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    Le Monde traça trajetória do Exército brasileiro: 'do positivismo à paranoia do anticomunismo'

    Em reportagem desta sexta-feira, 27, o jornal Le Monde diz que forças armadas que dão as cartas no Brasil há mais de um século

    Jair Bolsonaro durante Cerimônia Comemorativa do Dia do Exército (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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    247 - O jornal francês Le Monde publicou nesta sexta-feira, 27, reportagem em que retrata a trajetória dos militares brasileiros na conjuntura política do Brasil. 

    "Desde o estabelecimento da república em 1889, o Brasil já foi governado por dez presidentes do exército. Se os ideais da esquerda chegaram a prevalecer nos anos 20 do século passado, eles se transformaram, em seguida, em uma paranoia, viraram uma ditadura e resultaram na era Bolsonaro", diz o jornal francês. 

    Leia, abaixo, a reportagem na íntegra com tradução de Sylvie Giraud:

    O exército brasileiro, do positivismo à paranoia do anticomunismo

    Por Bruno Meyerfeld

    Embora, para vigiar seus 16.800 quilômetros de fronteiras e equipar seus 360.000 soldados, o "gigante" brasileiro dedique apenas 1,5% do seu PIB à defesa – frente à media global de 2,1% - são as forças armadas que dão as cartas no país há mais de um século. "Os militares sempre quiseram se intrometer na política e governar. Após a ditadura, sua presença na vida pública se fez apenas mais discreta", afirmou João Roberto Martins Filho, especialista do universo militar e professor da Universidade Federal de São Carlos.

    Em 15 de novembro de 1889, é ele quem vem derrubar um império já cambaleante e proclamar a República, dando ao país seu primeiro presidente, o marechal Deodoro da Fonseca. Nos últimos 37 anos, mais de um quarto de sua história moderna, o Brasil já foi governado por dez presidentes militares. O capitão Jair Bolsonaro é tudo, menos uma exceção.

    No final do século XIX, o Exercito brasileiro é um exército de tendência progressista, influenciado pela França e pela filosofia positivista de Auguste Comte. No poder, ele decreta a separação entre a igreja e o Estado, cria o primeiro Ministério da Educação e proclama que sua nova divisa será "Ordem e Progresso”.

    "Cavaleiro da Esperança"

    Os quartéis altamente politizados se tornam então palco de debates febris e revoltas incessantes, muitas vezes para exigir melhores salários. Eles chegam também a acolher ideais de esquerda, como, na década de 1920, com o movimento tenentista, liderado pelo capitão Luis Carlos Prestes, apelidado de  "Cavaleiro da Esperança", por Jorge Amado. À frente de uma coluna "vermelha" de centenas de soldados amotinados, Prestes percorre mais de 25.000 quilômetros em uma "longa marcha" pelo Brasil, de 1925 a 1927, tentando sublevar a população por seu caminho.

    Serão necessárias décadas para profissionalizar essa tropa turbulenta. Nesse sentido, a missão militar francesa no Brasil, liderada pelo General Gamelin, ao final da Primeira Guerra Mundial, foi decisiva: disciplina reforçada, centralização do comando, treinamento avançado, desenvolvimento de indústrias essenciais ao armamento..."O novo conceito de defesa abrangeu todos os aspectos relevantes da vida nacional", salienta o historiador José Murilo de Carvalho em seu trabalho de referência “Forças armadas e política no Brasil”, publicado em 2019. A consagração chega durante a Segunda Guerra Mundial quando mais de 25.000 pracinhas são enviados para a frente de combate na Europa, ao lado dos Aliados, conquistando várias vitórias notáveis ​​nos Apeninos italianos contra a Alemanha nazista.

    A revolta de 1935 inaugura "a associação entre o comunismo e o “mal”, o primeiro passando a ser representado como uma doença".

    Ideologicamente, no exército, o positivismo e os ideais socialistas foram abandonados há muito tempo. Pelo contrário, segundo Martins Filho, "o exército se destaca por um anticomunismo paranoico", cujo episódio fundador é sem dúvida, a Intentona de 1935. Naquele ano, um punhado de militares, principalmente ligados ao movimento comunista, fomentam um golpe. Dominado rapidamente, o evento constituirá um trauma que virá dar a luz à "a associação do comunismo com o “mal”, chegando a representá-lo como uma doença", explica o historiador Celso Castro na sua obra “A Invenção do Exercito brasileiro”, publicada pela Zahar em 2002. Em outras palavras, a ideia de uma quinta coluna, permanentemente escondida na sombra.

    Foi essa "paranoia" que levou os militares, com o apoio de Washington, e escaldados pelo precedente histórico de Fidel Castro em 1959 em Cuba, a realizar outro golpe em 1964. O presidente progressista João Goulart, eleito democraticamente três anos antes, foi então derrubado. Os generais, que nutrem uma eterna atração pelo poder, mantiveram as rédeas do Estado por vinte e um anos - a ditadura militar mais longa do subcontinente. A repressão matou oficialmente 434 pessoas, contra estimativas de 30.000 mortos na Argentina e 3.000 no Chile. O que levou Jair Bolsonaro a declarar em 2016 que o erro da ditadura brasileira havia sido o de ter somente “torturado e não matado”. 

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