Ante sanções russas, alta de preço do petróleo foi 'erro de cálculo da política externa dos EUA'
Países que foram fortalecidos com o conflito na Ucrânia são justamente os que têm muita força no petróleo — muitos deles considerados inimigos ou párias pelos Estados Unidos
Sputnik - Países que foram fortalecidos com o conflito na Ucrânia são justamente os que têm muita força no petróleo — muitos deles considerados inimigos ou párias pelos Estados Unidos — e que estavam economicamente frágeis por causa do excesso de sanções aplicadas pelos EUA, segundo um especialista ouvido pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
"Casos que ilustram nitidamente esse ponto são a Venezuela, na América do Sul, e o Irã, no Oriente Médio", exemplifica Pedro Costa Júnior, professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).
No bojo da operação militar especial da Rússia na Ucrânia, os democratas dos EUA trocaram farpas com a Arábia Saudita, após a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (OPEP+) anunciarem a decisão de cortar a produção desse combustível em 2 milhões de barris diários.
"Joe Biden teve que mandar emissários à Venezuela para importar mais barris de petróleo da Venezuela e diminuir as sanções. Neste momento, Nicolás Maduro [presidente da Venezuela] fica mais empoderado", ponderou Costa. "A economia venezuelana é muito dependente do petróleo, algo que os economistas chamam de doença holandesa: o país tem uma abundância de um recurso natural muito valioso, e isso é uma bênção e uma maldição. Porque é um bem que é extremamente valioso para aquela população e que pode trazer muita prosperidade. Ao mesmo tempo, é uma maldição porque isso inibe outros setores da economia de se desenvolverem. Então a Venezuela acaba sendo muito dependente do petróleo. Haja vista que o petróleo começou a disparar [quando o conflito na Ucrânia começou], foi um erro de cálculo da política externa americana."
Costa acredita ser possível que Maduro ganhe mais força porque a economia venezuelana vai reagindo com os altos preços do petróleo.
Isso mostra "a vulnerabilidade e o declínio da chamada hegemonia americana", ao ter que se submeter a um país infinitamente menor em termos de poder no sistema internacional, como é a Venezuela, "um desafeto declarado, um Estado chamado de pária, para poder negociar condições favoráveis em relação à energia e ao petróleo".
O especialista acrescenta que mesmo ante a miríade de sanções impostas à Rússia, o próprio país acabou sendo muito beneficiado com a alta dos preços da energia, dos combustíveis, do gás, do petróleo e do níquel.
É o caso, também, do Irã, prossegue Costa. Os EUA estão falando de uma repactuação dos acordos com o país do Oriente Médio, que começaram com Barack Obama, foram interrompidos por Donald Trump e que o atual presidente, Joe Biden, agora cogita retomar.
Porém "o Irã está no eixo Rússia e China, claramente, [e] tem se fortalecido economicamente [com o conflito ucraniano] por causa do petróleo. E o mesmo aconteceu com a Venezuela, que é um desafeto americano na América do Sul, que eles consideram seu quintal. Como diria Joe Biden naquelas declarações desastrosas, 'Eu ouvi na universidade que a América Latina é nosso quintal, mas não é nosso quintal, é nosso pátio, é o nosso gramado'".
Entre a retórica e a forma
Carla Beni, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, avalia que com a decisão da OPEP+ em cortar a produção de petróleo, os tons de ameaça dos democratas de eventuais retaliações sinalizam, na verdade, um recado para as políticas internas dos EUA.
Elas ocorreram no contexto de campanhas das eleições de meio de mandato, que formam o novo Congresso dos EUA e servem como uma validação das políticas do presidente em exercício.
"Penso que essa resposta esteja ligada aos democratas e à política interna, principalmente quando você observa que a secretária de imprensa da Casa Branca [Karine Jean-Pierre] divulgou um comunicado dizendo: 'Está claro que a OPEP+ está se alinhando com a Rússia'. Basicamente, o que se observa é uma resposta explícita dos democratas ao enquadrar a ação da Arábia Saudita como um ato hostil contra os EUA e que beneficia a Rússia", avaliou.
Ela rememora a declaração do líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Summer.
"Ele disse: 'O que a Arábia Saudita fez para ajudar Putin na sua guerra desprezível e cruel contra a Ucrânia será lembrado por muito tempo pelos americanos'. É preciso notar o tom da declaração", indicou.
Segundo a Arábia Saudita, o corte na produção de petróleo era necessário porque há uma economia global mais fraca, citando a desaceleração das economias, a política de erradicação da COVID-19 na China e a alta inflação.
"O que é importante lembrar é que, de um lado, vemos os EUA e a Arábia Saudita com sólidos laços diplomáticos há mais de 90 anos. De outro lado, a ideia de que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman priorizou os interesses econômicos da Rússia em detrimento dessa parceria com os Estados Unidos", opinou.
Se essa retórica continuar acentuada, com questões um pouco mais agressivas nos termos, pode causar um desconforto maior entre EUA e Arábia Saudita, segundo a economista. Porém, ela insiste que esses tons de ameaça externos costumam indicar mais recados para a política interna.
"Os americanos estão cansados da inflação. Parte da população quer ouvir que a gasolina não vai mais subir, ou que a inflação vai cair. E a medida anunciada reduzindo a produção global de barris em 2 milhões por dia a partir de novembro pode fazer o oposto: pode fazer os preços dispararem. Novamente, às palavras: o que significa [que a Arábia Saudita] 'sofrerá consequências'? É tudo muito vago e subjetivo. Provavelmente não vai acontecer nada. É uma retórica que acaba atendendo a determinado grupo. No contexto das eleições de meio de mandato, é um recado para o eleitor interno", concluiu.
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