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    Islã é usado como ‘bode expiatório’ na Europa desde os anos 70, diz historiador

    Bruno Garcia afirma que a xenofobia se utiliza de crises econômicas e demográficas para promover a exclusão dos muçulmanos

    Manifestação contra a islamofobia (Foto: Reprodução)
    Redação Brasil 247 avatar
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    247 - O termo "islamização" tem sido cada vez mais utilizado por movimentos anti-Islã na Europa, principalmente em países como a Alemanha, onde o tema foi um dos pontos centrais nas últimas eleições gerais. A expressão, que carrega um forte tom pejorativo, refere-se à presença crescente de muçulmanos no Ocidente e ao impacto que essa presença teria nas sociedades europeias.

    Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Bruno Garcia, historiador e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa, classifica essa tendência como uma forma de "xenofobia oportunista", com raízes profundas nas décadas de 1970 e 1980, quando a economia europeia começou a desacelerar após o crescimento explosivo do pós-Segunda Guerra.

    Garcia explica que, nesse período, houve um aumento significativo da imigração de pessoas provenientes de países de maioria não branca, não cristã e não europeia, o que gerou tensões. "É justamente nesse período que alguns dos principais partidos de extrema-direita que a gente vê em evidência hoje surgem. Quer dizer, eles bebem um pouco desse período de desemprego estrutural, de ansiedade econômica, até de ressentimento", afirma o historiador. Ele destaca que, embora a aversão observada atualmente seja frequentemente atribuída ao Islã, "não se trata do Islã", mas de uma estratégia para "apresentar a imigração como ameaça estrutural à identidade econômica europeia".

    Garcia aponta que esse fenômeno é facilitado pela crise econômica atual, que, ao invés de ser enfrentada com uma abordagem complexa e abrangente, resulta na busca por um "bode expiatório". "O que facilita isso é, precisamente, essa crise [atual]. E no lugar de enfrentar a complexidade do problema, trata-se para esses partidos de encontrar um bode expiatório, o que é sempre promissor nesses momentos de grande tensão", explica o especialista.

    O historiador compara essa situação à discriminação contra latino-americanos nos Estados Unidos, onde um argumento essencialmente econômico é frequentemente mobilizado através de um viés cultural. "No caso da Europa, há um fator demográfico fundamental, porque o que a gente tem na Europa, mais do que a indisposição de locais, em desempenhar um certo tipo de trabalho um pouco mal pago, o que você tem na Europa é um envelhecimento da população, a necessidade iminente, por razões econômicas e demográficas, de imigração e uma certa resistência dos locais em aceitar esse argumento", analisa Garcia.

    Ele cita a Itália como exemplo, onde o país enfrenta uma taxa de natalidade extremamente baixa, mas uma alta taxa de imigração. A ascensão política de Giorgia Meloni, que se sustenta por meio de um discurso contra a imigração, é um reflexo dessa resistência crescente. Garcia critica o argumento de que a presença de imigrantes ameaça a identidade nacional, considerando-o uma "eufemismo racista um pouco mais sofisticado por uma retórica pretensamente neutra".

    O especialista ainda menciona a publicação do livro "Choque de Civilizações", de Samuel Huntington, que reforçou a ideia de que o Islã seria um antagonista do Ocidente. Garcia explica que, após os atentados de 11 de setembro, essa visão ganhou força, transformando o processo de "islamização" em um tema central nas discussões sobre a defesa da civilização ocidental contra o "ataque islâmico". "Os atentados de Madri em 2004 e os de Londres em 2005 aceleram esse processo. A gente tem um bando de autores, vários autores e escritores escrevendo abertamente contra isso. Acho que o mais famoso deles é o Douglas Murray, em que associa a imigração, a permissividade da imigração islâmica no continente, a um certo suicídio cultural", sublinha Garcia.

    Nos anos 2010, o termo "islamização" começou a se deslocar das franjas da extrema-direita para os partidos de centro europeu. Garcia destaca que, nesse contexto, a islamofobia foi sendo normalizada, muitas vezes associada à defesa dos direitos LGBT ou à liberdade de expressão. Ele menciona o debate sobre a proibição do véu na França, que se tornou um tema central nas discussões políticas, sublinhando como esses temas frequentemente subordinam a discussão racial.

    Além disso, o historiador critica o papel da mídia europeia e da indústria cinematográfica, que reforçam a imagem estereotipada dos muçulmanos como terroristas e simplificam a questão da imigração. Segundo Garcia, esses veículos frequentemente apresentam uma versão distorcida dos fatos, criando uma narrativa que sugere que a integração dos imigrantes é impossível. 

    "Muitas vezes o que a gente encontra na mídia europeia, quando se lida com o tema da integração entre os imigrantes, é uma espécie de reprodução benevolente de argumentos muito extremistas, complicados. Por exemplo, a ideia de que o imigrante por si só representa para a sociedade uma grande dificuldade de integração, ou inevitavelmente ele irá produzir naquela sociedade uma tensão cultural talvez insuportável", finaliza Garcia.

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