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    “Informar de Gaza é arriscar a vida”

    Entrevista com Anthony Bellanger, secretário geral da FIP, ao retornar da Palestina

    Funeral de jornalistas mortos por ataques israelenses em Gaza (Foto: Arafat Barbakh/Reuters)

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    Sergio Ferrari - A violência bélica foi imposta em Gaza desde o início de outubro. Mais de sessenta jornalistas já fazem parte das 15 mil vítimas mortais (dados até 7 de dezembro) desse conflito de terra arrasada."Acabei de voltar de uma visita à Palestina e nunca imaginei que pudesse ser uma experiência tão difícil", diz o jornalista francês Anthony Bellanger, que há oito anos atua como secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), com sede em Bruxelas, na Bélgica, e que tem 600 mil filiados de 140 países. Ele visitou Ramallah, na Cisjordânia, na última semana de novembro e antecipou a disposição de organizar uma próxima missão a Gaza assim que as condições permitirem. O resultado de sua entrevista foi esse olhar testemunhal sobre um conflito em que o direito de informar já é mais uma vítima e onde jornalismo significa uma profissão de altíssimo risco.

    P: Entre os dias 21 e 24 de novembro você esteve em Ramallah (Cisjordânia, na Palestina). Quais são suas impressões?

    Anthony Bellanger (AB): Embora eu tenha visitado frequentemente a região durante vários anos, essa última missão organizada pela Federação Internacional de Jornalistas com nosso filiado, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos, representa uma experiência muito forte.O objetivo da reunião foi expressar solidariedade ativa às/aos nossas/os colegas em nome de todos os membros da FIJ. Falei com parentes de jornalistas assassinados; encontrei um colega amputado; ouvi testemunhos comoventes; recebi informações sobre a destruição de escritórios de mídia nacionais e internacionais; encontrei jornalistas feridos e outros que haviam sido detidos em prisões israelenses. Todos esses são exemplos de uma situação deplorável no exercício do jornalismo.Também visitamos meios de comunicação em Ramallah, incluindo a Palestine Broadcasting Corporation (PBC), Al Jazeera, Al Arabia TV, Nisaa FM, Ajyal Radio Network e a equipe editorial do jornal Al-Ayyam. Todos esses intercâmbios mostraram como a vida cotidiana dos jornalistas palestinos é terrível, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. Quando não são perseguidos, ameaçados ou feridos pelo exército israelense, são impedidos de cobrir os acontecimentos porque seu sinal de Internet é cortado.Durante a viagem, propus à assessoria de imprensa do Governo de Israel uma reunião com eles, mas ninguém respondeu. Anteriormente, eu já tinha tentado comunicação com as autoridades israelitas, mas sem sucesso. Devo recordar que, em outubro passado, a FIJ publicou uma declaração assinada por 70 dos seus membros apelando ao Governo que cumpra plenamente o Direito Internacional Humanitário e a legislação internacional sobre os Direitos Humanos. Solicitamos sua atuação para prevenir a prática de qualquer crime contemplado no direito internacional, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade o e genocídio, bem como o incitamento à sua prática.Desde 7 de outubro, data do ataque mortal do Hamas, seguido pela resposta sangrenta do exército israelense na Faixa de Gaza, nunca antes na história recente a profissão experimentou um massacre tão grande em tão pouco tempo. Até 5 de dezembro, mais de 60 jornalistas foram mortos, a maioria palestinos, mas também israelenses e libaneses. É um verdadeiro pesadelo. Fico com um sentimento muito amargo: estive lá durante três dias, mas aqueles homens e mulheres jornalistas continuam vivendo e trabalhando naquela brutal realidade diária de guerra e morte.

    P: Esse sentimento também significa uma relativa impotência?

    AB: Acima de tudo, não posso deixar de sentir uma emoção muito forte. As/os trabalhadoras/es de imprensa que ainda estão trabalhando na Palestina, particularmente em Gaza, têm suas reuniões de redação pela manhã, mas não sabem o que vai acontecer em apenas alguns minutos ou em apenas algumas horas. Eles não podem afirmar com certeza se ainda estarão vivos ou se vão se juntar à já enorme lista dos que morreram depois de 7 de outubro. Muitos deles foram vítimas dos bombardeios massivos. Outros foram alvo de ataques militares seletivos das forças armadas israelenses. Fico comovido ao pensar que o seu destino resultou da sua decisão de informar, isto é, de exercer um dos direitos humanos essenciais. Aqueles que continuam a trabalhar na Faixa de Gaza também continuam a enfrentar enormes riscos na obtenção da informação, que, atualmente está sob ameaça, mas continua a ser essencial. Eles sempre mantêm essa vontade de exercer sua profissão. E sou desafiado, e reitero mil vezes, pelo fato de que essas/es colegas também são civis, não são militares; são profissionais e seres humanos como nós.

    P: Em 1º de dezembro, após uma semana de cessar-fogo que trouxe alívio parcial à população palestina, Israel retomou seus bombardeios a Gaza, com o corolário de centenas de novas vítimas. Qual a sua avaliação?

    AB: Observo que esta continua sendo uma situação inimaginável, que não tem comparação com outros conflitos, especialmente por causa do impacto direto sobre a população civil e, em particular, sobre as crianças, já que ninguém pode entrar ou sair de Gaza. É uma prisão a céu aberto que foi transformada em uma grande vala comum. Quanto à imprensa, desde o início de outubro contabilizamos uma média de uma morte por dia. Estamos nos aproximando do número de jornalistas mortos durante toda a Guerra do Vietnã. Outros confrontos brutais no Oriente Médio não chegaram perto da intensidade do atual em termos de impacto na imprensa.Apesar de tudo, somos convencidos de que continuaremos a lutar pela paz e a apoiar os nossos membros, reforçando os nossos esforços em conjunto com as organizações internacionais. Durante a minha visita, juntamente com uma delegação do sindicato palestino, nos reunimos em Ramallah com a diretora do gabinete da UNESCO, a agência das Nações Unidas responsável pela proteção e pela segurança das/os jornalistas. Eles garantiram a entrega de kits de primeiros socorros, baterias de celulares, coletes à prova de balas e capacetes. No futuro, se está considerando a instalação de uma "casa segura" em Khan Yunis, no sul de Gaza, para que os jornalistas possam trabalhar em um ambiente protegido.

    P: Nos últimos dias, em mais de uma ocasião, a FIJ lembrou a todas as partes envolvidas nesse conflito a importância de a imprensa e os jornalistas respeitarem os princípios e os valores éticos da profissão.

    AB: Isso mesmo. É um desafio permanente para todas/os as/os trabalhadoras/es da imprensa, especialmente em uma situação tão complexa como a da Palestina. A FIJ tem uma Carta Mundial de Ética para Jornalistas. Se conseguirmos que todos a cumpram, evitaremos o que está acontecendo agora em muitos casos: que a informação seja distorcida e seja veiculada como pura propaganda. Sabemos que uma das hipóteses de toda guerra consiste em controlar a informação a favor de seu próprio campo. É por isso que, como FIP, insistimos na responsabilidade de todas/os para permitir e garantir informação veraz, precisas do campo (https://www.ifj.org/es/quien/reglas-y-politica/carta-mundial-de-etica-para-periodistas).

    P: Apesar dessa situação dramática na Palestina, um número significativo de governos não está levantando suficientemente suas vozes para deter esse desastre humano e humanitário. Qual foi a sua percepção do sentimento dos palestinos sobre a dinâmica internacional?

    AB: Na Palestina eles não entendem o que está acontecendo internacionalmente, em particular com a posição da União Europeia, dos Estados Unidos e do Canadá, que eles chamam de "Ocidente". Os palestinos têm a impressão de que estão abandonados à própria sorte. O Governo de Israel e os seus aliados de extrema-direita estão dizimando um povo e arrasando um território; estão violando o Direito Internacional Humanitário, e ninguém está conseguindo detê-los. Os palestinos sentem que grande parte da comunidade internacional tem medo de Israel, tornando mais fácil para o governo israelense fazer o que quer.Um sinal positivo, embora esperamos que se expresse em efeitos concretos: No dia 2 de dezembro, Karim Khan, procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), reuniu-se em Ramallah com Nasser Abu Baker, presidente do Sindicato dos Jornalistas Palestinos. Abu Baker, que também é vice-presidente da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), informou a Khan sobre a situação das/os jornalistas e trabalhadoras/es da mídia em Gaza e na Cisjordânia, lembrando-o das duas queixas ante o TPI apresentadas pela FIJ e seu sindicato, em abril e em setembro de 2022, respectivamente. O compromisso de Karim Khan com os casos da Palestina é vital. Durante meses, parecia que o TPI tinha tempo para outros conflitos, mas não para esse. Espero que essa reunião acelere o processo de investigação das denúncias anteriores à atual crise, bem como dos terríveis acontecimentos ocorridos em Gaza desde o início de outubro.

    P: Uma última reflexão?

    AB: Repetir mais uma vez que o dever da Federação Internacional de Jornalistas é estar ao lado de seus membros; no caso, jornalistas palestinos, seja na Cisjordânia ou em Gaza. Apelamos a um cessar-fogo definitivo. Esse massacre tem que cessar imediatamente, e reiteramos ao governo israelita que deve respeitar o direito internacional e proteger os civis, incluindo as/os jornalistas. A solidariedade está no centro de nossas ações e continuaremos trabalhando com as Nações Unidas e com seus afiliados para garantir um futuro digno para a imprensa e para o direito de informar.

    Tradução: Rose Lima

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