Em um ano de genocídio, Israel massacrou Gaza e se afastou de cessar-fogo
Professora beduína palestino-brasileira Amyra El Khalili disse que expansão do conflito é ‘guerra suicida’ de Tel Aviv
Opera Mundi - Há exatamente um ano, iniciava-se no Oriente Médio um conflito que já causou mais de 41 mil mortes registradas oficialmente, e que tem feito o mundo debater sobre o projeto colonialista de Israel sobre o território palestino. Segundo uma das maiores intelectuais palestino-brasileiras, o dia 7 de outubro de 2023 não deve ser interpretado como “uma iniciativa espontânea”, uma vez que o episódio simboliza os 76 anos de ocupações, massacres e violência protagonizados por Israel.
“A resistência palestina não teve alternativa, ela tinha que agir”, afirma Amyra El Khalili, a professora beduína palestino-brasileira, também editora do Movimento Mulheres pela Paz na Palestina.
A Opera Mundi, Khalili apontou uma realidade de crimes e violações cometidos por Israel na Faixa de Gaza e na Cisjordânia em anos que antecederam a operação do Hamas no norte israelense. Portanto, o 7 de outubro se configura como um “contra-ataque”, termo que ao longo do conflito foi evitado pela mídia hegemônica.
“Os anos de 2021, 2022 e 2023 foram os mais letais para jovens e crianças palestinas na Cisjordânia ocupada. Foi o ano em que Israel mais matou jovens e crianças palestinas em escala. Ocorreram várias ações de estupro, agressões, problemas com os presídios, sequestro de criança, menores presos. É importante salientar que Gaza era constantemente bombardeada”, explicou a acadêmica.
O massacre promovido por Israel já deixou quase 42 mil mortos em Gaza e cerca de 100 mil feridos, segundo o Ministério da Saúde local. Khalili avalia que, por mais de um ano, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, com respaldo norte-americano de Joe Biden, esteve usando a guerra em favor de seus interesses pessoais, em uma espécie de sobrevivência política “porque ele é corrupto, pode ser julgado e condenado”, e segue o legado dos governos anteriores de seu país.
É importante lembrar que, em maio, o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, solicitou a expedição de mandados internacionais de prisão contra líderes de Israel, como o próprio premiê e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, acusando-os por cometimento de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade.
“Praticamente todos os governos israelenses oprimem e massacram o povo palestino”, afirma a docente. “Agora, a resistência armada é um direito. Todo mundo que é atacado tem o direito de se defender. A resistência armada não foi uma alternativa. Ela foi uma necessidade e ela foi um processo que se foi construindo ao longo de 76 anos de criação de agressão e de violência”, instou.
Desmentindo Israel
Não deve-se desconsiderar os riscos tomados pelos moradores locais, pela imprensa e por diversas organizações que, em meio à zona de guerra, usaram a tecnologia para registrar a realidade das operações israelenses em solo palestino. Os registros desmentiram muitas alegações do governo de Israel e causaram um evidente desgaste para o país.
“Uma coisa é quando você tinha um massacre que ninguém via. Hoje, todo mundo está vendo. Estamos filmando, fotografando as vítimas, colocando as crianças despedaçadas. Os palestinos estão com celular na mão, então essas imagens não podem ser ignoradas. Isso é uma realidade, e é um desgaste a mais para a imagem de Netanyahu”, explica Khalili.
Os registros também se refletem na comunidade judaica, uma vez que se torna impossível dizer que se trata de “um povo oprimido fugindo da opressão e que o Hamas é antissemita”. Segundo a professora, “esse discurso está caindo por terra porque ele é mentiroso. […] O sionismo sequestrou o judaísmo para justificar suas atrocidades e os judeus precisam se rebelar contra isso”.
Antissionismo pelo antissemitismo
Após quase um ano de guerra, em 27 de setembro, Benjamin Netanyahu subiu ao púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, para voltar a acusar entidades internacionais como o TPI de “antissemitismo”, por proferir uma sentença na qual o premiê israelense é considerado articulador de um projeto genocida, em que quase 42 mil pessoas morreram no território palestino.
Ao longo da guerra, diversas figuras públicas, intelectuais e organizações que se posicionaram contra o genocídio israelense no enclave também foram acusados por entidades israelenses de “antissemitismo”.
Em fevereiro deste ano, inclusive, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, também foi chamado de “antissemita” por autoridades do governo sionista e designado “persona non grata” por Tel Aviv, após ter comparado os ataques israelenses em Gaza com o Holocausto, numa declaração proferida durante sua viagem à Etiópia, no âmbito da cúpula da União Africana.
No entanto, Khalili critica o governo brasileiro por não tomar uma atitude mais rigorosa contra Israel e enfatiza a necessidade de romper contratos comerciais com a nação para frear a máquina de massacre.
“A comunidade internacional não tem se posicionado. A gente está fazendo pressão para que ela tome providências. É necessário romper relações com Israel, expulsar os embaixadores de Israel de suas embaixadas”, apontou a docente. “A comunidade internacional faz declarações, mas na prática se omite. Você tem aí todo o envio de armas para que Israel continue massacrando e bombardeando Gaza”.
Soberania palestina
Campos de refugiados, hospitais e escolas utilizados provisoriamente como abrigos humanitários foram bombardeados em diversas ocasiões, resultando na morte de dezenas de milhares de civis. Para a professora, os ataques cada vez mais deixam claro que o objetivo israelense não era “eliminar o Hamas”, conforme alegado pelas autoridades de Tel Aviv nos primeiros dias da guerra, mas sim de uma “limpeza étnica”, agora, televisionada.
“A população de Gaza não quer sair de casa, nem que tenha que morrer em casa. Por que? Porque eles estão determinados a defender a sua terra. Que alternativa tem para essa população? Quando Israel fala que tem uma ‘zona segura’ dentro de uma escola, ou para o sul, ou para o norte, Israel vai lá e bombardeia”, diz Khalili. “Eles querem expulsar a população de Gaza para o Sinai de qualquer jeito, mas a população não vai sair”.
Muito se falou sobre o “plano pós-guerra” no enclave, um projeto costurado unilateralmente pelo governo de Israel que define medidas que serão tomadas no território palestino após a cessação de conflitos.
O plano em questão, apresentado por Netanyahu em maio, incluía investimentos em portos, energia solar, fabricação de carros elétricos e benefícios dos campos de gás recém-descobertos em Gaza. O projeto seria dividido em três etapas, a partir de uma “data de vitória” não especificada até 2035. Os palestinos teriam que seguir as regras do plano sob ocupação israelense.
Em 14 setembro, os Emirados Árabes Unidos se opuseram ao documento e declararam que Tel Aviv não tem “autoridade legítima” para implementar a medida.
“Os Emirados Árabes Unidos se recusam a se envolver em qualquer plano destinado a fornecer cobertura para a presença israelense na Faixa de Gaza”, disse um comunicado divulgado pela chancelaria do país. “Quando um governo palestino, que atenda às esperanças e aspirações do povo irmão palestino, for formado e se distinga pela integridade, competência e independência, os Emirados Árabes Unidos estarão totalmente preparados para fornecer todas as formas de apoio a esse governo”.
Nessa mesma linha, Khalili afirma que o reconhecimento da Palestina como um Estado independente e soberano, assim como sua administração precisam necessariamente ser frutos do desejo soberano da população de Gaza, e não uma imposição de Israel.
“Isso vai mudar a equação financeira. Se Israel mantém sua posição em Gaza, os recursos financeiros vão depende de um acordo entre Israel e os outros países. Se for a administração do Hamas, é outra história, até porque o gás e petróleo, o recurso natural que está na região deveria ser, a princípio, administrado pelo Hamas, que é governo eleito legitimamente em Gaza”, explicou a professora. “A expectativa dos palestinos é que Gaza seja um território desocupado de Israel, que não tenha muros, que tenha sua independência, sua autonomia, e o seu direito de administrar os seus problemas”.
Uma questão econômica
Ao falar sobre os direitos humanos na Faixa de Gaza, Khalili descreve a situação como “angustiante, triste e decepcionante” diante do “silêncio e omissão” das organizações não-governamentais, entidades e associações.
“Isso acontece porque elas dependem de financiamento, que na maioria dos casos é dinheiro sionista. Vem de banqueiros, grandes empresas, sistema financeiro e governos de direita que estão amarrados”, afirma.
Além dos interesses econômicos, a especialista também ressalta que as organizações “têm medo de serem taxadas de antissemitas”, uma vez que essa vem sendo a retórica utilizada por sionistas para desviar da problemática humanitária em Gaza.
Contudo, a professora ressalta que esse comportamento, apesar de “negligente e covarde”, “não é surpreendente” na sociedade capitalista atual, em que “Estados viraram corporações e trabalham a serviço delas, permitindo então que explosivos sejam colocados em celulares”, afirma em referência à explosão de dispositivos eletrônicos no Líbano, uma ação atribuída a Israel.
Segundo o jornal norte-americano The New York Times, Israel criou uma empresa de fachada para produzir os pagers explosivos fornecidos ao grupo Hezbollah, no Líbano. O nome da fabricadora seria BAC Consulting KFT, que também foi a primeira acusada pela explosão.
De acordo com as fontes de segurança israelenses sob condição de anonimato, o serviço de inteligência israelenses (Mossad) teria instalado explosivos em 5 mil pagers importados pelo Hezbollah, da fabricante Gold Apollo, de Taiwan, meses antes das explosões.
Por sua vez, a Gold Apollo afirmou que os aparelhos foram fabricados por uma empresa sediada em Budapeste, capital da Hungria, e produzidos pela BAC Consulting KFT.
Na análise de Khalili, a segmentação da produção dos pagers faz com que seja “muito complicado” rastrear a cadeia responsável pela explosão, que deixou 12 mortos e mais de dois mil feridos.
Em sua análise, a narrativa que ocorre na região é uma “inversão de valores”, uma vez que “na tese de Israel, o civil palestino é colono invasor, que comete crimes, que não tem prerrogativa de ser inocente pelo direito internacional e não deve ter proteção do Estado”, quando na verdade, é Tel Aviv que representa todas essas características.
Nesse sentido, Israel não reconhece o Estado da Palestina porque caso o faça pode ter “todos os seus contratos financeiros e mercantis juridicamente cancelados, porque se tornarão irregulares, já que foram firmados dentro do âmbito do direito internacional”, explica.
Segundo Khalili, contratos sobre o fornecimento de gás, petróleo e produções agrícolas, que ocorrem em terras palestinas ocupadas por colonos israelenses, poderiam ser alvo de cancelamento caso o Estado Palestino passasse a existir, de modo que a produção também passaria a ser reconhecida como palestina.
Esse é o motivo pelo qual muitos países árabes não reconhecem o Estado palestino ou não rompem relações com Tel Aviv, no máximo aplicam suspensão da diplomacia. “Os países árabes que normalizaram relações com Israel têm contratos financeiros e mercantis com multas exorbitantes caso haja rompimento da diplomacia ou reconhecimento do Estado da Palestina, porque estariam reconhecendo que a maior parte dessas negociações como irregulares”, explica.
Muito longe do cessar-fogo e limpeza étnica dos palestinos
Khalili é enfática ao afirmar que um cessar-fogo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia não está próximo, mas sim o início de um fogo cruzado em Jerusalém Oriental, o aumento da agressão no Líbano, e os ataques contra a Síria. Segundo ela, a violência “não vai parar, e sim aumentar” porque “estamos em guerra definitivamente”.
“Nunca houve interesse em cessar-fogo. Muito pelo contrário, esse argumento foi usado para enganar, postergar, ludibriar, ganhar tempo e armar Israel ainda mais. Não vejo a princípio nesse quadro nenhum movimento para cessar-fogo, pelo contrário, eu vejo um movimento de armamento puro”, considera.
Ao observar as frentes de ataques que Israel mantém, ao mesmo tempo, contra a Faixa de Gaza, Líbano, Síria e Iêmen, a professora destaca que longe do cessar-fogo, o plano de Tel Aviv é “expandir o sionismo, expulsar a população palestina por meio da limpeza étnica e tomar outras parte do território”, de acordo com um “plano de resolução” sugerido pelo ministro das Finanças israelenses, Bezalel Smotrich, conhecido por declarações racistas contra os palestinos.
Contudo, a ativista considera o conflito como “uma guerra suicida”. “Israel vai acabar se deteriorando, mas está sob efeito desse fanatismo e loucura que é o sionismo”, finaliza.
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