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    Como os bilionários entregam apenas migalhas aos trabalhadores

    Enquanto Walmart e Amazon estão batendo lucro recorde, milhões de trabalhadores que lutaram para sobreviver em meio à pandemia estão recebendo alguns centavos a mais - e ainda precisam enfrentar uma virulenta campanha anti-sindical promovida pelas empresas

    Trabalhadores se espremem em transporte coletivo durante a pandemia (Foto: Yan Marcelo/@yanzitx)
    Camila Franca avatar
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    Jacobin - Em dezembro do ano passado, um comunicado à imprensa do Walmart chegou em meu inbox. “Walmart anuncia mais de US$ 15,5 milhões de lucro no trimestre, além de bônus em dinheiro para sócios de Nova York”, dizia o texto em negrito.

    O e-mail afirmava que o Walmart havia anunciado US$ 700 milhões em bônus em dinheiro para seus “sócios” nos Estados Unidos. Os detalhes são: quem trabalha em regime de período parcial receberia US$ 150, enquanto quem trabalha em tempo integral receberia US$ 300.

    É o mesmo bônus que a Amazon anunciou uma semana antes. As duas companhias são gigantes gêmeas do varejo dos EUA: combinadas, elas empregam cerca de três milhões de pessoas. Não é surpreendente que eles estejam distribuindo bônus idênticos aos seus trabalhadores.

    Mas o que esses números significam dentro do preço final de Walmart e Amazon?

    De acordo com o Walmart, após o terceiro trimestre de 2020, a empresa atingiu os US$ 15,6 Bilhões em lucros neste ano fiscal. Como ficou claro em um recente comunicado publicado pelo Public Citizen, um grupo com foco na defesa dos direitos do consumidor, é um crescimento de US$ 4,9 bilhões, ou 45% comparado com o mesmo período em 2019. A pandemia tem sido uma benção para a companhia: dizer que os negócios vão bem é um eufemismo.

    Da mesma forma, a Amazon teve um ano de recordes. Seus lucros do terceiro trimestre são o triplo comparados com o ano anterior: enquanto em 2019 seus lucros chegaram na casa de US$ 2,1 bilhões, em 2020 chegaram a US$ 6,3 bilhões.

    A Amazon deu a seus estoquistas um adicional de insalubridade: eles receberam 2 dólares por hora extra, mas terminou em maio. trabalhadores têm persistido em demandas para reintegrar o pagamento adicional, mas a Amazon não demonstra nenhum sinal de movimentação a favor. Ao invés disso, os trabalhadores recebem um bônus único, um “obrigado” conforme a época de festas atinge uma força de trabalho que continua a viver com medo de que eles, cerca de 20 mil de seus colegas de trabalho, sejam infectados com a COVID-19.

    A Amazon deu a seus funcionários um outro bônus, em junho, após o fim do adicional de insalubridade. Este bônus custou cerca de US$ 500 milhões. Como diz um recente comunicado do Public Citizen, esta quantia corresponde a cerca de 8% do lucro do terceiro trimestre. Se os lucros do quarto trimestre forem semelhantes, este bônus de fim de ano corresponderá também a 8% dos lucros da empresa.

    Já o Walmart nunca pagou bônus de hora extra a seus funcionários. Ao mesmo tempo, a empresa pagou a eles US$ 150/300 em bônus quatro vezes desde que a pandemia começou em março de 2019. Cerca de US$ 1,8 bilhões em pagamentos para funcionários. A fatia é similar à da Amazon: os bônus equivalem a cerca de 7% dos lucros do Walmart para o ano fiscal de 2020.  

    Walmart e Amazon viram seus lucros atingirem níveis recordes em 2020 e tem dado a seus empregados que suportaram os riscos e o trabalho necessário para produzir esses números altíssimos, menos de 10% do montante. Os executivos destas companhias nunca estiveram tão bem e seus trabalhadores seguem recebendo uma minúscula parcela da grande fortuna, embora continuem caindo mortos por COVID-19 dentro e fora da empresa.

    Conforme um relatório do Brookings Institute – publicado após o terceiro trimestre do ano fiscal de 2020, deixando de fora esta última rodada de lucros e bônus – observa, os trabalhadores da Amazon receberam 95 centavos extras por hora como “compensação COVID-19” ao longo da pandemia, enquanto os funcionários do Walmart receberam ainda menos, apenas 63 centavos por hora. Isso ocorreu enquanto a “sorte” das empresas adicionou US$ 70 bilhões à fortuna de Jeff Bezos e US$ 45 bilhões à da família Walton.

    “Amazon e Walmart poderiam quadruplicar seus pagamentos adicionais aos empregados na linha de frente e ainda aumenta seus lucros comparados com o ano anterior”, escreve o autor do relatório do Brookings.

    Em uma recente conferência à imprensa, funcionários de Walmart e Amazon exigiram um pagamento extra de 5 dólares/hora até que a pandemia termine. A organização de direitos dos trabalhadores United for Respect chama a campanha de “Five to Survive” — além da demanda por aumento de salários, a campanha pede por acesso a licenças remuneradas e não remuneradas, medidas de segurança antivírus incluindo notificações transparentes de casos positivos nas lojas, a inclusão de “trabalhadores na tomada de decisões quando se trata de medidas de segurança e protocolo”, e proteção contra retaliação.

    Estas empresas não dão voz a seus funcionários, porque elas não precisam. Seus executivos nadam em dinheiro e atiram em seus funcionários que produzem toda a riqueza e ficam com as migalhas – e as migalhas seriam ainda menores se não fosse pela explosão ocasional de indignação pública perante os abusos no ambiente de trabalho dessas empresas.

    Campanhas como “Five to Survive” são essenciais para divulgar o que os trabalhadores de dentro dessas empresas precisam, mas até que esses trabalhadores se sindicalizem em massa, eles não ganharão a compensação que merecem e continuarão a arcar com todos os riscos de trabalhar na linha de frente em meio a uma pandemia.

    De Ford até Walton

    Existe uma razão que mostra por que os trabalhadores do Walmart e Amazon não sejam sindicalizadas: é uma tarefa extremamente complicada.

    Aqui está o comentário sobre organizar o Walmart do renomado estrategista sindical e escritor Richard Yeselson, retirado de um ensaio de 2013:

    É dito que nós temos uma “economia Wal-Mart” hoje do mesmo modo que tínhamos uma “economia Fordista” em meados do século passado. Empregados Wal-Mart são cerca de 1,4 milhão nos EUA, cerca de 1% do total da força de trabalho, um pouco menor do que a proporção de trabalhadores do setor automobilístico em relação ao total de trabalhadores dos EUA em 1940. A diferença é que o Wal-Mart tem mais de 4.200 lojas nos Estados Unidos hoje, e a GM e a Ford juntas tinham talvez 160 fábricas em 1940. As fábricas de automóveis daqueles dias tinham cerca de 2.500 trabalhadores cada uma. As usinas siderúrgicas eram igualmente grandes; as lojas do Wal-Mart têm em média cerca de 300 trabalhadores. Dado que o aspecto antissindical do Wal-Mart é tão feroz quanto o das grandes montadoras durante a Grande Depressão, seria tão difícil hoje organizar uma única loja de 300 trabalhadores quanto era possível organizar em uma gigantesca fábrica de automóveis. O recente encorajamento no ativismo de centenas de trabalhadores nas lojas do Wal-Mart em todo o país apenas ressalta o enorme desafio de organizar a empresa inteira.

    É mais complexo para funcionários do Walmart se organizar através da companhia do que era para trabalhadores da indústria no auge do movimento sindical (e foi muito difícil para esses trabalhadores: houveram greves e campanhas que mataram vários desses trabalhadores) porque eles estão espalhados por muitos mais locais de trabalho que são menores e descentralizados.

    A Amazon, enquanto emprega um extenso número de pessoas em seus depósitos tem um cenário similar: a companhia implanta todas as práticas antissindicais possíveis, desde o rastreamento de atividades organizativas até a retaliação ilegal contra encrenqueiros, pagando agentes da Pinkerton para se infiltrar nas reuniões. O fato de um único depósito da Amazon, localizado em Bessemer, Alabama, estar se sindicalizando é um desenvolvimento notável. Dados esses fatos, as chances desses trabalhadores enfrentarem a empresa são incalculáveis.

    Levantar a questão dos obstáculos colocados contra a organização dos trabalhadores não pretende encorajar o derrotismo ou a apatia, mas garantir uma reflexão com clareza sobre como é que empresas como o Walmart e a Amazon colhem fortunas enquanto há mortes em massa e nem mesmo dão a seus trabalhadores o mínimo de que precisam para sobreviver.

    Nunca houve um momento mais urgente para levar a sério a questão de como impedir que os ricos lucrem com a dor e a miséria. A desigualdade entre o que a pandemia significa para os chefes do Walmart e Amazon e o que significa para seus empregados é um lembrete gritante do desnivelamento entre quem detém o poder e quem detém nada além da força de trabalho e alguns centavos extras por hora.

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