HCs para uso medicinal da cannabis significa que há avanço nas decisões judiciais no Brasil?
Se tal ocorrência é um avanço, este é um pequeno passo diante de um longo caminho a ser percorrido
Rodrigo Calabria* (Conjur) - Conforme o artigo 196 da Constituição, a saúde é um direito de todos e é dever do estado garantir ao indivíduo — mediante políticas sociais e econômicas — a redução de riscos, de doenças e de outros agravos.
O acesso deve ser universal e igualitário, assim como as ações previstas para a sua proteção e recuperação. A discussão sobre o uso medicinal da cannabis tem o amparo popular e também legal. Em 2024, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu conceder salvo-conduto para cultivo doméstico da cannabis a fim de extrair da planta óleo medicinal. Estima-se que, desde 2020 até 2024, os pedidos de Habeas Corpus semelhantes aumentaram cerca de 2.158%.
Frisa-se que o comércio da planta ainda é ilegal. O Executivo não tomou nenhuma providência quanto à ampliação ao acesso das pessoas ao tratamento; tampouco o Legislativo, que também não aprovou lei que permitisse o plantio para fins medicinais.
Paralelamente, não se desconhecem as diversas evidências científicas que comprovam a sua eficácia para a recuperação de portadores de diversas doenças, entre as quais está o câncer e esclerose múltipla. Esses pacientes passaram a buscar no Judiciário a tutela do direito à saúde.
Alta no número de concessões
Em 2014, pela primeira vez, houve uma decisão favorável que permitiu o cultivo da substância para fins medicinais. Toda a movimentação que circunda o tema causa interesse, porque há uma mudança de paradigma na iniciativa social diante do uso de um produto ilegal, sem haver, para isso, alteração na Lei 11.343, que é conhecida como a Lei Antidrogas.
Esta, por sua vez, é oriunda do decreto 54.516, de 1964, que entroniza no ordenamento jurídico brasileiro a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961. Este é um tratado internacional de controle de substâncias que determinou a proibição da erva no Brasil por meio do aparelhamento jurídico, fazendo exceção ao uso para fins medicinais, que não devem ser proibitivos.
Há, contudo, especificações na norma quanto à quantidade de plantas e a obrigação de fiscalizar e analisar o produto. No fim de 2016, foram proferidas três decisões favoráveis à concessão de Habeas Corpus para as famílias cultivarem como uma forma de acesso à saúde. Em 2019, determinou-se, em Eunápolis (BA), que os produtos de canabidiol e THC fossem incluídos na lista de medicamentos do SUS.
O salvo-conduto impede que autoridades restrinjam a liberdade de locomoção do portador. O uso, entretanto, deve ser exclusivamente medicinal. O paciente deve, ainda, permitir o acesso das autoridades para fiscalização da quantidade plantada e produzida. No ponto de vista da litigância estratégica, estamos verificando uma ampliação da concessão de Habeas Corpus, especialmente quando muito bem comprovado — como deve ser — a necessidade médica de utilização da substância em patamares terapêuticos.
Destaca-se que o pedido deve estar arrimado em decisão médica. Utiliza-se, para isso, farta documentação. O uso da substância serve para reduzir os sintomas de doenças graves como transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e síndrome do pânico. O Superior Tribunal de Justiça recebeu, no ano passado, cerca de 384 processos relacionados a pedidos de Habeas Corpus para cultivo caseiro de cannabis para fins medicinais.
Uma alternativa para o uso medicinal é a importação do óleo, que deve ter autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Em 2024, houve 167.337 pedidos por meio de processo. Em 2015, o CDB foi retirado da lista de substâncias proibidas. No mesmo ano, registraram-se 850 solicitações.
Crê-se que o aumento dos pedidos de Habeas Corpus esteja diretamente ligado ao acesso à informação e ao alto custo do remédio importado. Muitos, hoje, conhecem casos de pacientes que obtiveram melhoria significativa no tratamento de dores e convulsões. Isso impulsiona a demanda e é um avanço nas decisões do Judiciário brasileiro. A planta está cada vez mais presente no debate público no Brasil. Relembre-se que em junho de 2024, o STF descriminalizou o porte da substância para uso pessoal. O limite para que seja caracterizado como uso, e não tráfico, é de 40 gramas ou seis mudas fêmeas da erva.
Insisto que tais decisões do Judiciário não fazem mais do que tornar legal uma prática que é sistematicamente criminalizada ao longo da nossa história. Não queremos dizer, com isso, que tem ocorrido uma legalização. Mas, se tal ocorrência é um avanço, este é um pequeno passo diante de um longo caminho a ser percorrido.
* Rodrigo Calabria é sócio da CCLA Advogados.
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