Dia da Amazônia: 224 espécies sob risco e ao menos uma já está na lista de extinção
Desmatamento, queimadas, garimpo ilegal, grilagem de terras e a sua fauna em risco, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
RBA - Este dia da Amazônia (5) é mais uma data marcada por pedidos de socorro da maior floresta tropical do mundo. Desmatamento, queimadas, garimpo ilegal, grilagem de terras e a sua fauna em risco. Segundo dados do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 224 espécies estão sofrendo algum tipo de ameaça. E pelo menos uma já é considerada extinta. Do total, 139 espécies são classificadas como vulneráveis, 48 estão em perigo e 38 criticamente em perigo.
Entre os animais que correm risco de extinção estão o peixe-boi-da-amazônia, tamanduá-bandeira, a onça-pintada, ararajuba e a anta. Já espécies de peixe, como o acari, estão criticamente em perigo.
Na avaliação de Toya Manchineri, coordenador-geral das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), que representa mais de 70 organizações indígenas, o Dia da Amazônia é de luta e reflexão. E que neste ano, ainda não há muito a comemorar, graças ao legado do avanço do desmatamento, do garimpo ilegal e das ameaças aos povos indígenas e tradicionais no governo de Jair Bolsonaro (PL).
“É um dia especial de luta e que não tem nada para comemorar, principalmente se pegarmos os dados produzidos pela agência de pesquisa, que são do governo passado. Aí há uma destruição em massa da floresta, do bioma e uma onda crescente de assassinatos e perseguição aos povos indígenas, quilombolas e extrativistas”, disse a liderança indígena à Agência Brasil. “O dia 5 é para fazermos uma reflexão sobre como podemos parar com esses assassinatos e a perseguição aos povos que vivem na floresta. Então, é um momento de reflexão e não de comemoração”.
A Amazônia tem grande parcela do Brasil, que precisa dar a ela a devida relevância
Avaliação é muito semelhante à da assessora de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) Adriana Ramos. Embora dados apontem redução do desmatamento de 42% desde o início do ano, com queda de 66% em julho, ainda há muito a ser feito. “Digamos que não temos tanto o que comemorar porque há uma série de desafios que precisamos enfrentar e que continuam muito distantes. A Amazônia tem grande parcela do Brasil e o país precisa dar a ela a relevância que tem”, disse a ambientalista. Para ela, é preciso combater o crime organizado na região, que aumentou, e implementar políticas voltadas às populações locais.
“É preciso reconhecer que a violência e o crime organizado cresceram muito na região. Ainda tem gente vivendo nas cidades da Amazônia, demandando atenção e a criação de oportunidades de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há muitas ameaças aos territórios tradicionais, às terras indígena, às unidades de conservação que precisam ser enfrentadas para que essas áreas, que simbolizam o que de mais rico a Amazônia tem em termos de biodiversidade e de enfrentamento à crise climática, sejam mais valorizadas”, afirmou.
Outro alerta é sobre o avanço de grandes projetos de infraestrutura na região. É o caso da pavimentação da BR-319, construída pelos governos militares nos anos 70, e da estrada do Pacífico. Para Adriana Ramos, esses projetos têm grande impacto sobre o desmatamento da região. E ainda aumentam a circulação de grileiros e madeireiros ilegais.
A continuidade de projetos como esses e a degradação a que chegam podem levar a Amazônia a atingir o ponto de não retorno. O termo usado por especialistas se refere ao momento em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar, podendo, inclusive, chegar a um processo de desertificação.
Amazônia reúne as condições para o enfrentamento da emergência climática
“São projetos que terão impacto imenso e que não estão em uma estratégia de desenvolvimento da região. É preciso que a gente pense projetos econômicos de valorização da área, dos serviços ambientais gerados a partir do uso sustentável da floresta e que vão fortalecer aquilo que a Amazônia tem para oferecer de melhor neste momento, que são as condições de enfrentamento à emergência climática. Isso a gente só vai conseguir manter se evitar o chamado ponto de não retorno, o que significa paralisar o desmatamento e a perda de biodiversidade”, acrescentou.
Na avaliação de Toya Manchineri, da Coiab, esses projetos não são pensados em conjunto com as populações que habitam a região. E citou a monocultura como uma das atividades de grande impacto no desmatamento e nos conflitos agrários na Amazônia. “Os projetos econômicos levam muitas complicações para os povos indígenas. Primeiro que eles não são pensados em conjunto com os povos que vivem na Amazônia. Eles vêm muito com um olhar externo de desenvolvimento, que muitas vezes não reflete a realidade local. Aí temos a questão do garimpo, que é bastante ruim, ele destrói a floresta, destrói a organização social e deixa doença nos territórios indígenas. Então, são projetos de garimpo e de monocultura que acabam com a floresta”, afirmou.
Toya também criticou a possibilidade de aprovação da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, em especial na Amazônia, e disse que se a medida for aprovada, haverá intensificação das ameaças aos povos e a perda de direitos.
“O marco temporal é nocivo para os indígenas, ao impor limites para a demarcação dos territórios. Se ele for aprovado, muitos dos nossos territórios serão revisados, muitos dos nossos parentes, que não estão com seu território demarcado, vão perder e, muito provavelmente, sofrer uma pressão muito grande de invasores. Muitas mortes vão ocorrer”, reforçou.
Marco temporal será péssimo para a Amazônia
A tese do marco temporal, de interesse dos ruralistas porque praticamente impede as demarcações, mostra a distorção na interpretação da Constituição Federal, segundo a assessora do ISA. Em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) – que será retomado em 20 de setembro -, já há quatro votos contrários à tese e dois a favor. Para ela, caso haja uma reviravolta no placar, a vitória será da indústria da grilagem de terra.
“A gente tem floresta por causa do modo tradicional de vida dessas populações, portanto esses povos têm importância central e as suas práticas de manejo e de agricultura são responsáveis pela manutenção da floresta em pé. É impossível imaginar um futuro com floresta em pé na Amazônia sem que os povos originários e tradicionais tenham protagonismo nesse processo”, disse Adriana.
Para chamar a atenção para a defesa da Amazônia, cinco cidades brasileiras, iniciando por Santarém (PA), abrigarão festivais culturais e artísticos. O primeiro foi realizado no último sábado (2). Esta será a segunda edição do Festivais Dia da Amazônia. Mais de 13 organizações e um número superior a 50 artistas estão envolvidos diretamente na mobilização nacional do evento, ao longo deste mês de setembro. O evento também terá protestos contra a tese do marco temporal.
57 milhões de hectares de terras na região sem destinação
Uma das ações este ano é a mobilização para coletar 1,5 milhão de assinaturas de cidadãos brasileiros que têm título de eleitor válido, para protocolar o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip) que requer a destinação de 57 milhões de hectares de terras públicas não destinadas, ou seja, áreas da União que ainda não têm uma finalidade específica e são alvo de desmatamento acelerado e grilagem.
A proposta é que essas terras possam ser demarcadas como unidades de conservação (UCs), terras indígenas, territórios quilombolas ou destinadas às comunidades tradicionais – povos que verdadeiramente conservam a Amazônia.
Com aproximadamente 421 milhões de hectares, a Amazônia representa um terço das florestas tropicais do mundo. A região é responsável por vários processos climáticos, a exemplo da evaporação e transpiração da floresta. Esse fenômeno ajuda a manter o equilíbrio do clima e a manutenção dos estoques de água doce. Além disso, abriga mais da metade da biodiversidade do planeta. Daí o fato de a floresta estar no centro das atenções de todo o mundo.
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