'Saindo de mãos vazias': o que Zelensky (não) obteve em sua conversa com Lula em Nova York
Quando realiza suas frequentes turnês pela Europa e outras partes do mundo, Zelensky fundamentalmente está atrás de três coisas: armas, dinheiro e apoio incondicional à Ucrânia
Valdir da Silva Bezerra, Sputnik Brasil - Nesta quarta-feira (20) em Nova York ocorreu a primeira conversa tête-à-tête entre Lula e Zelensky desde o começo do conflito na Ucrânia. Frustrado com as antigas declarações do mandatário brasileiro em relação à situação no Leste Europeu, Zelensky deixou a reunião com Lula sem ter obtido seus principais objetivos. Afinal, quando realiza suas frequentes turnês pela Europa e outras partes do mundo, Zelensky fundamentalmente está atrás de três coisas: armas, dinheiro e apoio político incondicional à Ucrânia. Nenhuma dessas coisas ele obteve do Brasil após seu encontro com Lula.
Comecemos pelas armas. Nem os Estados Unidos da América, tampouco a Alemanha, foram capazes de convencer Lula a fornecer armamentos e munições a Kiev durante esse ano. Se o fizesse, o Brasil teria entrado de forma direta no conflito ao lado do Ocidente, o que não interessa de modo algum ao país, visto a importância de suas relações com a Rússia e a ausência de algum objetivo geopolítico brasileiro no Leste Europeu.
A pergunta que fica é: se Lula demonstrou sensatez e resiliência ao suportar a pressão de países poderosos como Estados Unidos e Alemanha, o que poderia fazer a Ucrânia para que o Brasil mudasse de opinião e auxiliasse Kiev militarmente? Praticamente nada. Lula, aliás, tem a intenção de acelerar o fim do conflito, enquanto que Zelensky e o Ocidente optaram por tentar derrotar a Rússia no campo de batalha, por mais utópica que essa opção seja no momento.
Quanto a dinheiro ou mesmo a algum tipo de financiamento por parte do Brasil ao esforço de guerra ucraniano, qualquer tipo de expectativa nesse sentido seria ainda mais absurdo. O Brasil, como membro do Sul Global e da América Latina, está muito mais interessado na superação de seu subdesenvolvimento e da desigualdade entre os Estados do que no financiamento de uma guerra por procuração contra os russos.
Aliás, foi essa situação que motivou Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha, a comentar em meados desse ano que os brasileiros estão mais preocupados com o preço dos alimentos no mercado do que com o conflito no Leste Europeu. Isso mostra que não somente Zelensky, como também as demais lideranças ocidentais, encontram-se decepcionados quanto à posição do Brasil e com sua falta de interesse em ajudar a causa ucraniana. Afinal, não é porque Lula estava em Nova York no momento de seu encontro com Zelensky que ele iria se comportar como os americanos.
Em terceiro lugar, precisamos falar do apoio irrestrito à Ucrânia que Zelensky tem buscado quando se reúne com diversos líderes mundiais. Tal apoio ele também não obteve após conversa com a delegação brasileira. O Brasil, além do mais, já deixou bem claro suas críticas às tentativas de isolamento político da Rússia empreendidas pelo Ocidente (e apoiadas por Kiev), bem como ao uso de sanções unilaterais contra Moscou, que Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, caracterizou como um "erro estratégico".
Para além disso, em sua viagem à China em abril deste ano, Lula e a delegação brasileira concordaram com as propostas chinesas para uma negociação de paz no Leste Europeu, que envolviam justamente a suspensão imediata das sanções contra Moscou e o abandono de uma mentalidade típica da Guerra Fria entre as partes. Com isto, a chancelaria brasileira reiterou a importância do diálogo e da cooperação internacional na busca por uma solução diplomática que coloque fim ao conflito.
Não obstante, Lula já se pronunciou repetidas vezes quanto ao seu desejo de reunir um grupo de países "neutros" (como Turquia, Índia, China, Indonésia e outros) para auxiliarem no processo negociador entre russos e ucranianos. O presidente brasileiro e seu círculo mais próximo enxergam que, para uma paz duradoura, é preciso que todos os atores em jogo entendam a importância do princípio da indivisibilidade da segurança internacional, ponto esse levantado pela Rússia antes da eclosão das hostilidades.
Para além disso, é necessário que o Ocidente (em última análise os Estados Unidos) rejeite qualquer plano de ampliação futura de blocos militares na Europa, colocando fim ao projeto expansionista da OTAN. Todavia, as lideranças em Washington, Bruxelas e em Kiev se recusam a dar ouvidos a essas proposições. Pelo contrário, quando funcionários da diplomacia ucraniana ventilaram – após o encontro com Lula – que uma paz justa só pode ser atingida exclusivamente nas condições defendidas pela Ucrânia, restou demonstrada a intransigência de Kiev em atingir uma solução equilibrada para a crise no Leste Europeu.
Afinal, quando Zelensky fala em restaurar as fronteiras da Ucrânia à condição pré-2014, ele se esquece de que voltar no tempo só é possível nos filmes de Hollywood. Teria sido mais inteligente, ao invés disso, cumprir os Acordos de Minsk negociados em 2014 e 2015, como o próprio Zelensky prometeu em sua campanha pré-eleitoral de 2019, do que os usar de forma cínica para que a Ucrânia "ganhasse tempo" e se fortalecesse militarmente. Tivesse honrado sua palavra no passado, Zelensky teria mantido Donbass como parte do território ucraniano, concedendo maior autonomia política a Lugansk e Donetsk, e evitado assim provocar um conflito direto com a Rússia.
Outra das propostas da Ucrânia, a saber, a retirada das tropas russas dos novos territórios da Federação (Donetsk, Lugansk, Zaporozhie e Kherson), assim como o estabelecimento de um Tribunal Especial para julgar as ações do Exército russo no decorrer do conflito, são medidas igualmente impensáveis. De nenhum modo poderia Zelensky imaginar que o Brasil, e especialmente Lula, endossasse proposições que visam unicamente alienar a Rússia e descartar de forma arbitrária seus interesses legítimos de segurança na região.
Em resumo, por mais que Mauro Vieira tenha definido a reunião entre Lula e Zelensky como amigável e pacífica, nada muito significativo resultou desse encontro. O importante é que Zelensky deixou a conversa com a delegação brasileira sem obter o que mais lhe interessava: armas, dinheiro e uma posição clara do Brasil em favor de Kiev. E assim foi. No final das contas, Lula volta a Brasília com a lembrança dos aplausos que recebeu durante seu discurso na tribuna da ONU. Já Zelensky, que se recusou a aplaudir o presidente brasileiro, volta a Kiev de mãos vazias.
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