Sob Milei, 55% dos argentinos vão à pobreza
De acordo com o Observatório da Dívida Social da UCA, a indigência atingiu 18% dos argentinos no primeiro trimestre de 2024
Sputnik - O estudo da prestigiosa Universidade Católica Argentina revelou que 18% da população vive na indigência. Os valores —resultantes da redução salarial registrada entre janeiro e fevereiro, após a desvalorização de 50%— constituem os piores registros em mais de 20 anos, apenas igualados após a megacrise econômica de 2001-2002.
Mais da metade dos argentinos estão abaixo da linha da pobreza. Segundo a renomada Universidade Católica Argentina (UCA), 55% da população não satisfaz suas necessidades básicas. De acordo com o Observatório da Dívida Social da entidade, no primeiro trimestre de 2024, a indigência atingiu 18% das pessoas. Estes são os piores valores em mais de 20 anos.
Embora o fenômeno venha aumentando há anos, a política econômica de choque implementada pelo governo de Javier Milei —juntamente com a subsequente recessão desencadeada— foi determinante. "A desvalorização da moeda foi diretamente transmitida para os preços internos, impactando na qualidade de vida da população", disse Eduardo Donza, sociólogo e pesquisador do Observatório, à Sputnik.
De acordo com o especialista, "o pico da pobreza foi alcançado em fevereiro, quando atingiu 58%. Felizmente, a desaceleração da inflação contribuiu para uma queda relativa, estabilizando em 55%, o que, de qualquer forma, é um valor muito preocupante".
Uma lacuna crescente: O contraste entre a linha da pobreza e os rendimentos é eloquente e ajuda a compreender a complexidade do contexto social. Em abril, um lar com quatro membros precisou de $828.158 para não ser pobre (cerca de 690 dólares à taxa de câmbio informal) e $373.044 para não cair na indigência (310 dólares). No entanto, o salário mínimo vital e móvel foi elevado em maio para apenas $234.315 (195 dólares).
Segundo as estimativas da Central de Trabalhadores Argentinos (CTA), entre novembro de 2023 e maio de 2024, o salário mínimo sofreu uma queda de 27,9% em termos reais.
A comparação com as medições do ano anterior reflete um deterioro nas condições de vida da população. De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC), no segundo semestre de 2023, a pobreza atingiu 41,7% da população (cerca de 19,4 milhões de pessoas), enquanto a indigência havia subido para 11,9% (5,5 milhões). Comparando com os valores de 2022, houve uma piora nas variáveis: aquele ano encerrou com 39,2% de pobreza e 8,1% de indigência.
Um dado ajuda a entender a agudização da vulnerabilidade nos setores populares. Enquanto a inflação anual geral registrada em abril foi de 289,4%, nos mesmos 12 meses, os alimentos subiram de preço em 293%. Ou seja, os produtos mais básicos registraram um aumento maior que a média.
Segundo Donza, "o setor de alimentos é um dos que mais aumentou, junto com os serviços básicos, principalmente após as medidas adotadas por este governo. Estes são os elementos que mais impactam nos gastos das famílias e ajudam a entender a situação atual".
Um fenômeno estrutural: De acordo com o sociólogo, a gradual pauperização nas condições de vida da população —que acumula sete anos de queda consecutiva nos rendimentos, período que abrange os mandatos de Mauricio Macri (2015-2019) e Alberto Fernández (2019-2023)— começa a solidificar um "piso" de pobreza cada vez mais alto e difícil de reverter.
"É muito provável que o núcleo duro da pobreza tenha aumentado. A persistência geracional nessa condição é muito prejudicial para a possibilidade de sair dessa situação. Apesar das recuperações esporádicas, um fenômeno estrutural foi consolidado", apontou o pesquisador.
"A Argentina registra níveis muito altos de pobreza há cerca de 20 anos. A classe média sempre foi motivo de orgulho. Agora, essa classe média só conta com capital simbólico, porque o econômico é cada vez menor", destacou o pesquisador.
Num contexto de deslegitimação do papel do Estado —sobre o qual Milei prometeu passar uma "motoserra"—, imerso numa crise por falta de recursos, os especialistas apontam a necessidade de reforçar o papel do setor público para conter os "caídos" do sistema.
"O Estado argentino sempre teve uma tradição assistencialista em relação às famílias mais empobrecidas, mas hoje está em xeque, sem propor nenhuma alternativa superadora", considerou Donza. Segundo o especialista, "para reduzir a pobreza, é necessário um grande acordo político, mas também econômico: sem acordos de preços, é muito difícil interromper a inércia crescente, e a responsabilidade de coordenar as expectativas é do governo".
Diante do drástico ajuste orçamentário proposto pelo Poder Executivo —refletido na paralisação total da construção de obras públicas ou na cessação virtual do repasse de fundos discricionários para as províncias—, Donza considerou que a importância da administração pública na alocação de recursos deve ser repensada.
"A falta de contenção social pode ser um problema futuro. Se um piso alto de pobreza continuar a se consolidar, esses valores serão cada vez mais difíceis de reverter. Evitar esse crescimento deveria ser a principal prioridade do Estado", concluiu o pesquisador.
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