Trump não quer paz, mas sim transferir os custos da Ucrânia para a Europa, diz analista
Governos europeus dificilmente enviariam tropas de paz para a Ucrânia, sem garantias de segurança dos EUA
Sputnik - Conversas de bastidores sobre o envio de missão de paz da Europa à Ucrânia após cessar-fogo não é bem recebida nem em capitais europeias, nem na Rússia. De acordo com especialista ouvido pela Sputnik, o Velho Continente está em crise e não pode arcar com os custos financeiros, militares e políticos de enviar contingentes para a Ucrânia.
A eleição de Donald Trump para chefiar a Casa Branca deu início a tratativas de bastidores sobre possíveis negociações de paz para encerrar o conflito na Ucrânia. De acordo com a mídia ocidental, uma das propostas aventadas é a mobilização de operação de paz europeia em território ucraniano.
A proposta teria sido exposta por Trump ao presidente da França, Emmanuel Macron, e seu homólogo ucraniano, Vladimir Zelensky, durante recente encontro em Paris para a reabertura da Catedral de Notre Dame, informou o Wall Street Journal.
A proposta não recebeu a acolhida esperada por parte dos europeus e poderá ser vista com suspeita pela Rússia, que considera os países da OTAN forças engajadas diretamente no conflito. Nesse contexto, a possibilidade de mobilização de contingente europeu após um cessar-fogo ainda parece baixa.
O presidente da Polônia, Donald Tusk, recentemente negou rumores de que militares de seu país poderiam engrossar as fileiras de uma eventual força de paz europeia.
"Para encerrar especulações sobre a potencial presença desse ou aquele país na Ucrânia após um cessar-fogo [...] decisões sobre a Polônia são tomadas em Varsóvia e somente em Varsóvia", disse Donald Tusk. "No momento não estamos planejando essas atividades."
Até o momento, as propostas giram em torno da mobilização de força da paz para patrulhar a zona de contato entre forças russas e ucranianas, após um possível cessar-fogo entre as partes. De acordo com o doutor em Geografia pela Unicamp e analista geopolítico Gustavo Gomes Blum, o caráter de uma eventual força de paz dependerá do acordo firmado entre as partes.
"Forças de paz podem ter diferentes funções a depender do mandato que recebem a partir das autoridades competentes. Elas podem ir desde tropas que apenas se dedicam a observar o cumprimento do acordo de cessar fogo, sem nenhum tipo de envolvimento, até tropas deliberadamente engajadas no conflito armado", disse Gomes Blum à Sputnik Brasil. "Isso vai depender de como esta missão é pensada [...] e se os dois lados envolvidos concordam com a sua atuação."
Para o professor de Geopolítica da UNEMAT e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), Vinicius Modolo Teixeira, a própria Europa terá dificuldades para arcar com os custos financeiros, militares e políticos de uma força de paz na Ucrânia.
"Não vejo as reações europeias como positivas, tendo em vista os custos elevados dessa proposta. Seria necessário um conjunto de países para contribuir com tropas e dividir os custos, o que cria também um problema de interoperabilidade", disse Teixeira à Sputnik Brasil. "Mesmo sendo países integrados pela OTAN, há situações de convívio que não são facilitadas."
Os custos do conflito ucraniano já levaram líderes como o chanceler alemão, Olaf Scholz, a pedir a sua resolução, reportou o New York Times. Segundo ele, o conflito já dura "muito, muito tempo" e "precisamos chegar em uma situação na qual a paz seja possível", eliminando o risco de escalada entre Rússia e OTAN.
"A Alemanha se mostrou estar em uma crise política e econômica, sem condições de arcar com uma operação como essa, ou mesmo como justificar à sua população o envio de tropas de paz", disse Teixeira. "Sem o apoio dos EUA, a Europa dificilmente teria como adentrar um processo de paz na Ucrânia sozinha."
Governos europeus dificilmente enviariam tropas de paz para a Ucrânia, sem garantias de segurança dos EUA. De acordo com a reportagem do Wall Street Journal, autoridades francesas teriam deixado clara a necessidade de “algum tipo de apoio dos EUA, algo que não está claro se o governo Trump aceitaria”.
"Donald Trump promete uma mudança de postura dos EUA, mas não a vejo como uma vontade de negociar a paz, mas sim de retirar os EUA desse confronto. Para os EUA, a Ucrânia virou um sangradouro dos seus recursos", explicou Teixeira. "A intenção de Trump me parece ser transferir para a Europa as responsabilidades pelas demandas da Ucrânia."
A instabilidade política interna europeia, no entanto, dificilmente permitirá um engajamento contundente do continente nos assuntos ucranianos, sem o apoio de Washington, acredita o professor.
"Retirar dos EUA e relegar todo o serviço à Europa seria algo bastante complicado para justificar frente à população local, que não só já está pagando mais caro por alimento e gás, mas ainda teria que arcar com custos de uma força de paz no território ucraniano", disse Teixeira. "Isso seria um problema que alguns países não querem assumir no momento."
De fato, a opinião pública europeia tampouco demonstra entusiasmo quanto ao envio de forças que atuem diretamente no território ucraniano. No início deste ano, quando o presidente francês sugeriu pela primeira vez o envio de tropas francesas à Ucrânia, a opinião pública rejeitou a proposta, conforme revelaram pesquisas de opinião.
"Nesse contexto, países dos BRICS seriam mais adequados [para enviar forças de paz] do que a mobilização de tropas de países da OTAN", considerou Teixeira. "Forças da OTAN in loco poderiam, inclusive, amplificar o alcance desse conflito ao invés de paralisá-lo e pacificá-lo."
Segundo o professor de geopolítica, os países do BRICS não tiveram envolvimento direto no conflito e mantêm relações amistosas com a Rússia, o que aumentaria a possibilidade de aceite de proposta de força de paz por parte de Moscou.
Com ou sem participação da Europa em uma eventual força de paz, Rússia e Ucrânia ainda deverão lidar com algumas semanas de transição de governo nos EUA e com as incertezas de um campo de batalha ativo, apesar do inverno no Hemisfério Norte.
"Acredito que o mais importante agora será o comportamento das autoridades ucranianas diante de um governo americano diferente do anterior e de parceiros europeus que se encontram em divisão interna e externa", disse Gomes Blum. "A maior dificuldade poderá ser o uso de armas de longo alcance de forma indiscriminada e contra alvos não militares, como tem se observado recentemente."
Segundo ele, "estas medidas 'kamikaze' podem tanto prejudicar o alcance de um termo médio para as negociações quanto o controle político do uso da violência nesse conflito, elemento relevante desde o seu início para determinar as possibilidades de negociação."
Nesta quinta-feira (26), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, lamentou algumas propostas vazias sendo feitas pelos seus interlocutores ocidentais em relação ao conflito ucraniano. Segundo Lavrov, “precisamos de acordos legais finais que fixarão todas as condições de garantir a segurança da Rússia e os legítimos interesses de segurança dos nossos vizinhos”.
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