Marco Aurélio Carvalho pode ser o nome surpresa do PT para a disputa em São Paulo
O advogado, que integra o grupo Prerrogativas, tem perfil conciliador e mantém boas relações com nomes de dentro e fora do partido, como Fernando Haddad, José Eduardo Cardozo e Marta Suplicy
247 – A candidatura do Partido dos Trabalhadores à prefeitura de São Paulo pode trazer um nome novo para disputa. Seria o do advogado Marco Aurélio Carvalho, advogado que já foi do setorial jurídico do PT e hoje comanda o grupo Prerrogativas, de defesa da advocacia e dos direitos humanos. A informação foi publicada pela jornalista Mônica Bergamo em sua coluna. Carvalho tem perfil conciliador e mantém boas relações com nomes de dentro e fora do partido, como Fernando Haddad, José Eduardo Cardozo e Marta Suplicy.
Confira uma entrevista recente e também sua participação na TV 247:
Do Conjur – A delação no Brasil foi vulgarizada, sendo apenas um método do Ministério Público impor o que deseja que seja dito pelo delator. A afirmação é do advogado Marco Aurélio Carvalho em entrevista ao portal Brasil 247.
Membro integrante do Grupo Prerrogativas e associado fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Carvalho ressaltou que a delação é instrumento que está sendo utilizado de forma muito distante do previsto na lei e que, do modo como está, transforma o advogado do processo em um escriba do Ministério Público.
"Geralmente as delações já vêm prontas do Ministério Público", diz, com conhecimento de quem ouviu em primeira mão relatos de colegas que atuaram nos casos. Carvalho afirma que a comparação do ministro Gilmar Mendes do processo de delação como tortura é uma imagem completamente adequada.
O advogado critica o chamado pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, e afirma que a Constituição é clara em vetar execução de sentença antes do trânsito em julgado.
Leia a entrevista:
TV 247 — A primeira coisa que eu queria te perguntar, até para te apresentar para o nosso público, é te pedir para falar o que é o Grupo Prerrogativas e porque tantos advogados têm se reunido, recentemente, em defesa do direito de defesa no Brasil, em defesa da própria advocacia.
Marco Aurélio Carvalho — O nosso grupo hoje tem cerca de 300 integrantes, o limite máximo permitido para grupos de WhatsApp. E ele ganhou uma institucionalidade, tem participado dos debates nacionais mais relevantes, sempre através da perspectiva da intervenção jurídica e hoje tem professores, juristas, advogados, enfim, que são reconhecidos e acreditados profissional e academicamente. É um grupo que participou, nos últimos seis anos, dos momentos mais delicados do país. Recentemente do impeachment, enfim, de forma muito ativa em relação a todos os retrocessos que o direito de defesa sofreu e vem sofrendo. Nós estamos conseguindo organizar uma resistência, uma resistência muito positiva. Talvez hoje a gente tenha, na advocacia, o melhor momento para fazer essa resistência. Entidades como o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, como o IBCCRIM, que é o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, como o próprio Conselho Federal da Ordem, o Sindicato dos Advogados de São Paulo, estamos de mãos dadas fazendo esse enfrentamento. Então nós vivemos, na advocacia, uma retomada, uma recuperação do protagonismo da advocacia. Nos últimos muitos anos, a advocacia ou se omitiu ou foi parte importante desses retrocessos que nós estamos denunciando
TV 247 — É exatamente esse ponto que eu queria abordar com você, Marco. Porque a gente viveu talvez o momento mais punitivista da história do Brasil. Cláusulas pétreas da Constituição que foram ignoradas, o caso da prisão em segunda instância, especialmente no caso do ex-presidente Lula. E um protagonismo muito grande no Ministério Público, dos promotores e também dos juízes. Então é aquela coisa, o juiz que vira super-herói, o promotor que vira super-herói. E na advocacia, você tinha até advogados que, na verdade, viravam acusadores, porque eles viraram, eles aderiam à delação. Como é que você viu esse período histórico no Brasil e o papel da advocacia atuando na delação também?
Marco Aurélio Carvalho — Olha, eu acho que é um tema realmente muito delicado. Ele é, na verdade, debatido frequentemente por essas entidades. Claro que nós temos que respeitar os colegas que optam por esse caminho. Eu particularmente acho que é um caminho equivocado. A delação, no Brasil, foi vulgarizada. É um instrumento que está sendo utilizado de forma muito distante daquela inicialmente prevista quando ele foi criado. Então hoje nós sabemos que o delator falar absolutamente tudo o que o Ministério Público quer que ele fale. Então, o advogado, apenas e tão somente vira um escriba, alguém que, enfim, assim como um notário em determinadas circunstâncias, reduz a termo aquilo que dizem que ele deve reduzir a termo. Então, o papel, enfim, do advogado foi restrito, digamos, a uma tarefa talvez até feia, diria eu.
TV 247 — É uma negociação, né, na verdade? É uma barganha.
Marco Aurélio Carvalho — É uma negociação. Os advogados que atuam no direito criminal propriamente dito têm muita resistência a esse tipo de atuação. Eu respeito os colegas que atuam nessa área e que atuam seriamente, que não compactuam com os objetivos do Ministério Público em inventar tais ou quais versões. Mas infelizmente nós sabemos que isso é uma criação, é uma mentira, essa figura não existe, praticamente. São poucos os advogados que têm independência ao apresentar, enfim, o seu trabalho em uma delação. Geralmente as delações já vêm prontas do Ministério Público. A gente acompanhou isso na Lava Jato várias vezes, enfim, o caso da Petrobras em especial, quem teve a oportunidade de observar algumas oitivas pôde notar que, em alguns momentos, os promotores diziam: “Olha, não me interessam esses fatos pretéritos. Eu quero saber daqui para frente. Do Lula para frente”.
TV 247 — Do Lula para frente, o Fernando Henrique já não interessava mais.
Marco Aurélio Carvalho — Neste caso era uma orientação clara, com o objetivo específico de criminalizar um determinado grupo, a gente sabe bem, mas em outros casos as delações vinham prontas e os sujeitos diziam… Eu ouvi de amigos meus que trabalham nessa área. Diziam algo como: “Olha, se não envolver um ministro importante, se você não envolver o presidente da República, a presidenta Dilma, realmente nós não vamos conseguir conversar”. Isso aconteceu com muita gente, infelizmente. Isso vulgarizou o instituto e hoje ele não tem nenhuma credibilidade.
TV 247 — Você acha que a imagem usada pelo ministro Gilmar Mendes, de tortura, é uma imagem adequada?
Marco Aurélio Carvalho — Completamente adequada. Uma das coisas que tem que ser revista, na minha opinião, na delação, é a circunstância em que ela, na verdade, toma corpo. Você fazer a delação com o réu preso é quase um convite para que o sujeito minta, para que o sujeito diga o que você quer que efetivamente ele diga. Essa é a verdade. Se o réu está solto, não tem nenhum tipo de pressão do Estado, dos seus familiares, nenhuma pressão que a própria prisão impõe, aquela ansiedade de sair, ele tem muito mais tranquilidade para apresentar os fatos...
TV 247 — Mas também tem muitos que se tornaram delatores porque já viam o retrospecto daqueles que haviam sido presos. Então, olha, mesmo… Porque a Lava Jato usou muito esse argumento, que muitos delatores não estavam presos quando eles se tornaram delatores. Mas eles já tinham visto o que tinha acontecido com outros.
Marco Aurélio Carvalho — Não há a menor dúvida.
TV 247 — Então tinha uma demonstração, né, dos métodos?
Marco Aurélio Carvalho — Sem dúvida nenhuma. Inclusive as revelações que foram feitas pelo site Intercept Brasil confirmam isso que você está dizendo. Em vários momentos, salvo melhor juízo, no caso específico de duas ou três empreiteiras, isso saiu recentemente em um jornal de grande circulação, ficou claro que o Ministério Público usou isso como um instrumento de pressão, dizendo: “Olha, tem alguém aqui que está há não sei quantos meses e você pode ser o próximo”.
TV 247 — E tem um caso interessante também, do Sérgio Machado, se não me engano. Eles falam nos núcleos de WhatsApp, dizendo: “Tem as contas dos filhos já na Suíça”. Lá, não sei aonde. Eu te pergunto: diante do que aconteceu, essas provas, já que você mencionou o caso Intercept... Essas provas têm que ser validadas ou não? São provas ilícitas? Como você vê esse debate?
Marco Aurélio Carvalho — Então, nós temos que separar, na verdade, em duas dimensões. Essas provas devem ser utilizadas em favor do réu que foi injusta e criminosamente acusado. No caso, por exemplo, do presidente Lula, eu não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. Essas provas têm que ser utilizadas sim para inclusive confirmar a perseguição que ele sofreu e a prisão injusta e criminosa da qual ele é vítima ainda hoje, o que é um absurdo, enfim, a gente imaginar que em um país civilizado, há mais de um ano, uma pessoa está presa injustamente. Mas enfim, mas para acusar os agentes do Estado, o então juiz Sérgio Moro, o promotor Dallagnol e a força tarefa, é discutível. Então as provas poderiam valer para inocentar determinadas pessoas, mas não valeriam para acusar outras tantas.
TV 247 — Não valeriam para acusar… Agora, tem (...) na história, porque se tivesse sido aprovado o pacote das dez medidas, a prova ilícita valeria para acusar também.
Marco Aurélio Carvalho — Sem a menor dúvida. O Sérgio Moro seria vítima de algo que ele inoculou na sociedade brasileira. Um conceito absolutamente equivocado, aliás. Aquelas dez medidas eram realmente um horror. Ainda bem que o pacote está sendo derrubado através de uma força tarefa – usando o termo parlamentar – muito eficiente. Nós temos vários deputados que estão resistindo bravamente e derrubaram as principais propostas do Projeto Anticrime. São equivocadas mesmo.
TV 247 — Muito bom. Houve uma posição coletiva da ABJD, do Prerrogativas em relação às dez medidas naquele momento ou não
Marco Aurélio Carvalho — Sim, na verdade, não só em relação à ABJD, mas também em relação a essas entidades, o IBCCRIM, o IDDD, o Sindicato dos Advogados de São Paulo e a própria OAB. Todas essas entidades emanadas, enfim, na perspectiva de defesa do direito de defesa, do Estado de direito, da democracia, se reuniram e montaram uma estratégia para resistir no Congresso ao avanço destas propostas que são realmente um retrocesso pleno ao nosso Estado de direito tal como conformado pela Carta de 1988. Nós tivemos um resultado muito positivo. Foi realmente uma ação, digamos, de protagonismo da advocacia e dessas entidades todas. Foram produzidos materiais a respeito, nós interagimos com deputados de diversas bancadas, promovemos eventos e, graças a Deus, tivemos um sucesso, pelo menos até agora, bastante significativo.
TV 247 — E o pacote Anticrime, por que você avalia que ele é perigoso para a sociedade brasileira?
Marco Aurélio Carvalho — Olha, na verdade, o Sérgio Moro não entende absolutamente nada de política pública para a segurança. A gente pode perceber isso em pouquíssimos meses de Ministério da Justiça. E é um projeto que aprofunda ainda mais essa política de encarceramento em massa, que infelizmente é uma lógica das políticas públicas nessa área no país. Nós estamos extremamente preocupados porque a população mais vulnerável seria de fato a população atingida. Situações como as que aconteceram no Rio de Janeiro seriam ainda mais corriqueiras, com a menina Ágatha, que infelizmente sofreu uma morte absurda, absolutamente inexplicável, por um agente do Estado mal preparado. O pacote aprofunda esse tipo de situação. Aumenta o punitivismo do Estado. Não cria, na verdade, saídas que possam, na verdade, nos tirar desses números que tanto nos alarmam. Por exemplo, ele pensar em produzir algo que seja mais forte do que o que já existe no ordenamento jurídico, para proteger o policial no exercício de sua atividade. Pensar em aumentar ainda mais essa proteção?
TV 247 — Eu ia te perguntar, Marco, como que é a situação do policial hoje? Porque, por exemplo, se defende, eles defendem o tal excludente de ilicitude, né? Tem o auto de resistência. Tem muitas mortes no Brasil que são causadas nos chamados autos de resistência, que você não sabe se o policial está resistindo ou se ele está objetivamente assassinando. O pacote seria uma licença para matar, como as pessoas que são mais alinhadas aos direitos humanos falam? Ou não? Ou é só uma proteção jurídica maior para o policial?
Marco Aurélio Carvalho — Na minha avaliação, é mais forte até do que uma licença, eu acho que é um convite para matar, não há a menor dúvida. Nós sabemos que alguns estados brasileiros vivem uma situação de quase guerra civil. Veja o que acontece, por exemplo, hoje na cidade do Rio de Janeiro. Então você ter uma proteção maior do que a da legítima defesa é realmente um convite para matar.
TV 247 — Hoje já existe uma proteção?
Marco Aurélio Carvalho — Não há a menor dúvida. Se o policial estiver numa situação de risco em que a única possível saída seja de fato ele atacar, enfim, esse agressor, ele está protegido pela legítima defesa. Ele precisava, evidentemente, tutelar a sua própria vida e não tinha outra saída possível. Ele empregou a força na exata medida do que força era necessária. E aí há tranquilidade em relação a essa compreensão. O problema é que você, na verdade, criar um excludente de ilicitude por violenta emoção, é você deixar a coisa muito subjetiva. Evidente que todo policial em campo, em uma situação de confronto como essa, ia atirar e ia se valer da chamada violenta emoção e coisa do gênero. É realmente uma proposta que é um horror, um absurdo.
TV 247 — Como é que o Brasil chegou a esse ponto, Marco? Por que, por exemplo, se a gente olha as discussões, né? Toda pessoa… Quer dizer, a gente via isso muito, por exemplo… O filme Tropa de Elite, por exemplo, né. Aqueles que defendem os direitos humanos passam a ser taxados de defensores de bandidos, isso é um carimbo que muitas vezes se coloca na esquerda. Eu sei que você tem um papel, um protagonismo também nos debates da esquerda. Como é que a esquerda pode se colocar na segurança pública sem eventualmente parecer que está defendendo bandidos?
Marco Aurélio Carvalho — Essa é uma questão, para nós, da esquerda, de modo no geral, para o nosso campo, é uma questão difícil de abordar. Porque, afinal de contas, é um tema bastante profundo. Envolve uma discussão até, talvez, de cunho filosófico. Mas acho que a política pública de segurança tem que ser complementar a um outro tipo de política pública. Nós tivemos no Brasil, na era Lula e no começo, enfim, do primeiro governo da presidenta Dilma, talvez até no governo todo dela, nós tivemos políticas públicas de inclusão das populações periféricas. Nós tivemos, enfim, através do Ministério da Educação, em especial, o programa PROUNI, inserção de um número enorme de brasileiros nos bancos escolares, o que mudou a realidade de um número enorme de famílias. Nós tivemos políticas públicas importantes para cultura e lazer, o que, cá entre nós, também diminui bastante – há estudos que comprovam – a violência, sobretudo nas periferias. Então há um conjunto de políticas públicas associadas às políticas públicas específicas de segurança pública que deveriam ter sido implementadas. Infelizmente, no Brasil, hoje nós temos um Estado absolutamente punitivista e não é um Estado parceiro, não é um Estado amigo, não é um Estado próximo do cidadão. E aí, evidentemente, a regra que vale é a regra do Moro, do morro né, que não deixa de ser a regra do Moro. Perdão aí ao trocadilho. Mas que é a criação de um Estado paralelo na assistência social, enfim, na atenção de direitos básicos, que são tão esquecidos, sobretudo para essas populações que são vulneráveis. Então, esse conjunto de políticas públicas, se bem combinadas, poderiam dar a saída necessária para esse problema que nós estamos vivendo hoje.
TV 247 — Deixa eu agradecer, estamos chegando aqui com um novo assinante: o João Brito Campos. Um novo assinante agora da TV 247, muito obrigado. Para esgotar esse tema do combate à violência, da inserção social... Como você vê a questão da guerra às drogas no Brasil? Você tem uma posição clara? O grupo tem? O Prerrogativas? Deve ser muito diversa. Mas a sua posição sobre o combate às drogas no Brasil, guerra às drogas.
Marco Aurélio Carvalho — É um tema muito importante, aliás, que tem relação direta com essas questões de violência de um modo geral. O IBCCRIM, que é o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, presidido até o ano passado pelo Cristiano Maronna, e agora pela colega supercombativa Eleonora Nacif, tem um estudo fantástico. Até um rapaz chamado Gabriel é quem faz esse trabalho, digamos de sedução dos parlamentares na perspectiva de descriminalização das drogas, tem dados extremamente atualizados a respeito. Eu acredito que nós teríamos que caminhar para a descriminalização. Não há outro caminho. As experiências do mundo são muito positivas. E, infelizmente, hoje, nós temos, salvo melhor juízo, 30 ou 40% de presos provisórios no país, em um sistema carcerário que está superlotado e que é uma verdadeira escola do crime. Se você for observar essas prisões, a gente observa que parte expressiva dessas pessoas que estão enfim, trazendo o sistema para o colapso, enfim, o sistema carcerário, é formada pelo pequeno traficante, pelo consumidor de droga que foi enquadrado de forma equivocada. Então, eu acho que a descriminalização como forma de política pública, acompanhada de outras medidas é o caminho, é o melhor caminho, enfim, para a gente sair dessa situação.
TV 247 — Já vou fazer a propaganda aqui, depois do Marco Aurélio a gente vai ter uma entrevista com a Mercedes, que é quem promove a feira no Uruguai todo ano que é a Expo Cannabis, não sei se...
Marco Aurélio Carvalho — Ah, que legal!
TV 247 — São todos os negócios em torno da legalização, que foi bem-sucedida no Uruguai. O João Bruto chegou como assinante aqui também e ah, são duas, tem duas assinaturas do João. Cuidado, João, obrigado, mas talvez tenha sido um equívoco fazer em duplicidade, que apareceu duas vezes. Bom, vamos continuar então, eu queria passar para os temas nacionais. Você mencionou, o ex-presidente Lula está preso há mais de um ano, 550 dias, mais do que isso até, e muitas pessoas o veem como um preso político, essa é a posição predominante no mundo jurídico. Eu te pergunto: há uma perspectiva real de solução para esse impasse no Brasil virar pela suspensão da prisão na segunda instância, pela suspensão do ex-juiz Moro? Qual é o caminho para a liberdade do Lula na sua opinião?
Marco Aurélio Carvalho — Acho que a pergunta já trouxe inclusive a resposta, te agradeço. Na verdade, nós temos duas grandes oportunidades para que o Lula seja, enfim, efetivamente devolvido aos braços da população, digamos assim. Nós temos a discussão que se dá na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, da suspensão do então juiz Sérgio Moro. Essa discussão, na minha humilde avaliação, por si só, já seria suficiente para provocar o resultado da liberdade do Lula, pela qual a gente tanto luta e na qual a gente tanto acredita e tudo o mais. E temos a outra oportunidade que poderia se dar no julgamento das ADCs de presunção de inocência, as ações declaratórias de constitucionalidade 43, 44 e 54.
TV 247 — Isso é a prisão em segunda instância?
Marco Aurélio Carvalho — É a prisão em segunda instância. Há um comando literal da Constituição Federal no país, na nossa Carta de 1988, que diz que a prisão só pode de fato ser executada depois de transitar em julgado o processo, depois de você usar todas as oportunidades de defesa. Isso tem lógica. Se a Constituição tutela em primeiro grau a vida, a liberdade, ela tem que, evidentemente, prestigiar o princípio da presunção de inocência. Porque a última coisa que um Estado de direito quer, sobretudo um Estado democrático de direito, é levar ao sistema carcerário – no caso do brasil, inclusive, uma escola de criminalidade – um cidadão que é inocente. Então, se há possibilidade de revisão através de recurso, não há lógicas nenhuma em você começar, digamos, a executar essa pena, porque a liberdade você não devolve. O que fizeram com o presidente Lula, não dá para restituir. É uma coisa que inclusive revolta, sobretudo, a gente que trabalha com direito. Esses 500 e pouco dias que ele passou injustamente aprisionado e Curitiba não serão devolvidos para ele. Essa é a grande verdade. Então, não haveria prejuízo em aguardar o trânsito em julgado para eventualmente executar a pena. Nesse caso, evidentemente, não iam executar, porque realmente o processo é uma farsa, nós sabemos disso, ele começou pelo final. O resultado era: precisamos tirar o Lula das eleições. Então esse era objetivo final. Começou por aí e aí montaram toda a farsa, a gente sabia muito bem. Então estes dois processos podem, ainda neste mês, ao que parece, pelo que disseram alguns ministros do Supremo, inclusive publicamente.... O ministro Gilmar Mendes esteve na TV Cultura, no programa Roda Viva, e falou isso agora, esses dias. Esses dois processos, por si só, podem trazer o Lula para a liberdade. Nós acreditamos muito sinceramente nisso.
TV 247 — Mas o Supremo teria coragem de colocar em votação a suspensão do Moro? Porque o Supremo é uma corte muito política também, né? Confrontar assim abertamente e diretamente um ministro da Justiça?
Marco Aurélio Carvalho — Essa é mais uma pergunta extremamente relevante. Eu acredito que sim. O Supremo, aos poucos, está voltando a ter um papel contramajoritário para o qual ele foi desenhado pela Carta de 1988. Ao Supremo não cabem os calouros, aplausos, reconhecimento público. Muito ao contrário. Ao Supremo cabe a função contramajoritária de dizer o direito contra, inclusive, se for o caso, a opinião pública, a opinião publicada. Os ministros precisam ter tranquilidade para, digamos, nessa função que abraçaram, decidir sem nenhuma preocupação, digamos assim, sem a preocupação do que vão dizer tais ou quais hordas. Infelizmente, nós temos muitas torcidas organizadas ávidas por justiçamentos. Mas eu acredito que o Supremo tem demonstrado maturidade, ele está reencontrando essa posição contramajoritária. Recentemente, em decisões polêmicas, como a decisão que envolve o filho do presidente Bolsonaro, o Supremo mostrou isso. Uma decisão antipática, mas correta. O ministro Toffoli estava correto quando limitou a competência dos órgãos, enfim, do Estado...
TV 247 — Explica melhor. Porque muitas pessoas ficaram: “Ah, não, veja bem, o Toffoli está destruindo a Lava Jato porque segurou a investigação do Flávio Bolsonaro em relação à Coaf”. Por que é uma decisão correta na sua opinião?
Marco Aurélio Carvalho — Olha, o ministro Gilmar Mendes recentemente disse algo que, enfim, eu vou utilizar aqui porque eu acho bastante feliz: “Nós não podemos, a pretexto de combater a corrupção, cometer crimes impunemente”. Essa é a verdade. Infelizmente, o Estado, com a força que tem, quando foge dos trilhos, tende a cometer abusos, tende a cometer delitos e, vez ou outra, acaba fugindo de qualquer grau de responsabilização. Existem competências definidas para a Receita Federal, para os órgãos, enfim, de fiscalização e controle como o Coaf. Quando esses órgãos transbordam destas competências e sem autorização judicial compartilham dados e etecetera, precisam ser contidos. O que o ministro Toffoli disse é efetivamente o que a nossa legislação diz, que tem que ter limite para esse tipo de ação. Se há um pedido judicial de quebra de sigilo, evidentemente que esses dados têm que ser compartilhados. Agora, se não há justificativa, base jurídica para tanto, evidentemente que eu tenho que impor limites a essa ação estatal. Então a decisão dele está, na minha avaliação, corretíssima. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. Acho mais até, acho que ele demonstrou coragem e maturidade, exatamente porque é uma decisão contramajoritária. A opinião pública pensa de forma completamente oposta.
TV 247 — É, parte dela, né? Parte de opinião pública.
Marco Aurélio Carvalho — Parte dela
TV 247 — Parte que é manipulada por essas redes sociais e tal. Falando nisso, inclusive, e voltando à questão da prisão em segunda instância, o Congresso também tem deixado muito claro que não vai votar o pacote do Moro se ele insistir na prisão em segunda instância. Inclusive, o Rodrigo Maia deu uma entrevista dizendo que isso jamais poderia ser projeto de lei. Teria que ser pelo menos uma emenda constitucional. E tem gente no Supremo que defende que teria que ser uma nova Constituição, porque é cláusula pétrea da Constituição a presunção de inocência. Qual é a sua avaliação sobre isso?
Marco Aurélio Carvalho — Eu entendo que a gente teria que ter, digamos, uma nova configuração constitucional, um novo retrato.
TV 247 — Só isso poderia mudar?
Marco Aurélio Carvalho — Na minha avaliação sim. É discutível se uma emenda teria condições de mudar. Agora, efetivamente, o projeto de lei não tem. A única coisa que a gente discute seria isso, e eu fico assustado, como um juiz, enfim, passou para um concurso rigoroso. A gente sabe que os concursos para a magistratura são dificílimos, propõe uma coisa como essa. Um assessor legislativo teria condições de dizer que se trata de um equívoco, um grande equívoco. Agora, veja, ele próprio assume uma coisa, que eu acho que é interessante e talvez as pessoas tenham explorado pouco. A partir do momento em que ele diz que precisa de um regramento diferente do que existe é como se ele estivesse validando exatamente aquilo que nós estamos defendendo no Supremo: que eu só posso prender depois de transitar em julgado tal ou qual processo. Se ele está pedindo para mudar, o ordenamento é que não dá para ele fazer o que ele fez de tantas formas.
TV 247 — Pois é. Aí a gente pergunta: por que o Lula está preso? A gente chega a essa questão.
Marco Aurélio Carvalho — Porque é o Lula, né? Na verdade, veja, infelizmente... Aliás, que bom que ele é a nossa maior liderança política, e não é só a maior liderança política do país, é uma das maiores lideranças políticas do mundo. Uma capacidade de compreensão do sentimento do povo que é absolutamente invulgar, única, singular. Mas exatamente por isso que ele está preso, pelas virtudes dele. O presidente Lula, à época, era o franco favorito para essas últimas eleições presidenciais. Poderia, inclusive, encerrar o pleito em primeiro turno. Todo mundo sabia disso.
TV 247 — Então, e ele poderia ter vencido a eleição inclusive preso, mesmo preso. E aí ele foi retirado da disputa eleitoral por uma decisão do TSE. Essa decisão do TSE também afrontou a lei no Brasil?
Marco Aurélio Carvalho — Eu particularmente não tenho dúvidas. Nós temos pareceres de colegas que são realmente muito credenciados na área eleitoral, como o colega Fernando Neisser, entre tantos outros que atuam nessa área, e que disseram que ele tinha efetivamente o direito de concorrer e, uma vez concorrendo, caso nós tivéssemos êxito no pleito, e a gente acredita que teríamos, ele poderia inclusive assumir a presidência da República. Eu não tenho dúvida disso, com toda franqueza, eu acho que o TSE se equivocou, agiu com o objetivo claro, assim como o juiz Sérgio Moro, que hoje serve ao candidato que ele favoreceu, agiu com o objetivo de tirar o Lula das eleições.
TV 247 — E isso está se tornando cada vez mais consensual. A gente falou sobre a advocacia. Eu queria te perguntar a sua avaliação sobre o atual comando da OAB. Porque adota posições firmes, entrou em confronto com o próprio presidente da República em algumas ocasiões. Houve um ataque muito covarde ao pai do presidente da OAB, que foi assassinado pela ditadura. Você acha que a OAB está voltando aos bons tempos?
Marco Aurélio Carvalho — Não há a menor dúvida. Hoje os advogados têm orgulho de dizer que têm uma representação altiva. Só pelo fato de nós voltarmos a ter protagonismo nos grandes temas que estão em debate no país já é a demonstração de que a gente realmente avançou bastante. Infelizmente, com os últimos gestores, a OAB passou por um período muito delicado na história. Nós sabemos e acompanhamos, enfim, que a OAB pediu o impeachment da presidente Dilma, mesmo sabendo que não havia condições materiais para fazê-lo. Qualquer advogado minimamente bem informado sabe que a gente está diante de um gole constitucional. A OAB se prestou a esse papel feio. Infelizmente ela fez política, política partidária com objetivo eleitoral. Isso foi muito ruim. De um tempo para cá, com a retomada desse protagonismo, através, enfim, dessa última eleição, chegou à presidência alguém em quem nós depositamos confiança, que é o presidente Felipe Santa Cruz, nós voltamos a ter um papel diferente. A OAB, com certeza, está em, digamos, bons momentos.
TV 247 — Muito bom. Genivaldo Costa está mandando (...): “Brilhante entrevista. Parabéns, Leo, parabéns ao Marco Aurélio”.
Marco Aurélio Carvalho — Obrigado.
TV 247 — Vamos mandar os corações aqui porque ele vai voltar com certeza, vai ser nosso comentarista permanente aqui na TV 247. Mas eu queria, além dessa questão da OAB, te perguntar da PGR. Como é que você viu a questão do Augusto Aras, se ele, vamos dizer assim... Inspira bons ventos ou não. Qual é a sua percepção em relação a ele?
Marco Aurélio Carvalho — Olha, eu confesso que em relação ao processo, por mais paradoxal que isso possa parecer, eu vou fazer aqui uma análise que talvez vá desagradar algumas das pessoas que estão nos ouvindo. Mas é realmente o que eu penso e o que eu já pensava nos governos que eu tive a oportunidade de apoiar, que eram os nossos governos, que fizeram realmente uma verdadeira revolução no país. Os governos do Lula, o governo da nossa ex-presidente Dilma, enfim. Eu acho que você não precisa, de fato, eleger, aliás, escolher o primeiro da lista. Eu acho que, nesse sentido, nós, do nosso campo, nos equivocamos quando a gente defendeu isso. Com toda a franqueza, o presidente tem direito de escolher um dos três e, de fato, o presidente Bolsonaro fez uso de um direito que ele tem. Quanto a isso não há a menor dúvida. Quando o Aras foi escolhido, eu recebi, digamos, com bons olhos, que ele tem posições, por exemplo, em relação à Lava Jato, que são muito claras. Da necessidade de contensão desses abusos, desses excessos. E ele teve coragem de veicular essas posições. Então isso foi um ponto positivo. Mas agora, recentemente, eu confesso que fiquei um pouco preocupado se ele vai entrar ou não na agenda do presidente. Na posse dele, o nosso presidente Felipe Santa Cruz não compareceu. Não compareceu por quê? Porque, na verdade, eles tiraram o protagonismo que a OAB sempre teve, o assento ao lado do procurador. E por que eles tiraram? Porque eles o entregaram, na cerimônia, para a Presidência da República. Então acho que ele sucumbiu. Independência é independência, né? Se ele diz que é independente, ele tem que ser de forma plena e indiscutível, e tem que, digamos, exteriorizar essa independência. Em um gesto que pode parecer tolo, ele mostrou que talvez já comece, digamos, a cumprir uma agenda que não é a que a gente espera dele.
TV 247 — Esperamos que não. Aparecida dizendo: “Será que algum dia teremos um contraponto como esse nas TVs do Brasil?”. Precisamos ter, ouvir os advogados garantistas nas TVs brasileiras. Porque eles só ouviam os punitivistas.
Marco Aurélio Carvalho — Eu queria te agradecer. Eu fui uma vez chamado à Globo News para fazer um debate com um promotor que tinha uma posição extremamente conservadora sobre o impeachment. Foi a última vez que eles me chamaram, primeira e última. Nunca mais.
TV 247 — É o pensamento único. E o Elói dizendo: “Parabéns aos advogados que respeitam o direito e o defendem”. Aqui, (...) dizendo: “Noite chuvosa na Holanda. Bom momento para ouvir uma entrevista tão importante”. O pessoal mandando muitos corações para você comentar aqui com frequência na TV 247. Última pergunta, que eu sei que o tempo está curto. A gente vai ter a entrevista, daqui a pouco, com a Mercedes, Expo Cannabis. Tema importante lá no Uruguai. Que conselho você daria aos futuros advogados? Porque hoje realmente a gente vê a advocacia muito desvalorizada. O pessoal só quer saber de juiz, promotor e tal. A gente vai voltar a ter bons momentos, assim, um momento de ouro da advocacia, do direito de defesa respeitado no Brasil? Como é que você vislumbra o futuro da advocacia no país
Marco Aurélio Carvalho — Olha, é uma excelente pergunta. Uma excelente pergunta. Eu acredito, com franqueza, que frente a momentos delicados como o que nós estamos vivendo, são tempos indiscutivelmente bicudos, o direito, mais do que nunca, embora seja instrumento de poder, pode ser instrumento de justiça. Eu acho que, nessa compreensão, muitos dos jovens advogados devem, digamos, mirar os seus objetivos. O direito é um mecanismo de contenção desses excessos. É o espaço onde o vulnerável pode ser protegido, onde a injustiça pode ser afastada. Então nós não podemos deixar de sonhar. Claro que nós estamos vivendo temos dificílimos. Mas o remédio para esse enfrentamento não deixa de ser um remédio jurídico. Nós temos que travar o bom combate, através, digamos, dessa perspectiva do enfrentamento. Como fizemos, enfim, recentemente, na história do próprio impeachment. Não saímos vitoriosos como imaginávamos, mas para a história sairemos vitoriosos, não há a menor dúvida. É melhor a gente estar entre os derrotados.
TV 247 — É verdade.
Marco Aurélio Carvalho — Do que estar entre os algozes da democracia no país. Eu acredito, enfim, que o direito ainda é o caminho para a saída frente a tantos excessos. Então é não deixar de sonhar, procurar uma formação humanista. Eu tive a honra de me formar na PUC, tive a oportunidade ter excelentes professores, graças a Deus. E sempre estudei demais, sabendo que o direito pode ser instrumento de poder, e a gente sabe que é, mas é também um instrumento de contenção desse poder. Pode ser também instrumento...
TV 247 — Ou seja, de abuso de poder, né? De abuso de poder e de contenção do poder.
Marco Aurélio Carvalho — Sem dúvida nenhuma, tem toda a razão.
TV 247 — É isso aí, muito obrigado ao Marco, grande entrevista, um prazer tê-lo aqui.
Marco Aurélio Carvalho — Prazer é todo meu, muitíssimo obrigado, e quero voltar aqui com frequência, vai ser uma grande alegria.
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