Descubra sua paixão. E transforme-a em uma carreira profissional
Qual é a sua paixão? A empreendedora social Noeline Kirabo reflete sobre seu trabalho ajudando jovens que abandonaram a escola em Uganda a transformar as paixões deles em negócios lucrativos, e compartilha as duas questões que você pode se perguntar para começar a fazer o mesmo.
Por: Noeline Kirabo (*)
Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Tradução: Giulia Bialoglowka. Revisão: Maricene Crus
Apesar de ter abandonado a escola, a ugandense Noeline Kirabo “criou” sua própria educação frequentando bibliotecas e cursos gratuitos on-line, perseguindo o sonho de cultivar o potencial de outras pessoas. Através da educação, ela procura inspirar jovens empreendedores que lutam contra a violência e o crime das favelas de Kampala.
Noeline Kirabo
Como fundadora da ONG Kyusa (https://www.kyusaug.org/) , Kirabo está comprometida em transformar jovens que estão fora da escola em líderes empresariais, dando a eles as ferramentas necessárias para direcionar suas paixões. É autora, palestrante, terapeuta familiar e cofundadora da Newen Consults, uma empresa de negócios e desenvolvimento pessoal.
Vídeo: Palestra “Descubra sua paixão. E transforme-a em uma carreira profissional”
Tradução integral da palestra de Noeline Kirabo:
Quando você tem um emprego que paga o bastante para cobrir gastos básicos, suas contas, e ainda sobra um pouco para gastar, se assume que você estaria feliz, ou, até melhor, realizado. E parece inconcebível quando você acorda e diz que vai abandonar um emprego como esse para seguir uma paixão. Esse era o meu dilema seis anos atrás. Eu tinha um emprego e uma vida confortáveis, e as pessoas esperavam que me sentisse realizada, mas eu não estava. Havia algo em mim que queria mais. Havia um desajuste entre o que eu fazia no meu dia a dia e as coisas com as quais eu me importava profundamente.
Então, decidi me demitir e explorar a possibilidade de trazer essa paixão à minha rotina diária. Descobrir a sua paixão não é tão simples. Mesmo pessoas com dinheiro e diplomas lutam para identificar suas paixões. E aqui estava eu, com 30 anos, falando sobre descobrir minha paixão e torná-la em uma carreira. Literalmente, me disseram: “Você não pode falar de paixão até ter ganhado dinheiro o suficiente
ou até, pelo menos, estar pronta para se aposentar”. Porque há uma noção de que olhar para dentro de nós e achar o que nos dá prazer e realização é um luxo que apenas os ricos podem desfrutar, ou um prazer que somente os aposentados podem ter. O que me faz pensar: seria a paixão apenas para os ricos, ou uma experiência que apenas os aposentados podem aproveitar?
Muito de nós fomos levados a acreditar que a vida é uma corrida à sobrevivência. Nós fomos condicionados a nos ver como sobreviventes, que devem fazer tudo em nosso poder para sobreviver. Na África, somos incentivados a ir à escola, estudar e passar de ano, na esperança de conseguirmos um emprego depois. E se conseguimos, permanecemos nele, não importa o quanto ele seja horrível.
Até conseguirmos uma oferta melhor ou estejamos prontos para nos aposentar. Como abandonei a escola, eu sabia que não tinha direito a nada. Toda oportunidade era um privilégio. Então, quando pensei em me demitir, foi um grande risco.
Me deram duas alternativas, que são as mais populares na África. A primeira era fazer qualquer curso em uma instituição profissional. Minha segunda opção era aceitar qualquer oferta de emprego e fazê-lo, não importando as condições de trabalho. Isso provavelmente explica por que temos tantos jovens sendo traficados em busca de oportunidades melhores.
Eu escolhi a primeira opção. Procurei algumas instituições profissionais na esperança de que acharia um curso que ressoasse com a minha pessoa, meu sonho e minha aspiração. Fiquei desapontada ao saber que não havia espaço para desajustados como eu ali. O sistema educacional em muitas partes do mundo tem sido projetado com base em opções pré-selecionadas, nas quais jovens devem se encaixar ou arriscar se tornarem desajustados. Passando pela escola, fui incentivada e condicionada a pensar dentro da caixa e permanecer dentro dela.
Mas, quando abandonei a escola, descobri um mundo de possibilidades. Eu sabia que poderia ser e estudar qualquer coisa, então aproveitei os cursos on-line gratuitos. Foi assim que eu construí meu currículo, consegui um emprego e trabalhei por oito anos. E depois disso, disse a mim mesma que deveria haver mais a ser vivido do que apenas a rotina da vida.
Então em 2014, comecei uma organização chamada Kyusa, na qual trabalhamos com jovens que não estão na escola, incentivando-os a tornar suas paixões em negócios lucrativos, escalonáveis e sustentáveis.
Quando falamos sobre paixão, uma das perguntas mais comuns que me fazem é: “O que é paixão? Como eu a descubro?” Na definição mais simples, paixão é uma coleção de nossas experiências de vida que nos dá a mais profunda sensação de realização. E para identificar essa paixão, precisamos olhar para dentro de nós. Então usamos duas questões reflexivas. A primeira questão que perguntamos é: “Se você tivesse todo o tempo e dinheiro do mundo, em que gastaria o seu tempo fazendo?” Parece uma questão muito simples, mas muitas pessoas lutam para respondê-la, porque elas nunca pensaram sobre isso.
A segunda pergunta é: “O que faz você feliz ou dá a você a mais profunda sensação de realização?” Assumiríamos que todos nós sabemos o que nos faz felizes, mas também é interessante notar que muitas pessoas não têm a menor ideia. Elas estão tão ocupadas com a rotina delas, que não param para se observar. Identificar o que nos dá uma profunda sensação de realização e de alegria são pensamentos que começam a nos guiar em direção à nossa paixão. E caso estejam se perguntando quais são suas respostas para essas duas questões, convido vocês a pararem e refletirem sobre elas mais tarde.
No entanto, também estou ciente de que apenas ter uma paixão não garante sucesso na vida. E devo destacar que nem toda paixão pode se tornar uma carreira. Para que isso aconteça, a paixão deve ser associada ao grupo certo de habilidades, condicionamento e posicionamento. Quando pedimos aos nossos jovens que olhem para dentro de si, também perguntamos quais habilidades, talentos e experiências eles têm que possam ser usados para construir um nicho no mercado de trabalho. Mas mais que isso, também observamos as tendências do mercado, pois não importa o quanto você ama e aprecia algo, se ninguém quer ou está disposto a pagar por isso, não pode ser uma carreira. É apenas um hobby.
E a terceira coisa que observamos é: “Como você se posiciona? Quem você quer alcançar? Para quem você quer vender? Por que as pessoas iriam querer comprar de você?” Então a combinação dos três é o que nos permite transformar uma paixão em um negócio. E muitos jovens conseguiram tornar as ideias e desejos ardentes deles em negócios lucrativos ou empresas sociais, e eles não estão apenas criando empregos, mas também resolvendo desafios sociais.
Compartilharei dois exemplos com vocês. Um deles é Esther. Eu a conheci dois anos atrás. Ela havia abandonado a escola há dois anos, e estava profundamente afetada por ter desistido. Como resultado, ela desenvolveu depressão severa a ponto de tentar tirar sua vida diversas vezes. Seus amigos e familiares não sabiam o que fazer por ela. Eles simplesmente rezavam por ela. Quando conheci Esther e começamos a conversar, eu a fiz uma pergunta simples: “Se você tivesse todo o tempo e dinheiro do mundo, o que você faria?” Sem pensar ou hesitar, os olhos dela brilharam e ela me disse o quanto queria mudar a vida de jovens. Ela queria trazer de volta a esperança e dignidade a outros adolescentes, ajudando-os a tomar decisões informadas sobre a vida deles.
Percebi que esse era um desejo ardente insaciável nela. Então trabalhamos com Esther para criar uma estrutura para esse desejo. Hoje, ela comanda uma empresa social no vilarejo dela, aumentando a conscientização sobre uso de drogas, saúde mental, saúde sexual, ajudando outros jovens que abandonaram a escola a adquirir habilidades profissionais para que consigam se sustentar. Esther fez 20 anos esse ano, e, nos últimos 2 anos, ela tem organizado um festival anual para adolescentes que reúne mais de 500 participantes.
Jovens que têm a chance de interagir e colaborar em diferentes projetos, mas mais importante, têm a chance de falar com profissionais que, de outra forma, nunca teriam conhecido.
Isso tudo foi feito por uma garota que acreditava que o mundo não tinha lugar para ela; que sem educação, ela nunca chegaria a nada. Mas olhando para dentro de si e explorando um desejo ardente, colocando uma estrutura em torno dele, isso se tornou um modelo que mudou não apenas a vida dela, mas está transformando a vida de centenas de jovens todo ano.
Meu outro exemplo é Musa, um artista nato. Ele olha para qualquer imagem e a reproduz com facilidade. Então ele procura reconhecer essa habilidade nele. Quando conheci Musa, ele fazia todo tipo de artesanato: bolsas, cintos, carteiras, mas era mais um trabalho de meio período. Ou, às vezes, se ele estava sem dinheiro, ele criava um design e o vendia. Mas ele nunca pensou nisso como um negócio.
Então começamos a trabalhar com Musa, ajudando-o a mudar sua mentalidade de um hobby para um negócio, começando a repensar como ele poderia fazer produtos que pudesse vender e ainda conseguir se expandir. Musa faz algumas das bolsas mais incríveis que eu já vi. E, nesse último ano, o negócio dele tem crescido. Ele tem sido reconhecido em diferentes lugares. Atualmente, está pensando em exportar para países desenvolvidos.
Musa, como qualquer um que abandonou a escola, acreditava que sem credenciais acadêmicas ele chegaria a lugar nenhum. Ele achava que o talento que tinha era nada, simplesmente porque ele não tinha um diploma que o definia. Olhando para dentro de si e descobrindo que o que tinha era seu maior talento e incentivando-o a transformar isso em um negócio, ele não está apenas vivendo, mas prosperando.
Olhar para dentro de si pode ser assustador, especialmente se estivermos fazendo isso pela primeira vez. Mas a verdade é que nunca realmente começamos a viver até que aprendamos a viver de dentro para fora. E para liberar esse potencial, precisamos olhar para dentro de nós para identificar, o que nos dá uma profunda sensação de realização e alegria, e então tecê-las nos padrões de nossa rotina diária. E fazendo isso, paramos de trabalhar e começamos a viver. E o bom do viver é que você nunca precisa se aposentar ou se demitir.
E enquanto pensam em liberar potencial para vocês mesmos, para nossos jovens, nossas crianças, não vamos condicioná-los a olhar pra fora, mas sim olharem para dentro, para explorar quem eles são e trazer esse “eu” no que eles fazem todos os dias.
Quando você para de trabalhar e vive, quando a paixão vira uma carreira, você não apenas se destaca, você se torna incansável.
Obrigada.
(*) Noeline Kirabo conseguiu criar seu caminho para sair da favela em Kampala, Uganda, onde nasceu. Hoje, ela é a líder de um movimento para ajudar jovens carentes a conquistar educação e desenvolver habilidades para a criação de negócios lucrativos.
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