Após consulta pública com intensa participação popular, Anvisa discute se manterá proibição de cigarros eletrônicos
Venda de cigarros eletrônicos acontece livremente em todo país, mesmo sendo proibida desde 2009
247 - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realiza, nesta quarta-feira (17), uma reunião da diretoria colegiada para discutir, entre outros temas, sobre a manutenção da proibição dos dispositivos eletrônicos de fumar. O tema é urgente, já que o comércio de cigarros eletrônicos ou vapes, como são chamados popularmente, acontece livremente no Brasil, mesmo proibidos desde 2009. Em seis anos, o consumo aumentou quase 600%, segundo pesquisa do instituto Ipec 2023, e mais de seis milhões de brasileiros adultos já experimentaram esses vaporizadores, fabricados e vendidos sem nenhum controle de composição ou procedência e comercializados ilegalmente no país. Segundo informações da Receita Federal, entre 2019 e 2023, as apreensões de cigarros eletrônicos contrabandeados cresceram de 23 mil para 1,1 milhão de unidades em 2023. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 12,3% dos brasileiros fumam cigarros convencionais.
Em meio a esta explosão de consumo irregular, a Anvisa fez uma consulta pública entre os meses de dezembro e fevereiro para ouvir a sociedade brasileira sobre a sua proposta de manter proibidas a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte, publicidade e divulgação de cigarros eletrônicos ao público. A consulta recebeu 13.930 manifestações de especialistas, médicos, formuladores de políticas, adultos fumantes e da sociedade em geral, refletindo o intenso debate em torno do tema. Dos participantes, 37% manifestaram apoio à proposta de manutenção do veto aos cigarros eletrônicos, enquanto a maioria das pessoas (59%) não concorda com a proibição. Quando questionados sobre os impactos de manter a proibição dos cigarros eletrônicos, 58% dos respondentes consideraram que seriam negativos, enquanto para 37% seriam positivos e para 5%, positivos e negativos. A participação teve caráter consultivo e irá auxiliar a Anvisa a tomar decisões sobre a definição de políticas públicas em torno do assunto.
Além da Anvisa, a regulamentação dos cigarros eletrônicos também é tema de debate no Congresso Nacional. O projeto de lei 5008/2023 apresentado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) propõe medidas para regular o consumo, a importação, a venda e o descarte desses dispositivos eletrônicos. Em entrevista à TV 247, a senadora argumentou que, da forma como o assunto vem sendo tratado, o mercado ilegal e o crime organizado estão sendo beneficiados. "Atualmente, a falta de regulamentação favorece o crime organizado. Enquanto a Anvisa proíbe a importação e a comercialização, não existe uma lei que proíba o consumo. Portanto, estamos enfrentando um vácuo jurídico e não vemos nenhuma proposta de solução para esse problema por parte do poder público, tanto do Executivo quanto dos legisladores", afirmou Thronicke.
Países regulamentam vapes como política de redução de danos
Enquanto o Brasil avalia se mantém ou não a proibição do comércio e o consumo de cigarros eletrônicos, mais de 80 países estabelecem regras para os produtos e alguns deles reconhecem os vapes como uma opção de menor risco à saúde em comparação aos cigarros tradicionais. A regulamentação já é realidade em países como Estados Unidos, Canadá, Suécia, Reino Unido, toda a União Europeia, Nova Zelândia, entre outros. Recentemente, o Parlamento Europeu aprovou um relatório destacando a promoção da redução de danos e reconhecendo os cigarros eletrônicos como uma alternativa ao tabaco. A ideia é incentivar fumantes adultos a trocar cigarros tradicionais por alternativas de nicotina menos prejudiciais à saúde. O plano europeu de combate ao câncer estabelece a meta de alcançar uma geração livre de tabaco, reduzindo o consumo de cigarros convencionais para apenas 5% da população até 2040. O relatório do Parlamento Europeu ressalta a importância de basear a regulamentação dos cigarros eletrônicos em evidências científicas. Nesse sentido, regulamentações específicas para este tipo de produto poderiam tornar as alternativas de menor risco mais acessíveis aos adultos fumantes do que os cigarros convencionais. Importante observar que em todos os países, as decisões foram tomadas com base em evidências científicas que comprovam que cigarro eletrônico é menos prejudicial que o cigarro convencional.
Na Inglaterra, por exemplo, o Ministério da Saúde realizou uma revisão abrangente de mais de 400 estudos científicos sobre cigarros eletrônicos, visando compreender os efeitos a longo prazo do seu uso e seu potencial como uma ferramenta de redução de danos para fumantes adultos. Os "vapes" são produtos regulamentados na Inglaterra há mais de uma década, com o comportamento dos consumidores sendo monitorado regularmente no país. Esta revisão foi conduzida por pesquisadores do King's College London, liderados por Ann McNeill, uma renomada pesquisadora e professora de dependência de tabaco. Os resultados, divulgados em setembro de 2022, reafirmam as conclusões de estudos anteriores, destacando que o consumo de cigarros eletrônicos é consideravelmente menos prejudicial à saúde em comparação com o tabagismo convencional.
"Já afirmamos em nosso relatório de 2015 que o uso de cigarros eletrônicos representa apenas uma fração do risco associado ao tabagismo e é pelo menos 95% menos prejudicial do que os cigarros tradicionais, se não mais. Em outras palavras, os 'vapes' são pelo menos 20 vezes menos nocivos do que os cigarros. Com base nas evidências revisadas, acreditamos que essas estimativas continuam sendo amplamente precisas, pelo menos no curto e médio prazo", afirma o relatório. Com base nessas evidências científicas, a Inglaterra optou por adotar os cigarros eletrônicos como parte de sua estratégia de redução de danos para os adultos fumantes.
Suécia prestes a ser país “livre de tabagismo”
A Suécia é um outro exemplo de sucesso na regulamentação dos cigarros eletrônicos. Com uma população de 5,6% de fumantes adultos, o país europeu está prestes a ser a primeira nação “livre de tabagismo” do mundo. Segundo parâmetros adotados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o país que reduz a proporção de fumantes ao patamar de 5% pode ser considerado livre do tabagismo. A Suécia alcançou números expressivos em combate às doenças relacionadas ao tabagismo, como 41% casos de câncer a menos do que outros países europeus; menor taxa de doenças relacionadas ao tabaco na União Europeia e 40% menos mortes por todas as doenças relacionadas ao tabaco, em comparação com a média da UE.
Entre as ações adotadas pelo país, está a troca dos cigarros convencionais por alternativas menos danosas, como sachês de nicotina oral e os vapes, por exemplo. No estudo “A experiência sueca: um roteiro para uma sociedade sem fumo”, várias medidas foram elencadas como importantes para outros países que queiram reduzir o número de fumantes, como incentivar os fumantes a mudar de cigarros convencionais para alternativas menos prejudiciais; fornecer informações baseadas em fatos que criem aceitação – é claro que não há produtos de tabaco sem risco; e decisões políticas que tornam as alternativas sem fumo mais acessíveis do que os cigarros.
A Nova Zelândia é outro país que também tem adotado política de redução de danos com a utilização de cigarros eletrônicos. Com a meta de ser livre do fumo até 2025, o Ministério da Saúde traçou o plano de ação “Smokefree New Zealand 2025”, com políticas públicas direcionadas para o alcance de uma taxa abaixo de 5% de prevalência de tabagismo. Em 2023, 6,8% da população adulta da Nova Zelândia fumava diariamente cigarros tradicionais - uma queda de 60% na última década -, segundo a última pesquisa de saúde do país realizada sobre o tema. Dentre as medidas antifumo, está a troca dos cigarros convencionais por vaporizadores como parte de uma estratégia de redução de danos e cessação do tabagismo. O estudo mostra também, que o uso dual dos produtos (convencional + eletrônico) caiu 60% em 2023, demonstrando a escolha dos consumidores por um dispositivo que oferece menor dano à saúde. A regulamentação da Nova Zelândia para os chamados vapes tem regras que contemplam a venda limitada a sistemas fechados, proibição de publicidade e da venda para menores de 18 anos, restrição de sabores, limites de nicotina entre 20mg e 50mg, além de campanhas de apoio ao consumo de novas alternativas de nicotina para a cessação do tabagismo.
Os exemplos disponíveis ao redor do mundo mostram que a regulamentação dos cigarros eletrônicos pode desempenhar um papel importante como instrumento de política pública de redução dos danos à saúde de adultos fumantes, desde que baseada em evidências científicas e acompanhada de medidas eficazes para conter o acesso por parte de menores de idade e garantir a segurança dos consumidores.
Em paralelo à decisão da Anvisa, está aprovada a realização de uma Audiência Pública no Senado Federal para discussão do tema. A expectativa é que a data da Audiência seja anunciada nos próximos dias.
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