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BNB: da ameaça de desmonte a R$ 75 bilhões em financiamentos regionais

Após risco de desmonte no governo Bolsonaro, Banco do Nordeste registra desembolso histórico e amplia financiamentos

(Foto: Guga Matos/SeturPE)

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Por Paulo Emílio, 247 - Considerado como um dos principais instrumentos de fomento da economia regional, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) se viu sob a ameaça de ser desmontado e entregue à iniciativa privada durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, com a mudança na política econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, a instituição financeira ganhou novo fôlego e cresceu 27% em relação a 2022. “Isso mostra uma grande diferença de priorização. Agora existe realmente uma priorização governamental. O banco conversa com o governo federal. O que a gente escuta é que antes era cada um por si e Deus por todos. O banco agora é 'linkado' com o governo federal”, afirma o presidente do BNB, Paulo Câmara.

Alinhado com as políticas de incentivo à economia do governo federal, o banco retomou com força os financiamentos destinados a alavancar a economia e reduzir as diferenças regionais. O BNB encerrou o primeiro semestre de 2024 com desembolsos históricos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), totalizando R$ 21 bilhões, um aumento de 25,8% em comparação com o mesmo período de 2023. Ao longo de todo o ano passado, o banco direcionou aos municípios de sua área de atuação, que abrange 11 estados, um total de R$ 28,1 bilhões, com recurso do FNE, ante R$ 20,7 bilhões registrados em 2022. 

Os Fundos Constitucionais de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), do Nordeste (FNE) e do Norte (FNO) foram criados na Constituição de 1988 visando reduzir os desequilíbrios regionais e incentivar o desenvolvimento destas regionais. Os fundos representam 3% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que é responsável pelo FNE, fica com 60% dos cerca de R$ 3 bilhões desta destinação. O FCO fica com 20% e o FNO com os demais 20%, definidos por critérios como população, por exemplo, entre outros. 

“Este ano, o orçamento do FNE é de cerca de R$ 40 bilhões. Só que não são R$ 40 bilhões em dinheiro novo que chega na região. O que chega de dinheiro novo na região é algo em torno de 30% deste valor (cerca de R$ 12 bilhões). Para chegar ao resto dos R$ 40 bilhões tem um dinheiro que a gente empresta e que volta todo ano. Os R$ 40 bi são formados por esse recurso novo e o retorno dos desembolsos e contratações de anos anteriores”, explica Paulo Câmara. 

“Se a arrecadação aumenta, a gente recebe mais por ano por meio do FNE e quando tem determinados anos que a gente tem um maior volume de pagamentos - porque às vezes você contrata muito e desembolsa pouco e às vezes você contrata menos e desembolsa muito”, completa. Nesta linha, no ano passado, o BNB desembolsou 60% do que contratou, e a expectativa é que até o final de 2024 os desembolsos cheguem perto de 80%.  

No primeiro semestre deste ano as contratações globais chegaram a R$ 29,15 bilhões, crescimento de 11,8% na quantidade de operações realizadas no mesmo período de 2023. Deste total, R$ 23,1 bilhões em financiamentos feitos pelo BNB foram com recursos oriundos do FNE. 

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Já os desembolsos feitos por meio apenas do FNE chegaram a R$ 21 bilhões, incremento de 25,8% quando comparado com o primeiro semestre de 2023. Quando consideradas todas as fontes de financiamento, os desembolsos somaram R$ 27 bilhões, alta de 11% com relação aos primeiros seis meses de 2023, e as contratações somaram R$ 29 bilhões em novas operações ao longo do período.

Ao longo de todo o ano passado, o banco contratou um total de R$ 58,5 bilhões em toda a sua área de atuação, que abrange todos os estados do Nordeste, o norte de Minas Gerais e o Espírito Santo, com recursos oriundos do FNE e de outras fontes operadas pela instituição. A estimativa, segundo dados do próprio BNB, é que esses recursos resultaram na geração ou na manutenção de 2,5 milhões de postos de trabalho . 

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Paulo Câmara(Photo: Divulgação)Divulgação

A programação do FNE para o próximo ano, segundo Câmara, é de 18,5% em cima dos R$ 40 bilhões. “Então vamos chegar perto de R$ 48 bilhões só via FNE, fora os recursos próprios do banco, que correspondem a 20%. No ano passado, o BNB contratou R$ 58 bilhões e do FNE foram contratados R$ 43 bilhões. O desafio que a gente tem desde o ano passado é aumentar essa diferença para não ser tão dependente do FNE. Esperamos ter este resultado em 2025”, afirma. 

A projeção encontra eco na realidade, uma vez que em 2023 o banco captou R$ 1,4 bilhão junto ao governo federal e cujo processo foi finalizado no final do primeiro semestre deste ano. “Isso abriu um espaço de R$ 13 bilhões. Então estamos indo atrás para colocar mais R$ 13 bilhões em negócios que vão se somar aos R$ 47 bilhões que vai ser o FNE de 2025, mais o capital próprio do BNB, que é algo em torno de R$ 15 bilhões, mais os R$ 13 bilhões”, observa Paulo Câmara. 

“Então vamos para cerca de R$ 75 bilhões. Mas sabemos que, apesar disso, não haverá tempo para tanta captação e também não interessa ao banco captar qualquer tipo de recurso, tem que captar recurso que tenha sinergia com o que o banco faz, em áreas que o banco tem mais carência, como infraestrutura, e com um custo financeiro compatível. 

Esta gama de recursos é voltada para o crescimento econômico da região, geração de emprego e o fomento do desenvolvimento regional por meio da oferta de crédito mais barato que o disponibilizado pelo mercado financeiro, para setores como o agronegócio, indústria, comércio, serviços e infraestrutura. 

Com base nesse foco, 21% dos recursos são voltados para o setor de infraestrutura, 22% para a agricultura, 22% para a pecuária, 10% para a indústria e 20% para o comércio. O restante atende a outros setores, como turismo, agroindústria e pessoas físicas. 

Captação internacional 

Para 2025, a meta, segundo Paulo Câmara, é “ter mais recursos externos para se juntar ao FNE, com juros mais compatíveis com a taxa que a gente atua”. Estes recursos externos são captados junto a instituições internacionais como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e o New Development Bank (NDB - o chamado Banco dos Brics), que tem forte atuação no setor de infraestrutura, especialmente no segmento de energias renováveis, que, no momento, o banco não consegue atender a demanda regional.

Segundo informações do BNB, o programa de financiamento com o uso de recursos externos foi iniciado em 2023, por meio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), totalizando US$ 1,33 bilhão (cerca de R$ 6,38 bilhões), o que proporcionou ao banco ampliar a oferta de produtos e alcançar novos públicos, como governos estaduais e municipais. 

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Energia eólica(Photo: Ricardo Stuckert/PR)

Recentemente, o diretor de Planejamento do banco, José Aldemir Freire, afirmou que a instituição destinou R$ 26,7 bilhões para projetos de infraestrutura, com destaque para o segmento de energia limpa, nos últimos três anos. Neste período, os empréstimos voltados para os segmentos de energia solar e eólica chegaram a R$ 17,8 bilhões. Além destes dois segmentos, o foco do BNB para os próximos anos estará voltado para a área de hidrogênio verde (H2V) e de eólicas offshore. 

Infraestrutura 

Ainda no setor de infraestrutura, o saneamento básico também recebeu uma forte atenção por parte do banco de fomento, com R$ 2,97 bilhões investidos entre 2021 e 2023. Essa área é considerada prioritária, uma vez que a cobertura de água alcança 74,7% da população do Nordeste e apenas 30,2% são beneficiados com sistema de esgoto.

Para reduzir esta disparidade, o BNB tem acelerado as análises e contratações com o objetivo de contribuir com as metas estabelecidas pelo governo Lula. Visando alcançar estas diretrizes, o crescimento das contratações de 2022 para 2023 superou 6.600%. Neste ano, até o momento, o banco já direcionou cerca de R$ 1,78 bilhão para o setor de saneamento em sua área de atuação. 

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“O banco vem aportando mais em infraestrutura, seja por meio de concessões ou em parcerias público-privadas (PPPs). Um exemplo está no saneamento, área que temos intensificado desde o ano passado, porque estados e municípios têm prazo devido ao marco legal do saneamento, que é 2033. Muitas vezes financiamos diretamente as companhias de água, que são estatais não dependentes e a gente pode financiar, e parceiros privados. Muitos estados estão com concessões ou PPPs, então financiamos o parceiro privado. Estamos muito focados nisso também”, ressalta o presidente do BNB.

O crescimento econômico do Nordeste acima do registrado pelo Brasil justifica a atenção do banco com o avanço da infraestrutura regional. No primeiro trimestre deste ano, a região cresceu 3,2% e o Brasil 2,5% e, segundo dados do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), o PIB (Produto Interno Bruto) per capita regional deverá registrar um crescimento nominal acima de 50% até 2030. 

Em relação ao crescimento do emprego, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que o Brasil registrou um saldo de 1,3 milhão de empregos com carteira assinada no primeiro semestre de 2024. No Nordeste, este saldo chegou a 142 mil postos de trabalho. 

Com base nesses dados, o BNB tem os investimentos em infraestrutura como fundamentais para assegurar a competitividade e produtividade das cadeias produtivas, redução de custos, geração de emprego e renda, além da redução da desigualdade do Nordeste frente a outras regiões do país. 

Incentivo à agropecuária 

O banco também é um dos maiores indutores do setor agropecuário, respondendo por pouco mais de 48% dos financiamentos agrícolas em sua área de atuação. O percentual é ligeiramente inferior quando em comparação com os recortes industrial e comercial que, juntos, correspondem a 52% dos financiamentos.

“O agrícola é menor que o industrial devido a atuação de outros agentes, como o Banco do Brasil que é um grande parceiro deste setor. Mas se juntar o BNB e o Banco do Brasil, eles são os responsáveis pelo financiamento deste setor”, observa Paulo Câmara. 

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Cultivo de uva(Photo: Agência Brasília)Agência Brasília

Atualmente, o BNB é responsável por 49% do crédito rural e 90% do crédito para agricultura familiar na região Nordeste, com expectativa de ampliar sua atuação nos próximos anos, especialmente em setores como produção de grãos e frutas. 

De acordo com dados da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), quatro estados do Nordeste são responsáveis por exportar o maior valor de frutas do Brasil. Sozinhos, Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte faturaram US$ 780 milhões em 2023, de um faturamento total superior a US$ 1 bilhão. O Vale do São Francisco, localizado em pleno semi-árido nordestino, respondeu por mais de 90% das exportações nacionais de uva de mesa e manga.

Somente neste ano, o orçamento do Plano Safra 2024/2025, é de R$ 21 bilhões, sendo R$ 11 bilhões destinados para o agronegócio e o restante para a agricultura familiar. O volume de recursos é R$ 1,5 bilhão maior que o disponibilizado no Plano safra 2023/2024 e visa ampliar em 17% a oferta de crédito para os agricultores familiares, demonstrando o peso da instituição junto ao segmento.  

Micros e pequenos

Um outro ponto importante da atuação do banco junto à economia da região está junto ao segmento de Micro e Pequenas Empresas (MPE). Segundo dados da própria instituição financeira, o número de operações contratadas com recursos do FNE cresceu 21,6% e o volume contratado aumentou 7,6%, somando R$ 2,8 bilhões ao longo do primeiro semestre deste ano, quando comparado com o mesmo período do exercício anterior.

Além disso, as operações de microfinanças urbanas e rurais também tiveram crescimento. O programa de microcrédito urbano, batizado de “Crediamigo”, contratou R$ 5,46 bilhões, alta de 12,3%, enquanto o “Agroamigo” teve uma evolução de 147,3%, com R$ 4,56 bilhões aplicados. Nesta linha, o Banco do Nordeste exibe uma das maiores experiências em microfinanças da América Latina, realizando mais de 16 mil operações por dia com o Agroamigo e o Crediamigo.

Além deste segmento, o Banco do Nordeste (BNB) também superou a marca de R$ 6,5 bilhões contratados em 2024 junto a empresas com faturamento entre R$ 4,8 milhões e R$ 400 milhões por ano. As operações, realizadas entre janeiro e agosto deste ano, superam o volume contratado ao longo de todo o ano passado. 

Neste ponto, Paulo Câmara volta a observar que os dados demonstram a importância para o Nordeste do banco que sofreu até mesmo ameaças de ser fechado ou entregue à iniciativa privada ao longo da gestão de Jair Bolsonaro. ”Nas últimas décadas os instrumentos de desenvolvimento, principalmente no tocante a infraestrutura, estão encolhendo. A Sudene perdeu força, o Nordeste perdeu empresas que atuavam no desenvolvimento da infraestrutura, a maior delas foi a Eletrobras, que foi vendida e colocou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) fora deste conceito. Os órgãos que atuavam e tinham predominância importante, como o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), também encolheram muito. O que restou efetivamente foi o Banco do Nordeste como maior agente”, observa o executivo. 

“Existe uma lógica e um planejamento por trás disso que envolve relevância do empreendimento, os segmentos, a questão espacial. O banco tem foco especial no semiárido, isso é muito claro, a desconcentração do investimento. Também buscamos fazer a distribuição dos portes dentro dos estados e os programas governamentais. A lógica é ser um órgão de desenvolvimento atrelado às prioridades governamentais”, afirma. 

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