-Cepernic” na Patagônia (ao custo de mais de 4 bilhões de dólares); e 3) a construção da planta nuclear “Atucha III” (ao custo de 8,3 bilhões de dólares), cujo financiamento tem um período de carência de aproximadamente oito anos e, o mais importante, prevê a transferência da tecnologia nuclear chinesa Hualong – dominada em 2021 – para o estado argentino, que controlará a usina.

    O Brasil pode propor parcerias semelhantes às da Argentina, tão ou até mais estratégicas, com benefícios mútuos. Por que não propor a troca de commodities (petróleo e gás) por infraestrutura e tecnologia com a China, como países como o Irã já propuseram? Ou a formação de mais joint ventures sino-brasileiras – que receberam apenas 6% dos investimentos chineses (2005-2020), enquanto as fusões e aquisições receberam 70% – que incluam a transferência de tecnologia para o Brasil?

    O Brasil precisará de um esforço gigantesco para reindustrializar sua economia em vários níveis, como investimento em pesquisa e desenvolvimento, formação de mão de obra qualificada, financiamento e transferência de tecnologia. Nenhum outro país tem, como a China, condições financeiras, industriais e tecnológicas para cooperar com o Brasil em inúmeros setores promissores, como veículos elétricos, tecnologia da informação, 5G, energia renovável, indústria aeroespacial, biomedicina e semicondutores. Cabe ao Brasil propor um diálogo estratégico de alto nível com a China, que reafirmou no relatório do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China que está empenhada em ajudar a acelerar o desenvolvimento dos países do Sul Global. “A China está preparada para investir mais recursos na cooperação global para o desenvolvimento. Está empenhada em reduzir o fosso Norte-Sul e apoiar e ajudar outros países em desenvolvimento na aceleração do desenvolvimento”, afirmou o presidente chinês Xi Jinping durante o Congresso.

    *Este artigo foi produzido pela Globetrotter e traduzido por Pedro Marin para a Revista Opera. Marco Fernandes é pesquisador no Instituto Tricontinental para Pesquisa Social. Ele é co-editor do Dongsheng e membro do coletivo No Cold War. Ele vive em Pequim.

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