Massacre no Jacarezinho completa um ano com 24 das 28 mortes arquivadas
Há também uma denúncia aberta contra policiais civis
Rede Brasil Atual - Um ano depois da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, com 28 mortos na Favela do Jacarezinho, completados nesta sexta-feira (6), as investigações do Ministério Público do estado (MP-RJ) chegaram ao fim com a grande maioria dos casos arquivados sob alegação de falta de provas e praticamente sem respostas sobre a realidade do que ocorreu na comunidade naquele 6 de maio de 2021. Dos 13 inquéritos abertos, relacionados a um total de 24 mortes, 10 foram arquivados.
Os outros quatro óbitos motivaram denúncia. A Justiça já havia aceitado uma que apura a morte de um policial. Adriano de Souza de Freitas, o Chico Bento, e Felipe Ferreira Manoel, conhecido como Fred., sãoa pontados como chefes do tráfico no Jacarezinho, e acusados pelo homicídio do policial civil André Frias. O homem suspeito de ter efetuado o disparo, contudo, João Carlos Sordeiro Lourenço, conhecido como Jota, morreu em uma troca de tiros com a Polícia Civil.
Há também uma segunda denúncia aberta contra os policiais civis Douglas Lucena Peixoto Siqueira e Anderson Silveira Pereira. Eles são réus no processo que apura a morte e a remoção do corpo de Omar Pereira, de 21 anos, que teria sido executado dentro do quarto de uma criança. A audiência dos acusados está marcada para 29 de junho. Outra denúncia mais recente foi aberta contra os policiais civis Amaury Sérgio de Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza, pelos homicídios de Isaac Pinheiro de Oliveira e Richard Gabriel da Silva Ferreira, ambos de 23 anos.
Reprodução da versão policial
A força-tarefa do MP concluiu que Isaac e Richard foram assassinados quando já estavam encurralados e desarmados no cômodo de uma casa. Os dois agentes do Core alegavam troca de tiros, mas a versão foi desmentida pelas perícias do local e dos corpos. A Promotoria aponta que eles “efetuaram disparos contra as vítimas indistintamente, imbuídos da intenção comum de executá-los”. Na maioria das mortes, no entanto, os promotores corroboraram com a versão dos policiais e a tese da legítima defesa.
Os promotores também disseram não ter encontrados provas de que as pessoas rendidas foram executadas. E listaram uma série de dificuldades, incluindo encontrar testemunhas nos locais de confrontos. Estes subsídios poderiam desmentir um cenário de legítima defesa dos policiais e evidências de que traficantes fizeram moradores reféns em um casa no Jacarezinho.
As investigações do MP, contudo, também mostram o ceticismo dos promotores diante dos relatos de testemunhas que divergem da versão dos policiais. O órgão argumenta que elas não conseguiram elucidar o que ocorreu dentro das casas no Jacarezinho e que a perícia encontrou vestígios compatíveis com a ocorrência de confronto, a versão dada pelos policiais civis. A Promotoria diz ainda que não foi verificado esgarçamento ou arrasto nos tecidos das roupas das vítimas. Mas reportagem do UOL mostra, por exemplo, que há uma série de inconsistências nos casos arquivados.
Inconsistências
Entre elas, o fato de peritos notarem indícios de morte de suspeitos já rendidos em pelo menos outros três casos. Relatos de moradores também dão conta de remoção de corpos por policiais com a intenção de atrapalhar as investigações. Assim, o argumento do MP de que a perícia foi prejudicada por conta da remoção dos corpos, aos mesmo tempo que ela foi considerada para afirmar que houve confrontos. Além disso, não foram feitos exames para constatar se havia pólvora nas mãos dos mortos, destaca o veículo.
Ao jornal Folha de S. Paulo, o promotor André Luís Cardoso, que coordenou a força-tarefa desfeita em março, declarou que mesmo com as provas do MP, “a gente não pôde na maioria dos casos cravar que houve legítima defesa. Nem dizer que o policial executou”. Mas, segundo Cardoso, “tudo leva a crer que as versões apresentadas pelos policiais são coerentes”.
A versão policial, reproduzida pelo órgão, também se choca com a denúncia de presos pela operação Exceptis, naquele 6 de maio. Eles afirmaram em juízo que foram agredidos e obrigados a carregar mais de 10 corpos de pessoas mortas até o blindado da Polícia Civil. A mesma denúncia também foi foi feita por parentes dos mortos e moradores do Jacarezinho. Assim como por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ) e a Defensoria Pública do estado. Conforme mostra o UOL, a remoção de corpos é uma prática historicamente adotada sob pretexto de prestar socorro para dificultar a investigação. Em casos de morte, porém, a lei estabelece que os policiais devem manter a cena do crime preservada, incluindo os corpos, para perícia.
A maior chacina
“Tivemos a maior chacina do estado do Rio e até agora só temos três ações penais. É um número muito ruim”, criticou ao portal a defensora pública Maria Júlia Miranda, que acompanha as investigações. “Várias pessoas narraram que os corpos eram puxados pelo chão com as cabeças batendo nas quinas e que sabidamente as pessoas estavam mortas”, lembra.
A reportagem também mostra a repetição dos mesmos trechos em vários pedido de arquivamento feitos pelo MP. Em diferentes casos, a letalidade da operação policial é relacionada a atuação do Comando Vermelho, a facção que controla o Jacarezinho. O coordenador da força-tarefa do órgão disse à Folha que a maior dificuldade foi a falta de testemunhas. Das 161 procuradas, eles conseguiram ouvir apenas 72.
Ele defende, porém, que Ministério Público pode pedir o desarquivamento em até 20 anos caso surjam novas informações que justifiquem uma reabertura. Mas acrescentou que o caso não pode ficar aberto “indefinidamente”. “Isso custa dinheiro ao Estado. Se você cumpriu todos os protocolos, angariou todas as provas possíveis e não chegou a um resultado definitivo, você arquiva”, declarou ao jornal.
Injustiça
A notícia do arquivamento de quase todas as mortes foi recebida nesta quarta (4) pelas famílias das vítimas, a dois dias do primeiro ano do massacre. “É impossível não se indignar com essa situação”, criticou o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), que acompanha as famílias do Jacarezinho, em suas redes. Para a entidade, a resposta que o sistema de Justiça dá “mais uma vez, é que existem corpos matáveis, que eles são negros, e que, para esses, não há justiça”.
“Arquivar esses casos é um ‘passe-livre’ para que pessoas negras, pobres e favelados morrerem, já que eles não precisam de respeito”, lamentou o IDPN. O instituto que atua no fomento à advocacia negra e promoção do serviço jurídico gratuito à comunidade negra, é também responsável pelo Observatório Cidade Integrada, lançado em fevereiro, após as reiteradas denúncias de abusos policiais dos moradores do Jacarezinho após ocupação da comunidade pelo programa estadual Cidade Integrada do governo de Cláudio Castro (PL).
Ao longo desta semana, o observatório realizou diversas ações para lembrar dos mortos na chacina e cobrar justiça do Estado para as favelas. De acordo com o coordenador do IDPN, o advogado Joel Luiz Costa, está marcado para tarde de hoje uma marcha em protesto destacando que 28 mortos não é operação, mas chacina. Na comunidade também será inaugurado um memorial pelas vítimas do massacre.
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