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    No Mercosul, Lula condena tentativa de golpe na Bolívia e diz que desigualdade na América Latina ameaça a democracia

    "É preciso permanecer vigilante. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, disse o presidente

    Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

    247- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) condenou nesta segunda-feira (8), durante cerimônia de abertura da 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, a recente tentativa de golpe militar ocorrida na Bolívia e afirmou que a desigualdade estimula ameaças à democracia na região. 

    “A democracia prevaleceu graças à firmeza do governo boliviano, a mobilização de seu povo e o rechaço da comunidade internacional. O Mercosul permaneceu mais uma vez unido em defesa da plena vigência do Estado de Direito consagrada no protocolo de Ushuaia. A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstra que não há atalhos à democracia em nossa região. Mas é preciso permanecer vigilante. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-as a serviço de interesses reacionários”, disse Lula. “Enquanto a nossa região seguir entre as mais desiguais, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado”, completou.

    Ainda segundo ele, “o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade. Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do Estado como planejador e indutor do desenvolvimento. Não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista, tampouco resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades da região".

    Confira a íntegra do discurso do presidente Lula na 64ª Cúpula de chefes de Estado do Mercosul e de Estados Associados:

    "Quero agradecer de coração a calorosa acolhida dispensada à minha delegação e a mim pelo presidente Santiago Peña e sua equipe.

    Retornar à cidade onde o MERCOSUL foi lançado sempre nos motiva a refletir sobre o estado da integração.

    Há menos de quinze dias, um membro de nosso bloco sofreu uma tentativa de golpe.

    A democracia prevaleceu graças à firmeza do governo boliviano, à mobilização do seu povo e ao rechaço da comunidade internacional.

    O MERCOSUL permaneceu mais uma vez unido em defesa da plena vigência do estado de direito, consagrada no Protocolo de Ushuaia.

    A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram que não há atalhos à democracia em nossa região.

    Mas é preciso permanecer vigilantes.

    Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários.

    Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada.

    Democracia e desenvolvimento andam lado-a-lado.

    Os bons economistas sabem que o livre-mercado não é uma panaceia para a humanidade.

    Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do estado como planejador e indutor do desenvolvimento.

    No mundo globalizado não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista.

    Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades em nossa região.

    Esta é a décima nona Cúpula do MERCOSUL de que participo como chefe de Estado.

    Nunca nos deparamos com tantos desafios, seja no âmbito regional, seja em nível global.

    Nos últimos anos, permitimos que conflitos e disputas, muitas vezes alheios à região, se sobreponham à nossa vocação de paz e cooperação.

    Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si própria.

    Num contexto de acirramento da competição geoestratégica, a questão que se impõe é se nossos países querem se integrar ao mundo unidos ou separados.

    Não vejo contradição entre participar da economia global e cooperar entre vizinhos.

    Minha aposta no MERCOSUL como plataforma de inserção internacional e de desenvolvimento do Brasil permanece inabalável.

    Nosso bloco é um projeto ambicioso e que gerou muitos frutos desde seu lançamento.

    O comércio entre nós multiplicou-se dez vezes e hoje já é de 49 bilhões de dólares.

    É preciso pensar grande, como nossos antecessores ousaram fazer nesta capital há 33 anos.

    O MERCOSUL será o que quisermos que seja.

    Não nos cabe apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente

    Nossos esforços de atualização devem apontar para outra direção. 

    Temos uma agenda inacabada, que envolve dois importantes setores de nossas economias excluídos do livre comércio.

    Os avanços para a inclusão do setor automotivo ainda são insuficientes.

    No setor açucareiro, que engloba o desenvolvimento dos biocombustíveis, não logramos sair das discussões teóricas.

    Precisamos de uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação para geração de emprego e renda.

    A adesão plena da Bolívia tem enorme valor estratégico e faz do nosso bloco ator incontornável no contexto da transição energética.

    Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata.

    Temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares.

    Podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países.

    A governança regional de dados no MERCOSUL é vital para nossa soberania futura e para o desenvolvimento da Inteligência Artificial.

    É preciso habilitar nossa região a desenvolver capacidade própria de coletar, processar e armazenar dados, insumo fundamental para avançar no desenvolvimento tecnológico e na digitalização da indústria regional.

    Atualização do bloco também implica em uma ambiciosa agenda comercial externa.

    Na presidência brasileira, assinamos o acordo de livre comércio com Singapura, o primeiro entre o nosso bloco e um país asiático.

    Sob a liderança do presidente Santiago Peña, foi lançado processo de negociação com os Emirados Árabes Unidos.

    Só não concluímos o Acordo com a União Europeia porque os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas.

    Nos orgulhamos de ser o primeiro país do bloco a ratificar o Acordo de Livre Comércio com a Palestina, mas não posso deixar de lamentar que isso ocorra no contexto em que o povo palestino sofre com as consequências de uma guerra totalmente irracional.

    Espero que neste ano possamos aprofundar o diálogo sobre um acordo abrangente com a China.

    Aprimorar o Sistema de Pagamentos em Moeda Local será importante tarefa da próxima presidência pro tempore.

    Maior harmonização nos procedimentos adotados pelos nossos bancos centrais para esse tipo de operação reduzirá custos e beneficiará sobretudo pequenas e médias empresas do nosso continente.

    O FOCEM permanece instrumento chave para a redução das nossas disparidades e assimetrias. Cabe aproveitá-lo em todo seu potencial.

    O Brasil saldou, no ano passado, a totalidade de sua dívida com o Fundo, permitindo uma nova rodada de projetos.

    Já selecionamos oito iniciativas no valor de 70 milhões de dólares, contemplando saneamento, desenvolvimento produtivo para geração de emprego e renda, mobilidade urbana e infraestrutura social para aldeias indígenas.

    É isso que faz a diferença na vida das pessoas.

    Um pseudo “aggiornamento” que afasta o MERCOSUL de suas bases sociais nos enfraquece.

    Apagar a palavra gênero de documentos só agrava a violência cotidiana sofrida por mulheres e meninas.

    Para superar flagelos como a fome, a pobreza e as desigualdades, é importante contar com um Instituto Social forte, com meios para estabelecer metas e ações concretas.

    O Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos deve dispor dos recursos necessários para apoiar nossos países na complexa tarefa de garantir diretos e dignidade.

    Fortalecer a relação com o PARLASUL também contribuirá tanto na internalização e implementação de normas do bloco, como na aproximação com diferentes segmentos sociais.

    Não podemos vir a cada Cúpula de Chefes de Estado apenas para discursar. É preciso ouvir.

    Por isso, o Brasil defende o fortalecimento da Cúpula Social, que é uma das principais plataformas de interação com representantes da sociedade civil.

    Meus amigos, minhas amigas,

    A crise climática nos aproxima muito rapidamente de um cenário catastrófico.

    No último um ano e meio, vivemos secas históricas na Amazônia, nos Pampas e no Pantanal brasileiro e boliviano, que também padeceram com incêndios nos últimos dias.

    Há poucas semanas, o Rio Grande do Sul sofreu enormes perdas humanas e materiais com inundações sem precedentes, que também impactaram o Uruguai.

    Além de agradecer a solidariedade de todos os sócios do MERCOSUL que ofereceram prontamente os mais diversos tipos de ajuda humanitária, quero fazer um chamado por maior engajamento e ambição climática.

    É muito oportuna a adesão do MERCOSUL, nesta Cúpula, ao Memorando de Entendimento sobre cooperação em gestão integral de risco de desastres.

    Somos o continente com a maior floresta tropical e as maiores reservas de água doce do mundo.

    Este ano, na COP-16, em Cáli, mostraremos também a magnitude da biodiversidade sul-americana.

    No próximo, o Brasil sediará COP 30, em Belém.

    Serão oportunidades para o MERCOSUL e a América do Sul apresentar uma visão coletiva sobre os desafios do desenvolvimento sustentável.

    Temos a autoridade moral para nos fazer ouvir e a responsabilidade histórica de liderar pelo exemplo.

    Já estamos na metade da presidência brasileira do G20.

    A lamentável reversão dos avanços no combate à pobreza e à fome dos últimos anos é uma preocupação compartilhada.

    Em duas semanas farei a apresentação da Aliança contra a Fome e a Pobreza no âmbito do Grupo, que será aberta em breve a todos os países.

    Espero contar com o apoio de todos vocês como membros da Aliança.

    Senhoras e senhores,

    O MERCOSUL é resiliente e tem sobrevivido aos difíceis anos de desintegração.

    Pensar igual nunca foi critério para engajamento construtivo nas tarefas do bloco.

    A diversidade de opiniões, sem extremismos e intolerância, é bem-vinda porque fortalece nossas democracias e nos conduz a escolhas melhores.

    O MERCOSUL é e seguirá sendo a grande aposta de inserção internacional e de desenvolvimento do Brasil.

    Quero, por fim, parabenizar a presidência paraguaia pelo comando firme e pragmático dos trabalhos do MERCOSUL ao longo deste semestre e desejar ao meu colega Lacalle Pou sucesso na sua presidência a partir de agora.

    O querido presidente Pepe Mujica costuma dizer que “é preciso construir vínculos em nossa região para que possamos, juntos, ser ouvidos em nível internacional. Os desafios que temos como humanidade requerem, mais do que nunca, esforços coletivos e propostas inovadoras”

    Que suas palavras inspirem todos nós a olhar para o MERCOSUL como fonte de soluções para os nossos desafios e desenvolvimento.

    Precisamos de um mundo de paz.

    Essa é a razão do nosso engajamento em prol de uma solução para o conflito entre Rússia e Ucrânia que efetivamente envolva as duas partes.

    O apoio do Brasil à África do Sul em sua ação na Corte Internacional de Justiça visa a por fim à matança indiscriminada de mulheres e crianças em Gaza.

    Encerro com o registro da vitória das forças progressistas nas recentes eleições no Reino Unido e na França. Ambas são fundamentais para a defesa da democracia e da justiça social contra as ameaças do extremismo.

    Muito obrigado".

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