Judeus da Ucrânia: O duro dilema é ficar lá. Ou sair correndo
Há cerca de 200 mil judeus na Ucrânia, vivendo nos dois lados das barricadas do conflito entre os que apoiam a reintegração de certas províncias à Rússia, e os que são contra. Alguns judeus foram vítimas de violências, mas ninguém sabe bem de que lado elas partiram.
Por: Equipe Oásis
Os fantasmas regressaram. Afinal foi na Ucrânia (em Odessa, 1821) que houve o primeiro pogrom – o termo em russo que se tornou comum para descrever perseguições violentas a judeus na Ucrânia e no Sul da Rússia entre 1881 e 1884, segundo o dicionário do Museu do Holocausto. Foi na Ucrânia, lembra o diário israelita Ha’aretz, que houve o julgamento Beilis: um judeu foi julgado e condenado pela morte de um garoto de 12 anos, para, alegadamente, beber o seu sangue. Foi o último caso de acusação a um judeu por este “crime” na Europa – mas ainda hoje há peregrinações à tumba do menino por pessoas que acreditam na veracidade desse mito antissemita.
O ambiente de medo dos judeus que vivem na Ucrânia ficou bem resumido numa frase de um dos principais líderes religiosos da comunidade, aconselhando aos judeus para deixarem Kiev e a Ucrânia. “Não queremos tentar o destino”, disse Reuven Azman. A Agência Judaica, organização que gere a imigração para Israel dos judeus da diáspora, já disse que tem um mecanismo de ajuda pronto a ser usado caso seja necessário. Mas há quem sinta que a questão judaica está sendo usada ao mesmo tempo pelos dois campos em luta, um a favor e o outro contra a Rússia.
Panfletos de intimidação
Em Donetsk, epicentro do movimento separatista que pretende anexar à Rússia as províncias do leste da Ucrânia, homens mascarados percorreram as ruas entregando panfletos nos quais se ordena aos jovens judeus da cidade que se inscrevam nas listas dos que são favoráveis à anexação.
“Foi assustador e preocupante”, disse Aron Gurevitz, norte-americano do Brooklin que estava em Donetz em visita a familiares. “Esperamos que seja apenas uma provocação, mas achávamos todos que já eram passados os dias em que os judeus serviam de bode expiatório sob qualquer pretexto. E talvez não seja bem assim”.
Informou-se depois que os panfletos eram obra de um grupo pró-Rússia e seu objetivo era intimidar os judeus locais favoráveis ao atual governo ucraniano de Kiev.
O fato é que, nos últimos meses, a violência aumentou. Houve ataques a sinagogas, em Kiev e no Sul da Ucrânia – pedras que romperam vidraças, coquetéis Molotov atirados contra as entradas das sinagogas, graffiti com suásticas e as palavras “morte aos judeus”. Dois estudantes de uma yeshiva (escola religiosa) foram espancados na capital.
Hoje existem cerca de 200 mil judeus na Ucrânia. Apesar de pequena, é a terceira maior comunidade de judeus na Europa, e tem prosperado mesmo com as ameaças que estão sempre a pairar. Uma das organizações que dão apoio aos judeus da Ucrânia desde a queda do comunismo, a JDC (American Jewish Joint Distribution Committee,) aumentou a oferta de ajuda em toda a Ucrânia, e especialmente na Crimeia, e tem planos de contingência caso a situação piore, disse o porta-voz Michael Geller.
Também a Agência Judaica pôs à disposição da comunidade um mecanismo de emergência estabelecido depois de um ataque que matou um professor e três crianças judias em Toulouse, na França, prevendo verbas para fortalecer a segurança – a organização não quis, no entanto, adiantar pormenores sobre os preparativos.
“Aqui culpam sempre os judeus"
De Kiev, Josef Zissels, líder do Congresso Judaico Euro-Asiático e um dos líderes religiosos ucranianos, diz que há vários riscos para os judeus na Ucrânia: o primeiro são ataques espontâneos de multidões caóticas – “é um risco baixo, negligenciável”. O segundo tem a ver com “grupos radicais” que existem no país, um risco que existe e se mantém inalterado nos últimos anos, e que Zissels também considera baixo. Para esse líder judaico, o grande problema é outro: “O das provocações russas.”
Muitos concordam com ele. “Não acho que o antissemitismo tenha piorado de repente”, comentou o rabino Yonathan Markovich, em declarações ao jornal Ha’aretz. “Aqui culpam sempre os judeus por qualquer problema. Há um ditado: 'Se não há água na torneira, é porque os judeus a beberam’”, conta. O rabino também suspeita de que, em alguns casos, os ataques possam ser obra de elementos pró Moscou como um ataque a uma sinagoga da zona russa “que poderá ter sido uma provocação” com a intenção de desacreditar a oposição a Ianukovich.
O mesmo diz um antigo soldado israelita que comandou uma unidade de ativistas na Praça Maidan, numa entrevista à Jewish Telegraphic Agency. À frente de uma unidade de 40 jovens homens e mulheres, Delta (que não quis revelar o seu verdadeiro nome) acha que há um objetivo de “desacreditar a revolução”. Essa foi, aliás, ele observa, uma das razões para se juntar aos manifestantes. A outra foi ver “civis, sem qualquer preparação, serem trucidados por militares”. Curiosamente, Delta, de kippa (solidéu) sob o capacete, costuma ir à sinagoga de Azman, o rabino mais preocupado com o antissemitismo.
Neonazistas retornam na Ucrânia
Mas é inegável que palavras e símbolos usados por alguns dos ativistas na Praça da Independência são abertamente antissemitas e neonazistas, como é o caso dos membros do Setor Direito, um movimento de extrema-direita radical que foi dos mais ativos nas ações violentas da revolução da praça Maidan. Seus membros não escondem suas intenções, manifestando publicamente não apenas em Donetsky mas em vários outros lugares do país, sobretudo na capital, Kiev.
Outro líder religioso ouvido pelo Ha’aretz, o rabino Reuven Stamov, comenta que há “muitas coisas desagradáveis”, mas sublinha que “até agora tem havido uma distância entre palavras e ação”. Zissels acrescenta: “Há mais grupos neonazistas na Rússia do que aqui na Ucrânia.”
Stamov acha que este não é o momento para ninguém ir embora. “Quando há uma revolução, é um período difícil para todos, não só para os judeus.”
Sublinhando que a comunidade não tem uma posição unificada e que está nos dois lados da barricada, o Ha’aretz diz que o dilema de muitos judeus na Ucrânia é como falar contra o antissemitismo quando estão conscientes de que o que quer que digam pode ser usado por qualquer um dos lados para os seus próprios ganhos políticos.
Mark Levin, director da NCSJ, organização de apoio a judeus na Rússia, Ucrânia, Estados Bálticos e Eurásia, diz que “ninguém sabe toda a verdade” sobre quem estará por trás dos ataques, que não são, em sua opinião, surpreendentes. “O antissemitismo é ainda, infelizmente, uma questão na Ucrânia. Piora e melhora.”
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