Em contexto de guerra às drogas e PEC de criminalização de usuários, Marcha da Maconha acontece em Brasília neste domingo
Mobilização visa celebrar e reconhecer a resiliência das mulheres negras que consomem cannabis, destacando os entrelaçamentos das lutas por igualdade e justiça social
Júlio Camargo, Brasil de Fato - "Do sagrado ao proibido: a força da mulher preta e maconheira – raça, gênero e liberdade". Esse é o mote da edição 2024 da Marcha da Maconha do Distrito Federal que acontece neste domingo (26), na Esplanada dos Ministérios, a partir das 14h.
A mobilização visa celebrar e reconhecer a resiliência das mulheres negras que consomem cannabis, destacando os entrelaçamentos das lutas por igualdade e justiça social que enfrentam.
"Há 17 anos a Marcha da Maconha faz coro à interseccionalidade das lutas coletivas que atravessam o povo, em foco o povo marginalizado. Aqui falamos das mulheres pretas, por saber que são elas mesmas as maiores vítimas da tal 'guerra às drogas', que na verdade não é uma guerra contra as drogas, mas sim, um planejamento de extermínio, segregação e escravidão de corpos negros", observa Nivea Magno, uma das organizadoras regionais do coletivo Marcha DF.
A Marcha da Maconha DF é uma organização antiproibicionista e pretende informar o público e combater o preconceito e o moralismo que permeiam o debate sobre a descriminalização da maconha. A organização da Marcha aponta que o tema do 'uso de drogas', sobretudo a maconha, deveria ser tratado como uma questão de saúde pública e direito pessoal.
"Usuários precisam saber sobre o que consomem, as consequências, fazer uso da redução de danos, e principalmente não acabarem presos por porte de pequenas quantidades de drogas, que tem como consequência o encarceramento em massa, que faz com que os investimentos na segurança pública sejam altíssimos, sem finalidade nenhuma de repensar o lugar desses indivíduos. O Estado investe milhões em operações que não solucionam o problema, só reforçam velhas formas de extermínios. Se mudarmos a abordagem ao problema, o resultado certamente será diferente e, provavelmente, muito melhor".
PEC 45, não! - Nesta edição, uma das pautas da Marcha são os retrocessos da PEC 45/2023, conhecida como PEC das Drogas, que tramita no Congresso Nacional. A proposta pretende alterar o artigo 5º, "para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
A medida pode se tornar mais uma ferramenta de opressão e encarceramento, indo na contramão do objetivo original do artigo, que é garantir e proteger os direitos dos cidadãos. Na prática, se aprovada, a PEC 45/2023 passa a considerar crime a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins, independentemente da quantidade.
Para a organização da Marcha da Maconha, a proposta abre caminho para maior criminalização e encarceramento, especialmente de grupos marginalizados da população.
"Ao querer criminalizar os usuários de drogas, a PEC 45 escancara e reforça o racismo já existente e latente no Brasil. Entretanto, não é criminalizado essas pessoas que o uso de qualquer substância será encerrado. E sim abrindo o debate a respeito, fazendo políticas de assistência às pessoas que são dependentes, e conscientizando toda a população de que usuário não é criminoso", observa Nivea Magno.
Segundo a ativista, quando se fala sobre usuários de drogas vemos que o Estado tem duas alternativas: conscientizar ou exterminar - matando e prendendo essas pessoas. "Infelizmente, a segunda opção é diariamente escolhida. Por isso, a sociedade, por meio de mobilizações têm buscando há anos outras formas de ampliar o debate sobre o uso de entorpecentes na tentativa de mostrar que não é por meio do encarceramento, que hoje no Brasil soma 168.021 pessoas presas por tráficos de drogas, sendo desses 68% de pessoas negras, que a questão do uso de drogas deve ser levado", conclui Nivea.
'Guerra às drogas' - Em um discurso contundente na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o deputado distrital Max Maciel (Psol) criticou a "guerra às drogas" e a demonização da maconha, estabelecendo um paralelo com o uso de drogas lícitas.
Maciel destacou que o Distrito Federal é a unidade da Federação que "mais toma ansiolítico", afirmando de forma irônica: "Ninguém 'tá' puro no DF". O debate ocorreu em torno da PEC das Drogas.
"Muita gente acha que tem a maconha medicinal, como se fosse outra, e existe a maconha do demônio. Mas é um uso medicinal, ou até o uso recreativo, a partir da sua condição", declarou o parlamentar distrital de Ceilândia, desmistificando a separação entre diferentes usos da substância.
O deputado também mencionou os impactos negativos globais da guerra às drogas: "Todos aqueles países que investiram nessa chamada guerra às drogas já viram que deu muito ruim e voltaram atrás. Nos Estados Unidos, agora estão querendo colocar, inclusive, a maconha como os anabolizantes estão inseridos."
A sessão na Câmara foi organizada a pedido da deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP). A PEC das Drogas, que já passou pelo Senado e está atualmente em análise na Câmara dos Deputados, gerando intenso debate sobre a criminalização da posse e porte de drogas.
Redução de danos - Outros coletivos e organizações estarão presentes na Marcha expondo e defendendo a conscientização da pauta de legalização das drogas. Um deles é o Coletivo Bateu, que trabalha com atividades de redução de danos no DF.
De acordo com Luiza Aristides, uma das colaboradoras do coletivo, a luta pela legalização de todas as drogas é fundamental para promover uma série de benefícios sociais e de saúde pública.
"Primeiramente, a legalização pode contribuir significativamente para a redução do encarceramento em massa, que atinge de forma desproporcional a população negra e periférica. A 'guerra às drogas' promove políticas punitivistas que geram uma sociedade mais insegura e violenta, visto que uma questão de saúde e direito passa a ser vista como um problema de segurança. Além disso, ao legalizar e regulamentar o uso de drogas, é possível diminuir o estigma associado ao seu consumo, seja ele para fins terapêuticos ou recreativos, e aumentar o controle do Estado sobre as substâncias, o que poderia fomentar pesquisas e gerar tributos sobre elas".
A regulamentação das substâncias permitiria um controle mais rigoroso sobre a qualidade e a pureza dos produtos, reduzindo os riscos de contaminação e overdose, e facilitando a atuação dos profissionais de saúde. "Tal medida também facilitaria a implementação de programas de educação e prevenção mais eficazes, que poderiam abordar o uso problemático de maneira mais científica e menos moralista", afirma Luiza.
Ela acrescenta que a legalização da maconha, em particular, é de extrema importância, dado que é uma das substâncias mais utilizadas globalmente e possui comprovadas propriedades medicinais. "A aceitação social da maconha é maior em comparação com outras drogas consideradas mais 'pesadas'. No entanto, no Brasil, faltam espaços que proporcionem uma discussão mais ampla sobre a legalização. Experiências de países que já legalizaram o uso recreativo da maconha podem servir de referência, oferecendo dados concretos sobre os impactos positivos dessa política", finaliza Luiza Aristides.
Serviço:
Marcha da Maconha DF
26 de maio - domingo
14h20 - Concentração no gramado da Esplanada dos Ministérios, entre a Catedral e o primeiro Ministério
16h20 - Saída da Marcha
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