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Câmara rejeita alterações em projeto que criminaliza ocupações de terra; parlamentares reagem

O texto-base do PL havia sido chancelado pelo plenário na noite de terça (21) por um placar de 336 votos favoráveis, 120 contrários e uma abstenção

Câmara dos Deputados (Foto: Divulgação (Câmara dos Deputados))

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Brasil de Fato - O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, nesta quarta-feira (22), os dois últimos destaques (sugestões de alteração) que haviam sido propostos por parlamentares de esquerda para modificar o projeto que criminaliza ocupações de terra. Na prática, o resultado significa que a maioria dos deputados se decidiu pela não flexibilização da medida, com vitória para a ala mais conservadora da Casa. Intitulada formalmente como Projeto de Lei (PL) 709/2023, a proposta é patrocinada politicamente pela bancada ruralista em aliança com a extrema direita.

O texto-base do PL havia sido chancelado pelo plenário na noite de terça (21) por um placar de 336 votos favoráveis, 120 contrários e uma abstenção. Os seis destaques que foram avaliados pelos deputados entre terça e quarta repetiram a configuração de forças observada na votação do texto-base, com média de 300 a 320 votos rejeitando as alterações.

A ala progressista vê o PL como mais uma tentativa de enquadrar e criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), histórico alvo do campo da direita e endereço de outras medidas de endurecimento penal já aprovadas pelo Legislativo. O texto prevê um conjunto de penalidades para o que o projeto chama de "ocupantes e invasores de propriedades em todo o território nacional". A proposta aponta que participantes diretos ou indiretos de "conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado" deverão ser proibidos de serem atendidos pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e por outros programas federais durante oito anos.

Como o jogo político nacional é marcado por intensa disputa de narrativa em torno do uso dos termos "ocupação" e "invasão" de terras, parlamentares de esquerda entendem que, se aprovado, o PL tende a criar armadilhas políticas para o campo popular, especialmente movimentos que atuam na pauta agrária, como é o caso do MST. O movimento é, inclusive, diretamente citado no texto original do projeto, de autoria do deputado Marcos Pollon (PL-MS). Ele argumenta que o PL "se ajusta à necessária proteção dos proprietários rurais" e defende ainda que "o Estado brasileiro não pode se prestar ao papel de financiador do bem-estar" de quem participa de ocupações de terra. Os argumentos foram rebatidos por diferentes parlamentares.

O deputado Valmir Assunção (PT-BA), por exemplo, disse que a aprovação da proposta impõe retrocessos ao país porque recupera entendimentos da antiga Lei de Terras, que foi aprovada em 1850 e favoreceu a lógica de constituição dos latifúndios no campo, bem como da ideia do delito de "vadiagem", contravenção penal prevista no Decreto-Lei 3688 e inserida no Brasil durante a ditadura do Estado Novo. Este último ponto é alvo atualmente de um projeto de lei que pede sua reavaliação por ser considerado um dispositivo que favorece o racismo e a exclusão social de grupos mais vulneráveis.

"Quando se aprova nesta Casa uma lei que diz que um trabalhador rural não tem direito a um Bolsa Família ou a disputar um concurso público [por participar de uma ocupação de terra], isso equivale à 'Lei de Vadiagem' ou à legislação que estabeleceu que o povo brasileiro tinha que viver num regime de escravidão. Querem perseguir os movimentos sociais dizendo que são organizações criminosas", criticou Assunção.

Penalidades

Além do veto à participação no PNRA para quem participar de ocupações, o PL 709 impõe um prazo de oito anos para outras sanções, como a proibição de participar de licitações ou contratos da administração pública direta e indireta em todos os entes federativos, "ainda que na qualidade de beneficiário fornecedor de programas específicos de aquisição de alimentos promovidos pelo poder público". O projeto fixa ainda que não será permitido receber benefícios ou incentivos fiscais, ser beneficiário de regularização fundiária e programas de assistência social, "inclusive os de acesso a unidades habitacionais" promovidos pelo Estado brasileiro, excetuando-se os casos em que há transferência direta de renda.

A lista traz também outras penalidades: quem for enquadrado na eventual futura lei não poderá se inscrever em concursos públicos ou processos seletivos para nomeação em cargos, empregos ou funções públicas, bem como ser nomeado em cargos públicos comissionados nem receber auxílios, benefícios ou participar de outros programas do governo federal.

O deputado João Daniel (PT-SE) disse em plenário que a proposta tem um caráter "antipovo" por retirar direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora.

"É a vergonha da Casa. É um PL que envergonha Ulysses Guimarães, envergonha Florestan Fernandes, envergonha homens e mulheres que aprovaram a Constituição. Os movimentos já sabem que eles são usurpadores da Constituição, mas os movimentos aprenderam com Margarida Alves: vale mais morrer lutando do que morrer de fome. Este projeto é a vergonha da história do parlamento. Meu repúdio a esse projeto autoritário, nefasto à história da democracia e da Constituição."

Judicialização

Outros deputados se sucederam no plenário nas críticas ao PL 709. Ivan Valente (Psol-SP), por exemplo, disse que a proposta instaura um "retrocesso civilizatório" no Brasil. "Eu ouvi aqui ontem a palavra 'terrorismo'. É absurdo. Terrorismo é o que se faz com a pistolagem no campo, que matou Irmã Dorothy, que matou Chico Mendes. É a grilagem de terras, é a ocupação das terras indígenas pelo garimpo ilegal fazendo matança. E mais: a função social da propriedade é garantida na Constituição. Então, quando ouço falar de terrorismo, me dá asco. O que se fez aqui ontem foi proibir que as pessoas se manifestem, que elas tenham direitos."

O psolista também projetou uma possível disputa judicial em torno do tema, caso o projeto siga adiante no Congresso Nacional e seja finalmente aprovado. "Eles mesmo sabem que o projeto vai chegar no Supremo e vai ser [um placar de] 10 [votos contrários] a um. [Eles fazem isso] para quê? Para baterem no STF, por isso desta tribuna quero manifestar minha total solidariedade ao MST, àqueles que lutam pela reforma agrária. Não matarão os movimentos sociais", disse Valente.

MST

O MST também se manifestou publicamente contra o projeto. Em nota divulgada nesta quarta, a entidade disse que a medida "é mais uma tentativa da extrema direita de criminalizar a luta de indígenas, quilombolas, camponeses e de diversas organizações populares que buscam uma justa, necessária e urgente democratização da terra."

"Lutar não é crime. O projeto em questão avança por articulação da milícia 'Invasão Zero', composta por parlamentares reacionários, latifundiários e armamentistas, alinhados com o bolsonarismo. É um grupo que surge no contexto da CPI contra o MST, em 2023, a qual foi encerrada sem um relatório final conclusivo, frustrando os planos bolsonaristas de criminalizar o movimento. Aproveitam-se de um momento em que nossos esforços estão voltados para reconstruir lares e se solidarizar com as famílias assentadas e as mais pobres do Rio Grande do Sul para aprovarem projetos que atacam a nossa histórica luta", continua o texto.

A organização destaca ainda que pretende "seguir em marcha". "Frente a esta nova ofensiva, reafirmarmos a reforma agrária popular como medida estratégica para combater as desigualdades no Brasil. As ocupações seguirão sendo uma forma de cobrar o preceito constitucional quanto ao cumprimento da função social da terra."

Trâmite

O PL 709 passou anteriormente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde foi relatado por Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro. No plenário, a proposta contou com a relatoria de Pedro Lupion (PP-PR), presidente da bancada ruralista. O texto segue agora para avaliação do Senado.

Edição: Nicolau Soares

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